quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

856- Coluna do professor Virgilio Mattos


QUEM MATOU AQUELE CANALHA?

         Virgílio de Mattos 

El odio viene y va y regresa
alucinado lo contemplo
pasa como um adiós de humo
como una sombra
como un duelo[1]

Havia me comprometido a completar a fala do CONTRAPONTO CULTURAL, quando recomendamos o fenomenal (e fundamental, sobretudo para que os mais novos entendam) filme ESTADO de SÍTIO, de Costa Gravas.
Dan Mitrione é apresentado, pela mídia gorda e ávida de lucros e benesses de sempre, como um bonachão bonus pater familiae, pai de meia dúzia de filhos, esposo fidelíssimo e amante da liberdade, a estaduniense. Mas o que não se ensina aos mais jovens e nem se diz na mídia é sobre o seu caráter sordidamente perverso de torturar por torturar. De ser o melhor nisso. Nada de perguntas na primeira fase, só pancada, choques, afogamentos e isso poderia – e deveria – durar horas. A isso denominava “amaciamento”. Após esse período a parte, digamos assim, mais “formal” da coisa: repete-se a primeira fase agora salpicada de perguntas, busca-se informação, ávida e rapidamente. Como grand finale volta-se à fase um sem qualquer objetivo: exceto o de marcar o “freguês”. “Para que não esqueça”.
Faço aqui uma tradução simplista do seu “manual prático de torturas” e se alguém tem alguma dúvida disso basta que se confronte com o Patriotic Act de Bush Júnior e perceba que as barbaridades continuam ali, passados tantos anos.
Mitrione não foi o bom pai de família que se tenta vender até hoje. Foi um canalha da pior espécie.
Mas o que gostaria de trazer pra você, leitor interessado e interessante, é sobre quem – de fato – matou aquele pilantra.
Já disse em um debate que fazia um frio intenso naquele domingo, 9 de agosto de 1970, em Montevideo e que a tarefa de apertar o gatilho, após decisão por ampla maioria,  recaiu sobre um combatente Tupamaro. Mas quem, de fato, decidiu pela execução?
Você, leitor camarada, que não é de se assustar com paradoxos, eu sei, não vai descrer de mais esse: Government of the United States of America.
Mitrione era apenas um peão. Um canalha da pior espécie, destaque-se, mas apenas um peão. Por ser quadro original do FBI e destacado como agente da CIA para “ensinar tortura”[2], foi capturado pelos Tupamaros que pediam, em troca de sua liberdade e vida, a liberdade de 150 (cento e cinquenta) presos políticos.
A “terra da liberdade”, como alguns evocam aquele ajuntamento ao norte do México e ao sul do Canadá, matriz dos militares uruguayos deu o sinal de que não se deveria fazer a troca pelos presos políticos, que poderiam sacrificar o peão. Para eles, isso a história o demonstraria, seria muito mais lucrativo.
Do ponto de vista objetivo permitiu que a mais soez ditadura do cone sul, medalha de bronze em comparação às da Argentina e Chile, que rivalizavam pelo primeiro lugar na brutalidade e na torpeza, tornassem público com aquele cadáver apropriado as medidas que rasgariam os comezinhos de respeito aos direitos humanos, agregou-se, a partir dali, os seguintes “instrumentos legais” ao artigo 31 da Constituição Uruguaya:
a) Desnecessidade de ordem judicial para invasões de domicílios;
b) Prisões sem processo ou sentenças;
c) Prisões sem flagrante, sem provas e sem necessidade de ordem escrita;
d) Violação de correspondências;
e) Proibição da saída do território nacional.
         Há muito que estudar e aprender com a resistência uruguaya.
         Aqueles tensos “eleitores”, que definiram a execução como última saída, vários deles desde dentro das prisões, votaram pelo justiçamento, um dos mais destacados e eloquentes deles dizia: No hacerlo significaba el desarme, la imposibilidad de ellos y otras guerrillas de efectuar este tipo de operaciones: canje de prisioneros y demandas al gobierno a cambio de secuestrados.
         Para fazermos coro a Benedetti, em seu Obituário con Hurras, era um morto de merda.





[1] - Mário Benedetti, Poesia Completa. Inventario Dos, Montevideo : Planeta, 2009 p.138, em tradução livre:
O ódio vem e vai e regressa
alucinado o contemplo
passa com um adeus de fumaça
como uma sombra
como um luto
[2] - Pelos torturadores belorizontinos teria sido ironizado: “a gente é que tem o que ensinar pra esse gringo”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário