Para fazer a citação deste texto: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Belo Horizonte, 1997, Editora Del Rey, pp.51-54
3. A FORMA DE GOVERNO
Como forma de governo,encontramos hoje no mundo, nas Constituições liberais e sociais, as formas republicana e monárquica. Obviamente, nos modelos socialistas, pela própria base teórica do pensamento marxista-leninista e suas varias versões, não se conheceu formalmente a adoção da monarquia por esses países.
Tanto a república como a monarquia conheceram, num contexto de democratização ao menos formal dos Estados atuais formas que partem do autoritarismo até modelos razoavelmente democráticos, obviamente levando-se em consideração qual o conceito utilizado de democracia e quais os elementos, a partir da construção desse conceito, foram analisados para se classificar o grau desenvolvimento do regime democrático.
Podemos questionar qual a utilidade da adoção da forma monárquica em um regime de democracia representativa e em um regime mais aperfeiçoado de democracia participativa.
A monarquia pode cumprir diversos papéis importantes em Estados com histórias e culturas diversas. Fator de equilíbrio e de união em determinados Estados, como a Espanha, a Bélgica e mesmo a Grã- Bretanha, a monarquia pode ter na figura do Rei ou Rainha, um fator simbólico agregador de culturas diferentes, que encontram na figura daquele Chefe de Estado um símbolo comum capaz de criar um elo entre culturas diferentes, mais que se identificam perante outras através de traços comuns que necessitam ser simbolizados por uma pessoa. A figura do monarca presta-se a este papel de maneira mais eficiente que a de um Chefe de Estado num parlamentarismo republicano, embora homens de Estado, como Mitterrand na França e Mário Soares em Portugal, tenham desempenhado com maestria esse papel.
Obra muito interessante escrita por Roger Gerard Schwartzemberg, analisa o papel desempenhado por determinados Chefes de Estado no “ideal do ego” da população, que se realiza no seu representante, ou melhor, no representante da nacionalidade com a qual se identifica, através de determinados valores criados e mantidos como fatores agregadores[1].
Na impossibilidade (entendida esta como opção por determinado modelo socioeconômico do grupo que se encontra no poder) de fazer de cada ser humano um cidadão capaz de construir o seu próprio futuro, o Estado necessita criar o modelo de “ideal do ego”, como o qual a população possa se identificar e através do qual poderá realizar seus desejos criados artificialmente pela sociedade do consumo, e eu nunca poderão ser alcançados,a não ser por outro pessoa.
Este modelo de “ideal do ego” estará representado constantemente em toda parafernália criada para divertir os cidadãos. O ídolo pode ser um cantor, um desportista, um líder político, mas é sempre necessária a existência de uma representação do Estado como elemento mesmo legitimador para o cidadão que deseja. A falta existente em cada um é hoje aumentada e redirecionada para os desejos artificialmente criados e necessários para manter todo um modelo de consumo do qual o ser humano não carece. A falta nunca desaparece, e seu preenchimento impossível é direcionado para o consumo de bens matérias. Válvulas de escape, entretanto, têm que ser criadas em vários setores, e o Estado, que mantém e não procura modificar, mas sim necessita manter esse modelo de consumo para não trazer o caos econômico e o aumento de desemprego, deve legitimar suas ações por intermédio de procedimentos ilusórios.
Nesse sentido, um texto do Professo José Luiz Braccini Starling, em que estuda o Posicionamento Político-Social em Freud é esclarecedor e transcrevemos uma pequena parte:
“É importante tanto para aqueles que procuram manter as estruturas sociais tais como elas são, interessados em manter a estrutura da sociedade, desigual com dominadores e dominados, com exploradores e explorados, com doutrinadores e doutrinados que são classe dirigentes que são os possuidores da riqueza e do poder. Estas classes conheçam ou não a psicanálise sabem como utilizar o Ideal do Ego das pessoas para conseguir que elas não alterem a ordem constituída. Para conseguir que elas não percebam que estão sendo exploradas, dominada e mistificadas. Para conseguir que trabalhem e que o fruto do seu trabalho seja apropriado pelos capitalistas pra incrementar seu capital. Para conseguir que estas classes respeitem a propriedade privada do capital e respeitem a propriedade privada dos instrumentos para os quais se trabalha e se produz riqueza, que acumulada constitui capital. Para que respeitem a pessoa do proprietário da riqueza, para que aceitem a concepção do mundo que tem as classes dominantes, para que aceitem conselho do tipo “você não deve lutar para eliminar as desigualdades, não deve lutar pela liberdade, pela justiça,pela razão, porque sempre a história teve ricos e pobres, injustiça, etc; então seguirá sempre assim, não da pra mudar” . As classes dominantes saibam psicanálise ou não saibam psicanálise, tem recursos para conseguir que as pessoas constituam um Ideal do Ego que coincida com estes interesses e com estas expectativas, de tal maneira que estas pessoas não procurem mudanças, não percebam injustiças, não compreendam erros e mistificações. Daí, por exemplo, quando os povos são explorados,dominados e mistificados, eles contribuem e colaboram com esta dominação e exploração. Não é que sejam dominados a contragosto, senão que eles participam nisto, e a gente se vê surpreendido de como é possível que um povo seja destruído por este tipo de interesse e colabore “alegremente” e ativamente neste processo e em sua destruição. Ninguém compreende porque, mas é porque seus ideais inconscientes lhe prometeram um onipotência se eles concordam com o modelo proposto pela classe dominante. Então a classe dominante sabe disto e usa as proposições de Ideias do Ego, para conseguir seus objetivos.”[2]
A televisão e a mídia criam e mantem essa ilusão, onde reis, príncipes e princesas desfilam para platéia carente que se realiza com o espetáculo criado. O presidente será capaz de resolver tudo desde que muitas vezes sua imagem é fabricada como de super-homem. O Estado continua a não atender às expectativas da população e também necessita transformar-se em um espetáculo com toda pompa e circunstância devida ao poder.
Ao procurarmos construir um modelo de Estado efetivamente democrático, no qual existam espaços de discussão; no qual, além da voz, o cidadão tenha fala, ou seja, tenha o que comunicar, e o mais importante, consiga interlocutores com os quais esta comunicação seja realizável; e ainda um estado sensível as comunicações efetivas por parte dos seus cidadãos, definitivamente esse Estado não pode se legitimar num Estado Espetáculo.
Logo, embora a não adoção da monarquia, por si só, não vá representar nada, pois no Brasil republicano vivemos de espetáculos, a sua adoção se torna absolutamente injustificável em um espaço em que se queira estabelecer a comunicação baseada na informação completa.
O modelo republicano não personalista se mostra mais adequado a um modelo efetivamente democrático.
[1] SCWARTZEMBERG, Roger Gerard. O Estado espetáculo. Rio de Janeiro: Difel, 1978
[2] FREUD,Sigmund. Além do princípio do prazer – Psicologia de grupo e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v. 18; FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. O mal estar na civilização e outros trabalhos. Rio de Janeiro; Imago, 1976, v.21 FREUD, Sigmund. Totem e tabu. Rio de Janeiro: Iago, 1976, v. 13
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