quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

942- PODER MUNICIPAL 12 - Nova democracia, os direitos fundamentais e suas garantias.

PARA CITAR: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Belo Horizonte, Editora Del Rey, 1997, pp. 95-106.

10. A NOVA DEMOCRACIA, OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS GARANTIAS

Tivemos oportunidade de desenvolver trabalhos anteriores sobre os direitos humanos, tendo como referencial teórico o Estado Liberal e o Estado Social.
Partindo de enorme leque de classificações, optamos por escolher classificação mais simples que possibilitasse visualizar com facilidade os grupos de direitos fundamentais que compõem os direitos humanos, concluindo, no livro Direitos Humanos na Ordem Jurídica Interna, pela indivisibilidade dos direitos indivi­duais, sociais, políticos, econômicos e culturais, sendo que estes últimos se destacam no Direito Internacional e em Constituições como a espanhola; na Constituição brasileira podem se encontrar classificados enquanto direitos sociais[1].
Estudando, no referido livro, os direitos humanos na sua perspectiva filosófica e constitucional, concluímos pela impossibi­lidade de se fazer uma leitura que indicasse o tratamento estanque dos vários grupos de direitos que compõem os Direitos Humanos. Estabelecemos como referencial teórico o que hoje já é aceito pela doutrina de Direito Internacional e palie da doutrina do Direito Constitucional: a indivisibilidade dos direitos fundamentais numa perspectiva do Estado Social e Democrático de Direito.
Isto significa que não há que se falar em liberdade sem mecanismos de exercício dessa liberdade. Dessa forma os diretos econômicos e sociais aparecem como garantias socioeconô­micas dos direitos individuais e políticos, o velho núcleo de direitos humanos numa perspectiva liberal e de certa forma neoliberal.
Muitos textos constitucionais empregaram a expressão "garantias constitucionais" ou "garantias individuais" para signi­ficar os direitos individuais neles encontrados. Com o tempo, se perceberá que a simples declaração não será suficiente para ga­rantir a sua eficácia.
Podemos perceber que, neste momento, as expressões "ga­rantias constitucionais" ou "garantias de direitos" terão significa­dos diferentes. Na doutrina francesa, a garantia de direitos decor­rerá da inserção nos textos constitucionais de princípios, institu­tos ou situações subjetivas, que, após sua incorporação ao texto constitucional, passam a ser especialmente asseguradas, isto é, garantidas constitucionalmente[2].
A doutrina alemã, de forma diferente, vai empregar essa expressão para significar os mecanismos jurídicos que dão segu­rança ao ordenamento constitucional e estabelecem preceitos para a integridade de seu valor normativo[3].
Utilizando essa expressão para significar os mecanismos jurídicos que garantem a eficácia das normas constitucionais, encontraremos no direito brasileiro garantias, como o habeas corpus, habeas data, mandado de segurança (individual e coletivo), mandado de injunção, remédios processuais constitucionais, além de princípios fundamentais do Direito Processual, como o devido processo legal, o juiz natural, a instrução contraditória e a ampla defesa.
Tais concepções de garantias de direitos evoluíram como reflexo da evolução e conseqüente ampliação do leque de direi­tos fundamentais, aos quais se somaram, no início do século os direitos sociais, econômicos e culturais, como complemento ne­cessário aos direitos individuais e políticos.
Dessa forma, podemos dividir as garantias constitucionais em três tipos diferentes, que poderiam ser classificadas como garantias processuais, garantias de rigidez constitucional e ga­rantias socioeconômicas dos direitos individuais e políticos.
Enquanto garantias processuais, localizamos na Constitui­ção de 1988 garantias específicas e genéricas. O habeas corpus, tradicional remédio processual constitucional, visa proteger es­pecificamente a liberdade de locomoção, enquanto o habeas data garante o direito à informação.
O mandado de segurança individual vem acompanhado da criação do mandado de segurança coletivo, que proporciona às organizações sindicais, entidades de classe ou associações, legal­mente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, a possibilidade de defesa de direitos de seus membros ou associa­dos, e aos partidos políticos a defesa dos direitos difusos, que pertencem a todos de forma indivisível e indisponível.
