terça-feira, 13 de dezembro de 2011

880- Cinema - gregos, ocidentais e o mito do livre arbitrio.

José Luiz Quadros de Magalhães

O cinema comercial, em tempos de crise dos valores ocidentais (leia-se Europa ocidental, EUA e Canadá - talvez Autrália e Nova Zelandia), tem se preocupado em exaltar aquele que, no senso comum do século XX e ainda XXI, se apresenta como o grande valor que sustenta a "nossa" civilização: o "livre arbitrio". A liberdade individual é a crença que sustenta o discurso "ocidental" e aparece até a exaustão no cinema norteamericano.
A seguir um excelente texto do Vladimir Safatle, seguido de três sugestões de filmes, que sustentam o mito civilizacional ocidental que se originou na suposta "liberdade" conquistada pelos gregos sobre outros povos atrasados como os persas, por exemplo.


São Paulo, terça-feira, 13 de dezembro de 2011Opinião

VLADIMIR SAFATLE

Valores ocidentais

Quando o discurso político alcança seu nível mais raso, os "valores ocidentais" aparecem. Normalmente, eles são utilizados para expor "aquilo pelo qual lutamos", aquilo que pretensamente faria a diferença e a superioridade moral de nossa forma de vida -esta que encontraria sua melhor realização no interior das sociedades democráticas liberais.
Nesse sentido, mesmo quando criticamos nossas sociedades ocidentais, não seríamos capazes de sair do horizonte normativo que define o conjunto de seus valores.
Pois se, por exemplo, criticamos a falta de liberdade e a injustiça social, seria sempre em nome de valores que ainda não se realizaram, mas a respeito dos quais nós, ocidentais, saberíamos, de antemão, seu sentido.
Para aqueles que impostam a voz na hora de falar em nome dos valores ocidentais, não há conflitos a respeito do que liberdade, justiça e autonomia significam.
Não passa pela cabeça deles que talvez estejamos diante de palavras que não têm conteúdo normativo específico, mas são algo como significantes vazios, disputados por interpretações divergentes próprias a uma sociedade marcada por antagonismos fundamentais.
Por isso, se há algo que determina o que há de mais importante na tradição ocidental é exatamente a ideia de que não temos clareza a respeito do que nossos valores significam. Pois o que nos leva a criticar aspectos fundamentais de nossa sociedade não é um deficit a propósito da realização de valores, mas um sentimento que Freud bem definiu como mal-estar, ou seja, um sofrimento indefinido que nos lembra a fragilidade de toda normatividade social extremamente prescritiva.
Isso talvez nos explique por que os gregos, estes que teriam inventado a democracia ocidental com seus valores, na verdade, legaram-nos apenas um valor fundamental: a suspeita de si.
Uma suspeita que se manifesta por meio da exigência de saber acolher o que nos é estranho, o que não porta mais nossa imagem, o que não tem mais a figura de nossa humanidade.
Quem leu as tragédias de Sófocles sabe como sua questão fundamental é o que ocorre quando a pólis não sabe mais acolher o que ainda não tem lugar no interior de nossas formas de vida.
Por outro lado, quando Ulisses, o herói de Homero, perdia-se em sua errância sem fim, suas palavras para os habitantes de outras terras eram sempre a exigência de abrigar o estrangeiro.
Por isso, o melhor que temos a fazer diante dos que sempre pregam os valores ocidentais é lembrá-los das palavras de Nietzsche: "Muitas vezes, é necessário saber se perder para poder encontrar-se".




VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.




Abaixo o filme "300 de Esparta" na sua primeira versão para o cinema  em 1962, seguido da versão estilizada de 2007, um espetáculo visual com pouquíssimo conteúdo, em uma adaptação dos quadrinhos, com o mesmo nome, que tem a história, roteiro, desenho e arte-final de Frank Miller e foi pintada por Lynn Varley.



http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_300_de_Esparta







O terceiro filme: "Imortais". 
Outro espetáculo visual que exalta a força do homem livre grego, o homem que se libertou dos deuses. Este é um tema recorrente: a crença neste homem livre que é capaz de desafiar os deuses e a natureza. O homem capaz de desafiar e vencer o natural e o sobrenatural. Reparem como este tema é recorrente (sob vestimentas e discursos diversos) no cinema e na televisão norteamericanos.


Este é um dos mitos modernos: o individuo livre ocidental, superior aos selvagens, aos bárbaros e aos orientais. O homem civilizado (as mulheres eram desconsideradas, assim na Grécia antiga como na modernidade ocidental, até tempos bem recentes), separado da natureza, capaz de domar e explorar esta mesma natureza que existe para lhe servir de riquezas a serem extraídas e transformadas pela sua ciência e engenhosidade. 
Aproveitando o tema e a oportunidade, mais um filme para ilustrar o que disse:

 "Daqui a cem anos" é um elogio, uma exaltação sem medo, da tecnologia, da técnica, das ciencias exatas, da necessidade de explorar sem limites a natureza. O filme foi realizado em 1936, daí a excessiva inocência que se trasformou hoje em irresponsabilidade, quando continuamos a extrair da natureza "recursos" em quantidade e velocidade cada vez maiores. Baseado em livro de H. G. Well's (mesmo autor dos livros que também viraram filmes "A guerra dos mundos" e "A maquina do tempo"), este filme contou com a participação do autor do livro na construção de seu roteiro.
O filme está disponível em DVD na versão original em preto e branco e na versão digitalmente colorizada.
Confira e boa discussão com os amigos. 

José Luiz Quadros de Magalhães 

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