A presença de distopias no cinema e literatura, muito mais que utopias, deve ter um significado que deve ser descoberto. Publicamos em nosso blog, texto de Varda Burstyn em que a autora analisa a realização de distopias importantes da literatura (transformados depois em obras cinematográficas). A autora analisa a realização, em boa medida, destas distopias na realidade do século XXI.
A opção pelas distopias (um futuro ruim em lugar da utopia que representa uma sociedade perfeita ideal), pode ser interpretada como um pessimismo oriundo da crise econômica e social sempre presente nas sociedades capitalistas. Entretanto, pode ser, também interpretada, como uma comoda e conveniente crença, alimentada pelo sistema, que vive em crise, de que um outro mundo não é possível, ou seja, de que não é possível fugir da crise inevitável.
Neste sentido, as utopias podem ser transformadoras, pois a crença na possibilidade de construir uma sociedade ideal (mesmo que aparentemente impossível) movimenta as pessoas, movimenta a sociedade em direção à construção de algo melhor. Ao contrário, a aceitação de distopias, de uma inevitável sociedade ruim, é desmobilizadora.
Isto é, em parte, o que vivemos na contemporaneidade. As pessoas deixaram de acreditar em utopias. As utopias são risíveis, as pessoas que acreditam na criação de uma sociedade feliz, ideal, são ridicularizadas. Os jovens são ensinados a competir e tirar proveito, pois a sociedade, a economia, o sucesso, a riqueza pertence aos vencedores deste sistema. Esta triste distopia contemporânea foi naturalizada. Foi retirada das pessoas a capacidade de sonhar. Assim, a naturalização da distopia, a descrença, desmobiliza as pessoas: a lógica vigente nos reduz a seres egoístas. Procuramos a satisfação pessoal a qualquer custo, uma vez que as utopias coletivas são impossíveis, são risíveis. Triste mundo.
(ler: http://joseluizquadrosdemagalhaes.blogspot.com/2011/07/561-nova-ordem-mundial-prevista-varda.html).
A primeira distopia para ler e assitir é o livro e o filme baseado na obra de Aldous Huxley “Admirável mundo novo”.
Outra distopia importante na literatura com versão de qualidade para o cinema é "1984" de George Orwell.
Tanto o filme como o livro são imperdíveis. Aproveitem e conheçam um pouco da história de George Orwell, autor também de "Revolução do Bichos" (livro e filme já recomendados no Blog). Pessoa controversa e polêmica: http://pt.wikipedia.org/wiki/George_Orwell
Este aí em cima é o George Orwell.
Abaixo uma nova distopia do cinema. O fantástico "Blade Runer".
Mais uma distopia: "A ILHA"
A ilha está esperando por você. O que nós esperamos acontecer de diferente, de surpreendente para que suportemos um dia a dia controlado. A promessa de ganhar na loteria, de mudar radicalmente de vida, de realizar o sonho impossível é fundamental para que continuemos vivendo? Uma sociedade fundada no consumo e na competição, sem mobilidade social, só é possível porque existe a promessa de mobilidade social. Uma sociedade fundada no consumo e na competição, no hedonismo e no materialismo, só é possível por meio do exemplo dos que realizam a promessa da ascensão social e econômica. Estes irão dizer na televisão para todos ouvirem: olha como somos felizes! Olhem nossas casas, nossos carros, nossos sorrisos. Vocês também podem ter isto. Vocês podem conquistar a ilha. E todos os jornais e revistas mostrarão seu sucesso. Os programas de televisão irão entrevista-los e dirão: olha como somos livres. Você também pode conquistar esta felicidade.
A espera da mudança pode tornar suportável a exclusão. A espera pode ser pela loteria, pelo paraíso, pelo reconhecimento, pelo arrebatamento, ou por qualquer outra coisa que signifique mudança. Mudar porque? Para que? Não é tanto a mudança o fundamental é sim a crença na possibilidade de mudança, mesmo que esta não exista. O importante não é ser livre mas acreditar que se é livre.