Surgiram, ainda, no Texto de 1988, garantias processuais dirigidas a dispositivos que dependem de regulamentação, que em geral são aqueles referentes a direitos sociais e econômicos. O mandado de injunção vem possibilitar a concretização dos dispositivos constitucionais que dependem de norma regulamentadora e tem como objetivo obter de Poder Judiciá­rio, num caso concreto e com efeito inter partes, a regulamen­tação do direito de forma provisória, até que o órgão ou poder competente o faça.
O objeto do mandado de injunção é suprir a carência de norma regulamentadora, possibilitando que o sujeito do direito, que depende da regulamentação, possa usufruir deste. É importante notar que, como na ação de inconstitucionalidade por omis­são, o mandado de injunção também é uma forma processual de controle de constitucionalidade, pois supre, para aqueles que o impetrarem, a omissão inconstitucional.
A outra garantia, portanto, é a ação direta de inconstitucio­nalidade por omissão, que não se confunde com o mandado de injunção. Além da diferença da legitimidade ativa e passiva, nos termos da redação do art. 103, I a IX, e do § 2°, a principal diferença está no objeto. O mandado de injunção visa ao pronto exercício do direito, embora ausente a norma regulamentadora. Temos então uma decisão judicial supridora da omissão para aquele caso concreto colocado sob apreciação do Poder Judici­ário. De forma diferente, a ação de inconstitucionalidade por omissão busca a construção da norma ausente por parte do órgão erga omnes, ao contrário do mandado de injunção, que tem efeito inter partes.
Finalmente, temos ainda como garantias processuais cons­titucionais a ão direta de inconstitucionalidade por ação, com legitimidade ativa restrita às pessoas do art. 103 da Constituição Federal, e a ação popular, bastante valorizada no texto de 1988, pois amplia sua proteção, possibilitando que por intermédio des­se remédio processual se possa anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
A segunda espécie de garantia constitucional é aquela que chamamos de garantia de rigidez constitucional. Essa garantia caracteriza-se pela inserção de determinados limites à atuação do Poder Público, das pessoas em geral e do legislador infraconsti­tucional, no que se refere à proteção dos direitos fundamentais.
Exemplificando, podemos visualizar essa espécie de ga­rantia ao fazermos estudo comparado de textos constitucionais brasileiros, no que diz respeito à inviolabilidade do domicílio. A Constituição de 1937, quando se refere a este direito, simples­mente declarou o direito à inviolabilidade da casa, "salvas as exceções expressas em lei" (art. 122, § 6° da Constituição brasi­leira de 1937). Não há aí nenhuma garantia, mas mera declaração de direito, que deixa livre o legislador infraconstitucional para estabelecer quaisquer casos em que se poderá penetrar no domi­cílio.
A Constituição de 1967, no seu art. 150, § 10, estabelece que a casa é o asilo inviolável, ninguém podendo nela penetrar, à noite, sem consentimento do morador, a não ser em caso de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e na forma que a lei estabelecer. Temos um limite expresso relativo aos casos em que se poderá penetrar no domicílio durante a noite, havendo, portanto, uma garantia de rigidez da Constituição, que não permite ao legislador infraconstitucional estabelecer outras hipóteses senão aquelas já previstas. Entretanto, durante o dia, o Texto Constitucional deixa o legislador livre para estabelecer quais os casos ele entenda ser necesrio regulamentar. Não há então garantia de rigidez para o legislador ordinário, mas há para as autoridades e para os cidadãos em geral, que estarão restritos à determinação de lei infraconstitucional, conforme mandamento constitucional.
O texto de 1988 estabelece, no seu art. 5°, XI, que a "casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia por determi­nação judicial". Temos neste caso garantia de rigidez constitucio­nal dirigida para o legislador ordinário, que não poderá estabelecer outros casos além dos ali mencionados, como também, obviamen­te, são estes limites impostos para todos que obrigatoriamente em nosso território se submetem à nossa ordem constitucional.
Utilizamos esse exemplo apenas para facilitar o entendi­mento da expressão "garantia de rigidez constitucional", aqui empregada.
O último tipo de garantia constitucional é que podemos classificar como garantias socioeconômicas dos direitos indivi­duais e políticos, conceito que nos levará à percepção da indivisi­bilidade dos direitos humanos.
Para entendermos o sentido de tais garantias, é necessário percorremos rapidamente a evolução do conceito de direitos humanos e mesmo de indivíduo no Direito Constitucional mo­derno. O Estado liberal, que se afirmou com a Revolução ameri­cana de 1776, a Constituição norte-americana de 1787 e a Revo­lução francesa de 1789, que proclamou direitos individuais e liberdades públicas que irão se fundamentar em dois conceitos básicos.
