quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

916- PODER MUNICIPAL 5 - A forma do estado democrático

Para citação: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Belo HOrizonte, 1997, Editora Del Rey, pp. 45-51

2. A FORMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO

  Continuando a análise desse Estado democrático, entendemos ser necessária uma breve análise dos diversos aspectos que envolvem a composição dos Estados atuais e os seus reflexos no funcionamento do Estado efetivamente democrático que procuramos teoricamente demonstrar neste trabalho.
Não vamos entrar no debate sobre a terminologia que envolve essas classificações, uma vez que autores diferentes utilizam com significados diferentes expressões como forma de governo, formas de Estado, sistema de governo, forma política, regime político, regime de governo e modelo político. Sobre esse tema o Professor José Alfredo de Oliveira Baracho escreveu detalhado e bem fundamentado trabalho intitulado Regimes Políticos, onde analisa de forma detida toda a doutrina sobre o assunto.[1]
Tomamos, portanto, uma classificação que possibilite visualizar o Estado e qual a sua estrutura mais adequada para construir um modelo de constante aperfeiçoamento e aprofundamento do processo democrático. Assim, analisaremos, com a profundidade necessária para alçarmos nossos objetivos neste trabalho, a forma de Estado, a forma de governo, o sistema de governo, o regime político e o sistema político.
Começando pela forma do Estado, nos encontramos diante de quatro modelos básicos. Dividindo-se as formas de Estado em Estado federal, Estado Unitário, Estado regional, e Estado autonômico, percebemos que hoje a necessidade de descentralização, embora no Brasil possamos assistir a um claro modelo centralizador de tendência autoritária, que foi mantido mesmo após os governos militares pós 64. (este livro foi escrito em 1996)
O Estado unitário, modelo que permite apenas um centro produtor de normas, um Poder Judiciário e um Poder Executivo, mostra-se hoje, tanto do ponto de vista estrutural como administrativo, inadequado a um Estado que se encontre em processo de democratização.
As decisões administrativas em uma estrutura apenas desconcentrada esbarram na limitação do grau de comprometimento e responsabilidade do administrador, que encontra no seu superior hierárquico um revisor de suas tímidas posições administrativas. Dessa forma, encontramos na administração apenas desconcentrada a existência de muitos funcionários realizando a mesma tarefa, sendo que a responsabilidade da decisão final recai sempre na mesma pessoa, o que inviabiliza, encarece e torna lenta a máquina administrativa.
Parte, portanto, a administração estatal, para modelos descentralizados que conferem às unidades administrativas poder de decisão por intermédio de autonomias administrativas e financeiras. Este método mostra-se mais eficiente, pois confere maior agilidade e responsabilidade, logo maior grau de comprometimento das diversas esferas administrativas criadas, sendo que as decisões administrativas tomadas nestas unidades descentralizadas, no limite da sua competência, terminam em esferas menores de poder, o que,embora torne mais complexa a estrutura administrativa, permite a simplificação e a aceleração dos procedimentos e decisões administrativas descentralizadas.
As decisões administrativas, tomadas por estruturas descentralizadas e autônomas, permitem identificar a Administração Pública com a figura do servidor público, que pode decidir e resolver a questão colocada pelo administrado, fazendo com que este veja o Estado mais próximo, o que por sua vez, permite que o Estado possa estar mais sensível às necessidades, expectativas e comandos da população.
Por essas razões o Estado unitário foi sendo gradativamente modificado, passando a adotar estruturas administrativas descentralizadas, surgindo Estados diferentes, modelos de regiões administrativas, regiões autônomas que pudessem ser mais eficientes na solução de problemas específicos, e daquelas comunidades com problemas comuns e configurações econômicas culturais também comuns. Essa descentralização administrativa territorial evolui para modelos específicos que superam a forma simples de Estado unitário, motivo pelo qual preferimos classificar separadamente o Estado regional como modelo que se afirma como intermediário entre o Estado unitário e o Estado federal e ainda o Estado autonômico, que, também intermediário,encontra nuanças próprias no modelo espanhol admitindo graus diferenciados de autonomia entre regiões.[2]
O modelo territorial centralizador e apenas desconcentrado do Estado unitário faz com que o Estado ganhe estrutura lenta e concentrada, afastada da população, pois o servidor, que está em contato mais próximo com esta população, não tem nenhum poder de decisão nas suas tarefas diárias, desresponsabilizando-se de qualquer decisão que afete o cidadão.
Importante que se diga que a transferência de poder decisão para as esferas administrativas menores não significa delegar poder a administradores, mas sim aos administrados. Portanto, as estruturas descentralizadas devem permitir maior controle por parte da população, das condutas e decisões do Estado, que poderá e deverá se utilizar dessa estrutura descentralizada como centros de poder legal sensíveis as necessidades daquela comunidade que este centro atende.