O socialismo real foi capaz de socializar os bens materiais, o atendimento médico, o emprego, a moradia, o acesso à educação, mas não soube socializar o sonho, a possibilidade de mudança ou a crença na possibilidade da mudança. O capitalismo por sua vez concentrou e concentra cada vez mais a riqueza mas promete a mudança, cria desejos artificiais, inventa demandas, desperta o desejo pelo consumo e oferece o bem a ser consumido realizando desejos. O capitalismo foi capaz de socializar o desejo, a crença na liberdade como possibilidade de mudança de status social e econômico, a crença na liberdade como satisfação de desejos. O capitalismo aposta no desejo, não como liberdade mas como escravidão dos sentidos. O socialismo apostou na razão, na ética e esqueceu o desejo.
O socialismo real do século XX pode ter falhado ao não saber lidar com os desejos. O capitalismo foi capaz de tornar a escravidão do desejo permanente em uma crença generalizada na liberdade. O desejo passou a chamar-se liberdade.
O filosofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek menciona que na Tchecoslováquia, na década de 1970, as pessoas tinham tudo para ser felizes. Todos moravam, comiam, estudavam, tinham saúde. Tinham um responsável externo por todo mau funcionamento do sistema. O partido comunista era responsável por tudo que saía errado. Ainda tinham a promessa de um paraíso do outro lado: a Europa ocidental e os EUA com sua promessa de consumo, paraíso que podiam visitar de vez em quando. A felicidade pode estar no princípio do prazer mas o que nos põem em marcha é ir além do principio do prazer. O mesmo que nos põem em marcha nos traz infelicidade. A insatisfação de sempre querer ir além de onde se está.
Uma multidão se pôs em marcha, em direção ao outro lado. Em direção ao capitalismo. Em direção à ilha . A promessa de algo diferente. De novas realizações. Ao chegar ao outro lado encontraram uma multidão esperando algo diferente. Uma multidão continuava esperando a ilha e esta nova multidão continuou esperando, mas agora, diferente do que tinham no mundo do socialismo real, alguns testemunhavam, alguns na multidão usufruíam a ilha. Se a ilha era proibida no mundo do socialismo real, a ilha é a grande promessa do capitalismo real. O capitalismo real vive por causa da ilha. É a promessa da ilha que faz o sistema funcionar, e é a crença da multidão de que um dia chegarão à ilha que permite fazer esta multidão suportar a pressão.
O filme “A Ilha” não fala de socialismo real. O filme se passa em um futuro onde as pessoas se tornaram proprietárias de seus genes. Onde a vida é uma mercadoria para manter outra vida. A vida de alguns sustenta a vida de outros (até aí nada de novo não é mesmo?). Uns vivem enquanto outros têm a promessa de vida na loteria. Ganhar na loteria significa possibilidade de liberdade. De vida fora do controle. O filme fala de nosso mundo em um mundo que não existe.
A promessa de ter acesso a uma ilha paradisíaca onde é possível viver longe do controle diário e da monotonia repetitiva do dia a dia é o fator que permite as pessoas suportarem. Interessante lembrar a musica: “a gente não quer só comida...” É obvio que a gente não quer só comida, mas na impossibilidade de oferecer inclusão prometem muito mais do que comida mesmo que tenhamos que esperar, esperar e esperar, muitas vezes sem comida.
O filme fala de pessoas que existem para que outros possam viver mais. A ilha é para estas pessoas que existem para os outros e para as quais só existe uma promessa: ser sorteado para a ilha. Como no nosso mundo, uma multidão existe para que outros vivam mais, consumam mais, sonhem mais e até se escravizem mais na promessa do consumo. Como no nosso mundo alguns se tornam desnecessários. Nem a exploração do seu trabalho, do seu corpo é mais necessária. Estes são os excluídos. Uma nova categoria social do século XXI é a dos excluídos. Estes cuja presença se tornou um estorvo. Desnecessários até para serem explorados, escravizados, usados para qualquer outra finalidade.
Uma ficção bem realizada que nos permite pensar no valor da vida. A vida de uns e a vida de outros. Uma vida que vale outra vida e uma vida que não vale sua própria. Vidas são deixadas à sua própria falta de sorte enquanto todo um aparato é criado para manter outra vida que possui recursos para pagar. A vida tem a dimensão do dinheiro que pode comprar respeito, segurança e bem estar. É uma ficção que revela por meio do estranhamento a condição humana na sociedade capitalista.
O que é um clone senão uma vida. O clone vale menos do que o clonado. O mundo contemporâneo é formado por algumas pessoas e uma multidão de clonados cujas vidas não têm o mesmo valor.