Segundo Charles Tocqueville, existia uma concepção libe­ral que defendia a correlação entre propriedade e liberdade e uma concepção liberal-democrática que defendia a correlação entre igualdade e liberdade[4].
Direitos humanos nesse período terão como conteúdo ape­nas os direitos individuais e políticos, sendo os direitos políticos sinônimos de democracia política extremamente limitada e restri­ta, vinculada a privilégios econômicos.
Esse liberalismo clássico corresponderá, portanto, a um Estado Liberal, que traduzirá o pensamento econômico do laissez-faire -laissez-passez, que deixará aos cidadãos a possibi­lidade do exercício da livre concorrência de modo que o egoísmo de cada um ajude a melhoria do todo[5].  
Esse modelo político e econômico levava, no século XIX, à concentração econômica que ameaçava o núcleo do pensamen­to liberal de livre concorrência e livre iniciativa. Era urgente a intervenção estatal no domínio econômico que viesse possibilitar a sobrevincia do liberalismo, como também era urgente que o Estado liberal incorporasse determinadas reivindicações socialis­tas por trabalho, previdência, saúde e educação, evitando com isso a explosão social que ameaçava os Estados europeus naque­le final de século e no início do século XX.
Esses fatos conduziram ao surgimento do Estado Social e Democtico de Direito, que se afirma nas Constituições do México, de 1917, e da Alemanha, de 1919.
Essas Constituições ampliaram o catálogo de direitos fun­damentais, acrescentando ao núcleo desses direitos no Estado liberal (os direitos individuais e políticos) novos direitos sociais, econômicos e culturais.
É importante ressaltar que não se trata de mera ampliação de direitos e garantias, como interpretam vários constitucionalis­tas, que caracterizaram esse Estado como um Estado assistencia­lista, mantendo o núcleo liberal de direitos fundamentais intacto e acrescentando direitos sociais e econômicos, que seriam refle­xos da injunção econômica do momento. O Estado, nesse senti­do, interviria na economia quando necessário, para fazer corre­ções e assistiria os necessitados nos momentos de crise econômica. Não há, portanto, nenhuma reformulação no modelo econô­mico liberal.
Entendemos não ser isso o que propõe o novo modelo constitucional, que é adotado pela Constituição de 1988.
Na verdade, os direitos sociais e econômicos são verdadei­ras garantias socioeconômicas do exercício de direitos individuais e políticos. Não há como separar os direitos individuais e políti­cos dos direitos sociais e econômicos. Eles são indivisíveis, e esta é a grande contribuição do moderno constitucionalismo.
Ocorre, a partir de então, o surgimento de um novo concei­to de indivíduo, que ultrapassa o conceito liberal. É um indivíduo portador de todos os direitos que possam permitir a sua completa integração à sociedade em que vive. É um indivíduo que não tem apenas o direito à sobrevivência, à vida biológica, mas o direito à vida com dignidade, com trabalho e justa remuneração.
As garantias socioeconômicas são meios de que o indivíduo deve dispor em uma sociedade, em um determinado momento histó­rico, para poder ser livre. Não há liberdade política sem democracia econômica e social. Esta é a propositura que faz o Estado democráti­co e social de direito, e é este o sentido da expressão "garantias socioeconômicas de direitos individuais e políticos".
Os direitos humanos, hoje, são integrados por grupos de direitos indivisíveis, como os direitos individuais, políticos, eco­nômicos e sociais. Um pressupõe o outro necessariamente, e não há como compreender essa nova sistemática, partindo de pressu­postos liberais. Estes estão ultrapassados.
Nesse sentido, em trabalho sobre Direitos Fundamentais e Constituição, o Professor Jaime Ordoñes recorda que o trabalho do Estado não se limita a tarefa de tutelar determinados direitos fundamentais dentro de uma normativa jurídica, para que estes sejam efetivos, mas, citando Norberto Bobbio, ressalta a necessi­dade de que ocorra a "função promocional do direito",
"onde, através de medidas positivas, se buscaria promover condições para que a igualdade e liberdade fossem efetivas, removendo obstáculos que impedissem a plenitude do exercício destes direitos e facilitasse a participação dos cida­dãos na vida política, econômica e cultural de um país"[6].
Podemos dizer que os direitos sociais e econômicos possi­bilitam a libertação do indivíduo das carências materiais que o impedem de ser realmente livre.
