O direito a diversidade é uma das grandes conquistas contemporâneas. Como já tivemos a oportunidade de observar e estudar, o estado moderno tem como uma de suas principais características a uniformização como uma necessidade do poder centralizado. Por esta razão a rejeição à diversidade. As políticas de negação do outro, do considerado diferente são realizadas em diferentes medidas pelas instituições modernas como o exército, a polícia, a escola, os manicômios, e chega às universidades e à ciência por meio das formatações do conhecimento e da construção de um discurso científico cada vez mais empobrecido, escravo de fórmulas, escravo da forma, que valoriza a eterna repetição do que já foi dito milhares de vezes. As dissertações de mestrado e teses de doutorado tornam-se livros que em pouco tempo estarão empoeirados nas estantes escondidas de uma biblioteca, guardando um monte de repetições e citações intermináveis, dizendo de uma maneira diferente o que já foi dito muitas vezes. Esta modernidade, entretanto, começa a ser fortemente questionada. Não pelas universidades, cada vez mais burocratizadas, formalizadas e negadoras do novo. O novo vem da realidade social. Das relações reais, diárias, dos conflitos, dos movimentos sociais, de pessoas que finalmente começam a enxergar o que estava propositalmente encoberto. Em vários países do mundo as pessoas se mobilizam, se comunicam, se movimentam, não mais para derrubar governos ou tomar o poder mas para derrubar o sistema, para derrubar um paradigma, para derrubar algo que não mais se sustentará pois está finalmente sendo visto sem o véu. O rei está nu.
A negação da diferença, um dos principais fatores da violência na modernidade, o não reconhecimento do outro e a uniformização, começam a ser questionadas com força no decorrer do século XIX e XX e apenas na segunda metade do séculos XX estes direitos de diversidade começam a ser reconhecidos, inicialmente, apenas no plano individual para agora, no século XXI começarem a se afirmar no plano coletivo. Isto pode representar a superação do aparato moderno, no que esta modernidade trouxe de violência e perversidade. Assistimos a crise do sistema econômico capitalista, mergulhado em uma insanidade de ganância, egoismo e vaidade sem limites. Com o sistema capitalista começa a ir por água abaixo a democracia liberal e a sociedade de consumo. Ainda falta muito mas o processo começou, e como uma onda gigante que se formou no alto mar, só vai acabar quando bater no litoral carregando toda a parafernália moderna com ela. Sobre os escombros, aprendendo com o passado, poderemos construir uma nova sociedade, justa, igual na imensa diversidade de cada singularidade coletiva que se constitui um ser humano, solidária, diversa, plural, não violenta, consensual e não hegemônica.
Os filmes que sugerimos abaixo tratam do direito à diversidade (não o direito à diferença pois se há o diferente continuará existindo o padrão e logo a padronização) de forma individual e coletiva. Tratam, portanto de exemplos de conquistas de direitos dentro do sistema estatal e constitucional moderno. São conquistas que ocorrem dentro de um processo de superação de quinhentos anos de modernidade, mas, que muitas vezes, serão absorvidas pelo aparato moderno. Desta forma, o diverso pode passar a ser aceito como diferente. Este diferente será aceito nas sociedades modernas desde que se enquadrem e sejam minimamente igualados. Mesmo assim ele será o diferente aceito, tolerado. Percebam que isto é diferente da aceitação da diversidade enquanto processo individual e coletivo. O diferente aceito é enquadrado como um diferente tolerado ao lado do padrão de normalidade que continua existindo. O direito a igualdade em geral é reconhecido para os igualados. O que buscamos demonstrar em diversos textos que temos escrito é que, o direito a diversidade, que pode surgir a partir do reconhecimento do direito de ser diferente, não é uma conquista moderna, mas sim, a superação da modernidade.
Em outras palavras:
a) o reconhecimento do direito a diferença é uma tentativa moderna de conviver com o diferente, mantendo o padrão, e portanto, mantendo a uniformização necessária para manter o estado moderno e sua criação, o capitalismo moderno.
b) de outra forma, o reconhecimento da diversidade individual e coletiva pode significar a superação da modernidade, do estado moderno e do capitalismo. Este processo pode ocorrer de diversas formas, seja com o aprofundamento das contradições que levaram ao reconhecimento do direito dos considerados diferentes, seja com a conquista dos direitos a diversidade enquanto direito coletivo.
Abaixo uma interpretação fantástica de Sean Penn no filme Milk, que trata da luta pelo reconhecimento do direito de ser diferente nos EUA. Trata-se da conquista do direito a diferença como direito individual. Um passo importante mas que foi absorvido pelo aparato moderno. Vale a pena pensar sobre uma questão: com muita dificuldade o direito a diferença de alguns grupos começam a ser reconhecidos e o direito ao reconhecimento dos casais homoafetivos foi uma importante conquista no Brasil em 2011. Entretanto, falar-se no reconhecimento de relacionamentos coletivos que rompam com o padrão familiar homem, mulher e filhos (mesmo que exercido hoje por dois homens ou duas mulheres), ou de comunidades fundadas em relações familiares coletivas é, por enquanto, impensável. Pensem à respeito.
Abaixo dois filmes que tratam da conquista do direito a igualdade racial, direito que se coloca em boa medida ainda, como direito de aceitação do diferente, e portanto, implicando na manutenção de um bom grau de padronização. Da mesma forma podemos pensar no Brasil o reconhecimento do direito à igualdade racial formal após muita luta, como direito individual que ainda depende de efetividade, e o direito dos povos quilombolas e originários, a constituírem e viverem segundo seus costumes e valores diversos de forma coletiva.
Este filme espetacular (abaixo) fala da luta pelo direito de ser individual e coletivamente diferente do padrão do colonizador, e mostra uma luta que hoje transforma a Bolivia, a América e o mundo, estabelecendo um novo estado, uma nova constituição, uma nova sociedade plural, diversa, que rompe com o padrão uniformizador moderno.
Abaixo outro filme que mostra a resposta sempre violenta do estado moderno contra qualquer tentativa de romper o padrão uniformizador, especialmente se for para gerar uma alternativa social de vida coletiva que não siga os padrões uniformizadores do estado moderno.
O ultimo filme desta semana é uma outra obra de arte. Este filme nos leva a pensar a insanidade da guerra e o grande mal moderno: a invenção do nacionalismo por meio da negação do outro diferente, do rebaixamento do outro.
Terra de ninguém
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