Ao final do filme uma aposta no ser humano: a mulher diz ao homem que a ilha somos nós. A possibilidade de felicidade está na humanidade e a possibilidade de libertação está na curiosidade, na dúvida.
ABAIXO MAIS UMA DISTOPIA NO CINEMA E NA LITERATURA:
Um mundo onde os livros são proibidos. Doce inocência. Hoje construíram um mundo onde não é necessário proibir os livros pois ninguem mais quer ler, pior, contruíram um mundo onde muitos não querem mesmo nem pensar. O filme abaixo foi dirigido pelo genial François Truffaut.
Leiam também o livro, é sempre muito diferente da experiência cinematográfica.
As duas experiências são válidas e importantes. Não se trata de uma ser melhor do que a outra, são experiências diferentes.
IMPERDÍVEIS. EXPERIMENTEM. MUITO BOM!
Abaixo um filme que marcou o inicio da carreira de George Lucas.
Uma distopia clássica.
São muitas as distopias no cinema.
Nas próximas postagens voltamos ao tema.
Boa diversão, reflexão e sempre, aprendizado.
Professor, também não gosto dessa bunda-molice de ficar vendo o mundo pela ótica do copo meio vazio. Porém, contudo, entretanto, todavia, ainda não estou convencido da necessidade de elaboração dessa sociedade ideal, supostamente melhor que a que vivemos – o que não quer dizer que eu ache que a nossa sociedade não precisa melhor, muito pelo contrário! Acho essa idéia de utopia perigosa porque esses conceitos de “sociedade ideal” e “mundo melhor” sempre podem ser condicionados pelo arbítrio de quem os elabora. Como elaborar uma concepção universal de felicidade? Para os teóricos do nazismo, que na visão deles também era uma utopia, a sociedade ideal onde todos seriam felizes era aquela em que havia a supremacia absoluta dos arianos, geneticamente superiores, com a necessária eliminação de todas as outras formas de vida humana. Para a utopia socialista, a sociedade ideal era a sociedade do trabalho (também controlada), voltada para a convivência comunitária, que suprimia como num passe de mágica todos os conflitos sociais (religiosos, de classe) – obviamente, não sem suprimir as individualidades, já que os conflitos sociais são produto exatamente dos choques entre as individualidades. Devolvo a pergunta: por não a prática? Por que não despendemos tempo em entender os nossos problemas para resolvê-los, ao invés de nos perdermos em ideais supérfluos? Por que não respeitar a complexidade do mundo, e a impossibilidade controlá-la, e aprendermos a lidar com a contingência? O que o senhor acha?
ResponderExcluirPrezado Anônimo. Concordo com você, as utopias também podem ser perigosas. Elas são positivas no sentido de que nos faz sair do lugar, acreditar em alguma coisa melhor, nos fazer crer que podemos construir uma sociedade melhor. O problema é acreditar que existe um lugar ótimo para se chegar. Estamos condenados a caminhar sempre, não ha um lugar para se chegar, e esta condenação é muito positiva pois ao caminhar estamos sempre nos tranformando e tendo a chance de sermos melhores.Neste sentido a crença em uma utopia tem o condão de nos fazer caminhar. Ao contrários, as distopias nos imobilizam. Quanto aos riscos, é impossível eliminá-los.
ResponderExcluirCorreção do texto acima: "nos fazem" e não "nos faz" e
ResponderExcluir"ao contrário" e não "ao contrários"
Ólá professor, meu nome é Bárbara e sou estudante do 6° período de direito (UNIFEMM).
ResponderExcluirprofessor, achei muito interessante o texto acima,bom,minha dúvida é a seguinte: com essa sociedade fundada no consumo e na competição, e principalmente no materialismo, ou seja, um mundo onde a grande maioria é esmagada e poucos se dão bem, essa grande massa não estaria presa a essa utopia ( materialista), algo quase impossível de se consumar, e que no fim acabam frustrados com a própria vida por terem vivido em função da procura por algo inatingível? podemos dizer então que a utopia que todos procuram alcançar nos dias de hoje se baseia unicamente na realização material e não na busca de um mundo ideal onde todos teham iguais oportunidades?