O debate de indivisibilidade dos direitos humanos também ocorreu no Direito Internacional Público, onde superou-se a dicotomia entre direitos civis e políticos de um lado, como direi­tos de implementação imediata, e direitos socioeconômicos e culturais de outro lado, como direitos passíveis de aplicação apenas progressiva.
O Professor Antônio Augusto Cançado Trindade aborda a questão no seu livro A Proteção Internacional dos Direitos Hu­manos, quando ressalta o questionamento e mesmo a superação da velha dicotomia, que no plano global se deu com a Conferên­cia de Direitos Humanos de Teerã, de 1968, e a célebre Resolu­ção 321130, de 1977, da Assembléia Geral da ONU, que procla­maram a indivisibilidade e a interdependência de todos os direi­tos humanos. Nas palavras do autor:
"Deu-se conta de que os meios de implementação das duas categorias de direito não teriam de ser necessariamente em todos os casos distintos. Sem os direitos econômicos, soci­ais e culturais, os direitos civis e políticos teriam pouco sentido para a maioria das pessoas, e determinados direitos de caráter econômico e social revelaram afinidades com as liberdades civis, e, exigíveis por proteção dos direitos civis e políticos (a exemplo, e.g. do direito de associação e liber­dade sindical, e do direito a educação)."[7]
Esse importante aspecto refere-se, também, à problemáti­ca atual que envolve o tema, no que diz respeito à internacionali­zação da economia e à mudança dos centros de poder decisional sobre questões políticas e econômicas.
Fala-se da substituição do Estado-Nação tradicional, pro­tagonista indiscutível do exercício de poder durante quatro ou, cinco séculos, por mega-Estados, entidades macrorregionais, como a União Européia, o Nafta e o Mercosul, que podem, cada um com suas características específicas, vir a assumir o controle do poder político e econômico[8].
Essa realidade coloca questionamento fundamental para o papel das Constituições nacionais na proteção dos direitos funda­mentais, principalmente no que diz respeito aos direitos sociais e econômicos.
Esta é uma realidade para a União Européia, onde, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, caminha-se firme para o nascimento de um Estado Multinacional. (Lembramos que este texto foi escrito em 1996, A União Européia repetiu a formula uniformizadora do estado nacional e manteve uma união econômica de cunho cada vez mais neoliberal entrando em crise radical ao final do ano de 2011. Ao contrário, a América do Sul vem aprofundando seus laços de união com a criação da Unasul e em 2011 da Comunidade de Estados latino-americanos e caribenhos (CELAC). Entretanto, como previa, muito ainda deve ser feito. A grande novidade ocorreu a partir de 2008 com as Constituições da Bolivia e Equador e a consagração constitucional do Estado Plurinacional que se encontra em fase inicial de implementação na Bolivia. Sobre a minha afirmativa, em 1996, sobre o nascimento na Europa de um Estado Multinacional, efetivamente, até recentemente, vislumbravasse quase uma Europa Federal, até a crise ameaçar a união. A diversidade linguística e cultural europeia sofre com a uniformização econômica que se agrava com a crise, sob o domínio alemão. Acrescentemos ainda que os estados nacionais europeus são todos multiétnicos. O que ocorreu a partir da formação dos estados nacionais foi a criação de uma nacionalidade inventada por sobre as nacionalidades pré existentes. Por esta perspectiva, o desnvolvimento da União Européia repetiu o que já havia ocorrido com os estado nacionais. Cuidamos deste tema em outros textos, postados no blog, sobre a temática do novo constitucionalismo latino-americano e o estado plurinacional.)
No caso da América do Sul, entretanto, entendemos que esse processo será mais demorado, mesmo porque se encontra no início, e várias dificuldades devem ser superadas para que se possa avançar nesse sentido.
Não é o caso aqui de aprofundarmos nesse tema. Procura­mos apenas levantar indagações para debate e posterior aprofundamento em outra oportunidade.
Entendemos que, mesmo com a evolução do Mercado Comum do Cone Sul, será possível e desejável a convivência do modelo nacional e municipal de repartição econômica ao lado de um modelo regional e mesmo internacional.
É fundamental que no plano internacional se criem condi­ções de controle das políticas dos organismos financeiros inter­nacionais, vinculando suas políticas econômicas a princípios dos direitos humanos, presentes nos textos internacionais, possibili­tando-se com isso o desejável desenvolvimento regional e nacio­nal e a livre adoção de modelos locais, regionais e nacionais de repartição econômica.