Entretanto, percebemos que a mera descentralização administrativa, que o Estado regional e o Estado autonômico permite, não é suficiente, pois ,continuamos tendo um centralização da justiça estatal e quase sempre do Legislativo. Juan Ferrando Badia ao elaborar uma teoria do regionalismo, defende a ideia de que este caracteriza um modelo intermediário entre o Estado unitário e o Estado federal, pois admite uma descentralização não apenas administrativa, mas também legislativa, e de autogoverno, tornando assim o regionalismo, inclusive o autonômico adotado pela Constituição Espanhola, incompatível com o Estado unitário[3]
Nesse ponto é necessário nos referimos ao Estado federal como a forma adequada de Estado para permitir uma estrutura estatal mais democrática.
Obra que e referência para o estudo do tema é o livro do Professor José Alfredo de Oliveira Baracho, Teoria Geral do Federalismo, de leitura obrigatória, pois nos oferece completa perspectiva do federalismo no Brasil e no mundo, e analisa ainda com profundidade o Estado unitário, o Estado regional e o Estado autonômico[4].
A forma federal permite maior descentralização, não subordinada a autoridade superior, em matérias e em espaços territoriais de competência administrativa, legislativa ou jurisdicional das autonomias políticas. Dessa forma, a descentralização se aperfeiçoa e a autonomia deixa de ser meramente uma autonomia administrativa e legislativa muito restrita, para chegar a uma autonomia política que implica a possibilidade de auto-organização e autogoverno limitados apenas pelo texto constitucional federal[5].
Por essa razão a doutrina constitucional, não de forma unânime, mas de maneira marcante, concebe a existência de um poder constituinte decorrente pertencente aos entes federados, que recebem este poder do poder constituinte originário, um poder inicial, soberano e se m limitações de ordem jurídica[6].
Trata-se, pois, da análise da amplitude do poder constituinte. Ao admitirmos uma competência maior, reconhecemos que poder constituinte originário pode criar poderes constituintes de segundo grau, limitados e subordinados apenas pela vontade de seu criador. Dessa forma, teremos um poder constituinte derivado, de reforma constitucional, que na Constituição brasileira se divide em poder de emenda e de revisão, com limites matérias, circunstanciais e temporais (apenas no caso de revisão) expressos no texto  da Constituição Federal, e um poder constituinte decorrente, que é concedido aos entes federados para autoorganizarem, estabelecendo a estrutura de funcionamento do Estado, observando apenas os princípios e as regras da Constituição Federal.
A Constituição brasileira de 1988 estabelece um modelo de federação diferenciado dos modelos anteriores, que no Brasil, surge com a Constituição de 1891, é mantido pela Constituição de 1934, excluído pela de 1937 para retornar em 1946, e bastante limitado pelas Constituições de 1967 e de 1969, que praticamente extinguiram a forma federal, formalmente consagrada por esses textos, para depois se encontrar renovada pela Constituição de 1988.
A Constituição de 1988 traz uma federação inédita e muito importante na sua configuração, pois permite formas mais descentralizadas com valorização especial dos espaços territoriais menores como o Município, que nesse texto passa a integrar a federação de maneira expressa, embora teoricamente alguns autores refutem essa ideia.
Analisando o texto constitucional de 1988, percebemos que se construiu uma forma federal ainda imperfeita, com um acúmulo grande de competências na esfera da União deixando pouco espaço para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Entretanto, temos uma federação ampliada, recebendo os Municípios e o Distrito Federal a capacidade de auto-organização política e administrativa, ambos podendo organizar o seu Poder Legislativo e o seu Poder Executivo. Quanto ao Poder Judiciário, apenas os Estados- Membros e a União poderão organizar os seus próprios modelos, sendo que o Município não tem esse poder e o Distrito Federal tem o seu Poder Judiciário e o seu Ministério Público organizados pela União no seu território. 
O Estado Federal brasileiro tem uma característica que é essencial para o aprofundamento do processo democrático: confere autonomia política a organizações estatais territorialmente menores, e por isso mais próxima se mais sensíveis às diretrizes apontadas pela comunidade. Quanto mais poderes conferidos aos Municípios, maior é a possibilidade de se construir o Estado democrático. Obviamente que não será apenas a descentralização política, administrativa, legislativa e judiciária o fator responsável pelo funcionamento da democracia participativa, legitimadora das mudanças sociais e econômicas permanentes, mas este é um pressuposto necessário que será complementado por outros fatores, como a própria estrutura organizacional.
A forma federal brasileira é ainda muito tímida, e se julgar pelas competências legislativas deixadas para os Municípios e os Estados- Membros, assim como pela própria amplitude do texto federal que pouco deixou para as outras esferas  federais, somando-se a timidez das Assembleias Constituintes estaduais  e a desinformação de muitos Constituintes municipais, na realidade o Estado federal brasileiro é muito mais centralizado que vários estados regionais.
Em uma Constituição democrática, ao se desconstitucionalizar várias regras e princípios não universais, e, principalmente, ao se desconstitucionalizar o modelo socioeconômico, as esferas federais territorialmente menores terão uma capacidade legislativa bastante ampliada, principalmente em nível infraconstitucional, em questões de direitos sociais e econômicos, e em formas de organizações estatais democráticas nas Constituições estaduais e municipais.