Oi Barbara, interessantissimo o seu comentário. Você tem razão. Em geral quando falamos em utopias pensamos em sociedades ideais, igualitárias, sem fome, sem miséria, como as utopias do socialismo utópico especialmente no século XIX, ou o livro Utópia de Thomas More, entre outros autores e livro. As sociedade de consumo, competitiva, individualista e desigual não se caracteriza assim como uma utopia, como algo impossível de tão perfeito. A nossa sociedade, neste sentido é distópica. A crença em ser realizar no consumo é um equivoco e não uma utopia, neste sentido. A busca do consumo desenfreado não é uma utopia mas decorre de um pragmatismo materialista e individualista. A impossibilidade de se realizar por meio do consumo não é uma utopia mas uma mentira repetida à exaustão pelas empresas capitalistas.
ResponderExcluirCaro Professor José Luiz Quadros,
ResponderExcluirInteressantíssimo seu texto! Concordo que as distopias podem ser interpretadas como uma descrença atual no mundo melhor, ou como algo que desmotiva sonhos. No entanto, não penso que só possam ser vistas por este ângulo. Muitas vezes, a demonstração das possíveis conseqüências destrutivas e aterrozantes do sistema que abraçamos, ou podemos adotar, também desperta as pessoas para a necessidade de mudança, de construção de um futuro diferente e mais fraterno, o quanto antes. Às vezes, a visão de um amanhã completamente destruído pode gerar mais reflexão e idealismo que o quadro de um mundo perfeito e distante - pois, se não podemos alcançar inteiramente o último, definitivamente é possível afastar o primeito. Ao menos, foi mais ou menos essa a minha reação ao ler "1984", do George Orwell. A visualização do mundo ditatorial da Oceânia (com suas aterrorizantes lavagens cerebrais, torturas, manipulação do passado e da história, controle de cada passo dos indivíduos, redução da linguagem e moldagem das mentes mais jovens) foi, para mim, muito mais do que qualquer utopia, um alerta contra contra qualquer forma de poder totalitário, tanto num sistema capitalista quanto num "comunismo" corrupto. Vale lembrar que Orwell não era apenas de esquerda, mas à esquerda da esquerda.
Saudade das suas aulas. Embora não comente muito, estou sempre acompanhando o blog.
Abraço,
Isabella Filgueiras.
Oi Isabella. Obrigado pelos comentários. Você têm razão. Este é um aspecto que deve ser levado em consideração. O alerta de um mundo pior. Entretanto não podemos deixar de acreditar que podemos construir um mundo muito melhor. Isto está em nossas mãos, mas para que ocorra precisamos lembrar que podemos construir nossa história, que não estamos condenados a nada. Grande abraço.
ResponderExcluirassolutamente affascinante il tema affrontato,dai testi piu' antichi ai risvolti attuali,in effetti l'allarme era già nel filone del catasrofico,che presaggiva gli odierni disastri della natura,e gli orrori della società che ci circonda,io stessa in alcuni momenti mi sono trovata ad affermare che forse dovremmo educare alla paura...ma per trovare ,elaborare strumenti adeguati a vincerla.Occupandomi da anni di disagio giovanile ,l'indicatore piu' inquietante fu quando mi resi conto che nell'adolescenza,se non già nell'infanzia stava creandosi una gravissima tendenza tanatofiliaca,c'era è c'è una grande spinta all'autolesionismo e autodistruzione ,molto spesso si accusa la NOIA,ma come puo' provare la noia,il vacuum del vivere un giovane che ha il futuro davanti? credo che la colpa stia nell'aver ucciso i sogni ,la fantasia,l'utopia ,....l'utopia non danneggia,come non ha mai danneggiato la fantasia,l'uomo senza essa non avrebbe progredito,forse è ora di ricominciare ad educare alla capacità di sognare ,di cercare di realizzare i propri sogni...insieme all'educare all'amore,all'amore dell'altro da sè ...se cosi fosse forse non ci sarebbe piu bisogno di denigrare l'utopia,maria rosa
ResponderExcluirTalvez melhor do que uma visão distópica ou utópica seja uma visão mais realista. Uma visão que leve em conta que, na maioria das vezes, não há grandes rupturas políticas e econômicas no cotidiano da maioria das pessoas e que a esfera de atuação de cada indivíduo nessas rupturas é mínima ou irrelevante. Creio que essa visão nos afasta dos radicalismos de uma crença ingênua num mundo melhor e também do pessimismo letárgico.
ResponderExcluirBoas indicações. O livro "1984" é excelente.