A necessidade da vinculação dessas políticas à implemen­tação dos direitos humanos poderá certamente evitar a adoção de políticas econômicas que acarretem grandes custos sociais, o que ocorre invariavelmente no Terceiro Mundo.
Essa preocupação está presente em estudos realizados pe­las Nações Unidas, como, por exemplo, o estudo de Raúl Ferrero, Rapporteur especial da subcomissão da luta contra as medidas discriminatórias e da proteção das minorias[9].  
Alerta Raúl Ferrero para as imposições do FMI, por exemplo, quando este fornece créditos para ajudar a resolver problemas de balança de pagamentos, obrigando países em de­senvolvimento a aplicar políticas internas de conseqüências peri­gosas, como a aceleração da inflação ou o agravamento do de­semprego. Os organismos internacionais, como o FMI; o Banco Mundial e o GATT (hoje Organização Mundial do Comércio ­OMC), devem levar em consideração as repercussões ou conse­qüências sociais que podem ter suas recomendações ou receitas para países em desenvolvimento.[10]
É necessário levar-se para o plano internacional a idéia de condicionamento das políticas econômicas e da ordem econômi­ca internacional, aos valores refletidos pelos textos internacio­nais de direitos humanos, assim como ocorre no plano interno.
As respostas para essas questões muitas vezes têm de ser retiradas da vivência, do debate e da reflexão, para que possamos construir mecanismos eficazes de implementação dos direitos humanos que correspondam às constantes modificações socio­econômicas de nosso tempo.
O objetivo deste trabalho é justamente construir um modelo constitucional que crie mecanismos de comunicação e, portanto, de discussão, que permita à população, os cidadãos de uma comunida­de, encontrarem as suas próprias respostas para os seus problemas diários e suas expectativas, tendo o Poder e a estrutura administrati­va estatal a serviço dessas transformações permanentes legitimadas pelo processo democrático constitucionalmente assegurado.
A partir dessas reflexões, podemos construir uma nova visão, ou concepção, da teoria dos direitos fundamentais da pes­soa humana. Esta teoria é compatível com a que defendemos anteriormente, pois a faz evoluir, sendo que, em certo aspecto, supera a anterior, principalmente no constitucional, encontrando, nos aspectos filosóficos que sustentam a tese da indivisibilidade, sua base primeira, a partir da qual podemos evoluir o raciocínio.
Ao defendermos um Estado e uma Constituição essencial­mente democráticos, que legitimam todas as transformações pelo processo democrático de participação e construção de consensos, significa dizer que os direitos humanos passam a ter como núcleo essencial a vontade individual política.
Entretanto, é de fundamental importância compreender que a afirmação da vontade individual, como a essência dos direitos humanos, nada tem em comum com as teorias liberais.
A nova visão dos direitos humanos, tendo como ponto de concentração os direitos políticos, é decorrente da evolução da teoria de indivisibilidade dos direitos fundamentais, que nada têm em comum com a doutrina que afirma os direitos individuais e políticos como grupos de direitos fundamentais que independem dos direitos sociais e econômicos para existirem e serem exercidos.[11]
Portanto, numa nova perspectiva constitucional dos direi­tos humanos, podemos afirmar que esses direitos devem ter como essência o processo democrático constitucionalmente asse­gurado, estabelecendo uma democracia participativa, dialógica e consensual, por meio de canais constitucionais de comunicação entre os cidadãos, a soci­edade civil organizada e os órgãos estatais, que têm como dever constitucional assegurar os processos de mudança social, política e econômica, dentro dos princípios de direitos humanos, universalmente aceitos, o que exclui qualquer vinculação do texto constitucional com modelos socioeconômicos específicos.