[1] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Regimes Políticos. São Paulo: Resenha Universitária, 1977.
[2] BARACHO, José Alfredo de Oliveria. Teoria geral do federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986; BADIA, Juan Ferrando. Las regiones em la España de los anos 70, v.III, In; IRIANO, Manuel Fraga ( coord.). El Estado e la política. Madrid: Moneda y Hedito, 1974, t.I; BADIA, Juan Ferrando. El Estado unitário, El federal y el Estado automico. Madrid: Tecnos, 1986; BADIA, Juan Ferrando. Del estado unitário al Estado autonômico: su processo. Revista Del Departamento de Derecho Politico, Madrid, n.5, Inverno 1979-1980
[3] BADIA, Juan Ferrando.Estudios ciencia política. Madrid: Tecnos, 1976. p.328. BADIA, Juan Ferrando. Formas de Estado desde Ia perspectiva Del Esta­do regional. Madrid: Instituto de Estudos Políticos, 1964.

[4] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Op. cit
[5] BURDEAU, Georges. Traité de science politique. Paris: librairie Generale de Droit ET de Jurisprudence, 1957, t. VIII; CROISSAT,Maurice. Le federalisme dau La democraties contemporaines. Paris: Montchrestien, 1992; BOWIE, Roberto R. Etudes sur Le federalisme. Primeira parte. Paris: Librarie Générale de Droit ET de Jurisprudence, 1960. FAVOREAU, Louis (org). La revision de La Constitution. Paris: Presses Universitaires de’ Aix Marseille, 1993 (Colection Droit Public).
[6] MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Constituinte e a Norma Fundamental de Hans Kelsen, Revista de Informações legislativas. Brasília, n.27, n.105, jan/mar.,1990.

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