Ao fazermos referência à democracia participativa-dialógica-consensual, ou seja, ao exercício diário da cidadania, enquanto idéia de partici­pação dos indivíduos na construção do seu futuro, essa democra­cia não se resume em um conceito liberal do direito de voto. Parte da indivisibilidade dos direitos humanos, para afirmar que a democracia política pressupõe, na prática, uma democracia social, sendo que no Estado democrático deixamos para os cida­dãos construírem o seu próprio modelo de democracia social e econômica, não oferecendo a Constituição nenhum modelo pron­to, econômico e social, como todas as Constituições modernas contêm. Sejam as Constituições liberais, sejam as sociais ou as socialistas, todas consagram um modelo teórico social e econô­mico que vincula o Estado e a sociedade.[12]
Ao propormos a exclusão da ordem econômica e social da Constituição Federal, isto implica obrigatoriamente a desconsti­tucionalização da propriedade privada, que deixa de ser direito fundamental, pois retirando todos os dispositivos constitucionais referentes a um modelo socioeconômico, deixando a propriedade privada como direito fundamental, isto representará um retrocesso de pelo menos duzentos anos na histórica constitucional, pois estaremos adotando uma Constituição econômica liberal. A pro­posta é deixarmos para os cidadãos a opção do modelo socioeco­nômico na esfera municipal ou micro-estatal, com a miniaturização dos Estados-Membros que compõem a federação.
Os direitos humanos, no conceito de uma nova democracia participativa, têm, portanto, como conteúdo fundamental, a ideia de uma democracia política participativa, na qual o indivíduo tenha voz, fala e comunicação.
Isto implica que, para ter voz, o indivíduo precisa de canais institucionais para ser ouvido. Este é o processo democrá­tico constitucional.
Para ter fala, o indiduo deverá ter discurso, ou conteúdo, o que implica livre formação de consciência política, filosófica e religiosa, que pressupõe, por sua vez, educação. O direito à educação passa a ser direito democrático, sem o qual a democra­cia se inviabiliza.
Finalmente, a comunicação, que é fundamental no proces­so democrático, só existirá se os órgãos e poderes estatais forem efetivamente sensíveis às comunicações estabelecidas na socie­dade, correspondendo às indicações desta com relação ao curso das políticas públicas implementadas pelo poder estatal, nas es­feras estabeleci das em uma federação.


[1]    DINIZ, Arthur JoAlmeida. Novos paradigmas em direito internacional público. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1995; MELLO, Celso D: de Albuquerque. Curso de direito internacional público. RIO de Janeiro:Renovar 1992; TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A questão da implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Revista Brasi­leira de Estudos Políticos. Belo Horizonte: UFMG, n. 71, p. 7-55, 1982.
[2] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo legislativo constitucio­nal: o devido processo legal. Movimento Editorial da Revista da Faculda­de de Direito da UFMG, Belo Horizonte, p. 83; BARILE, Paolo. Diritli dell'uome e libertá fondamentali. Bologna: Moliino, 1984.
[3] BARACHO,José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral de constitucionalismo. Revista de Informação Legislativa,ano 23, n.91,p.45, jul/set, 1986
[4] GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel, p. 22,23.
[5] NICZ, Alvacir Alfredo. A liberdade de iniciativa na Constituição, p. 11.

[6] ORDOÑES, Jaime. Derechos fundamentales y Constitución. p. 98; LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos - Um diálogo com o pensamento de Hanah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988; CAMPOS, German Bidart. La interpretación del sistema de derechos humanos. Argentina: Editora Comercial, Industrial e Financeira, 1994.
[7] TRINDADE, Antônio Cançado de. A proteção internacional dos direitos humanos, cit., p. 40.
[8]ORDOÑES,JAIME. Derechos fundamentales y Constituición,cit,p.94.
[9] FERRERO, Raúl. Le nouvel ordre économique international et le protection dos droits a de l'homme. cit., p. 10.
[10] FERRERO, Raúl. Op. cit., p. 10.

[11] CAMPOS, Gennan Bidart. Teoría general de los derechos humanos. México: Universidade Nacional Autónoma do México, 1993; MOURGEON, Jacques. Les droits de I'homme. Paris: Presses Universitaires de France, 1978; ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993; HABERMAS, Jürgen, Teoría de Ia acción comunicativa: complementos y estudios previos. Madrid: Teorema, 1994; MARTINEZ, Gregório Peces­ Barba. Derecho y derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

[12]     CASANOVA, J. A. Gonzales. Teoría del Estado y derecho constitucional. 2. ed., Espana: Vicens- Vines, 1983; SCHNEIDER, Hans Peter. Democra­cia y Constitución. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991; PINA, Antônio Lopez et al. La garantia constitucional de los derechos fundamentales. Alemania, Espana, Francia y Italia. Madrid: Cívitas, 1991; DUVERGER, Maurice. La liebre liberal y la Iortuga europea. Barcelona: Ariel, 1992. 

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