Mecanismos ideológicos 2
A luta pela construção do senso comum
Quem detém o poder de construir os significados de palavras como liberdade, igualdade, democracia, quem detém o poder de criar os preconceitos e de representar a realidade a seu modo, tem a possibilidade de dominar e de manter a dominação.
Entretanto, este poder não é intocável. A dominação tem limites e estes limites não são ficções cinematográficas.
Este poder encoberto pela representação distorcida (propositalmente distorcida)[1] funda-se em ideologias, em mentiras.[2] A grande mentira na qual estamos mergulhados é a mentira do mercado, da liberdade econômica fundada numa naturalização da economia como se esta não fosse uma ciência social mas uma ciência exata[3]. A matematização da economia sustenta a insanidade vigente. A descrença na possibilidade de fazer diferente desmobiliza os grupos sociais, as pessoas, as organizações da chamada sociedade civil, que passam a gerir o possível, viabilizando um dia após o outro.
A força da ideologia se mostra quando ela é capaz de fazer com que as pessoas, pacificamente, concordem com o assalto privado aos seus bolsos. É impressionante a incapacidade de reação contra o sistema financeiro que furta do trabalhador diariamente sem que este esboce alguma reação. A falta de reação pode se justificar pela incapacidade de perceber a ação ou da aceitação da ação como algo natural. Tudo isto encontra fundamento em uma grande capacidade de geração de representações nas quais a pessoas passam a viver. Viver artificialmente em um mundo que não existe: matrix.
Matematização da economia. O fim da história?
Se as pessoas acreditam que a história acabou, que chegamos a um sistema social, constitucional e econômico para o qual não tem alternativa, pois ele é natural, pois ele é o único possível, ou por que ele é o vitorioso, não há saída. Para estas pessoas, a alternativa que está gritando em seus ouvidos não é ouvida, a alternativa que está em seu campo de visão não é percebida pela retina.
Se a economia não é mais percebida como ciência social, se o status de suas conclusões passa para o campo da ciência exata, logo a economia não pode mais ser regulada pelo Estado, pelo Direito, pela democracia. Não posso mudar uma equação física ou matemática com uma lei. De nada vai adiantar. A matematização da economia é a grande mentira contemporânea. Se a economia é uma questão de natureza, ou se a economia é uma questão de matemática, se a economia não é história, quem pode decidir sobre a economia são os economistas matemáticos por meio de seus cálculos, jamais o povo. Isto ajuda a entender o processo crescente de indiferenciação dos projetos econômicos dos partidos políticos em muitos países do mundo.
Esta é a ideologia que sustenta um mundo governado pela criação permanente de demandas, pelo desejo criado de poder, dinheiro e sexo. A razão não manda no mundo, se é que algum dia mandou. O desejo conduz o ser humano. O problema não é o desejo comandar. O problema é que não são os nossos desejos que comandam, mas os desejos de poucos que nos fazem acreditar que os seus desejos são os nossos desejos.[4]
[1] Importante lembrar que não negamos a condição autopoiética da vida. Somos seres interpretativos. Tudo é interpretação e a interpretação é condicionada por cada condição humana. A representação distorcida com o objetivo de manipulação é feita com este objetivo. Estamos aqui falando de honestidade nas comunicações. Honestidade dos argumentos utilizados no diálogo democrático. A representação distorcida que encobre os jogos de poder é desonesta. O objetivo é dominar, enganar e não dialogar.
[2] “...a ideologia oculta o caráter contraditório do padrão essencial oculto, concentrando o foco na maneira pela qual as relações econômicas aparecem superficialmente. Esse mundo de aparências constituído pela esfera de circulação não só gera formas econômicas de ideologia, como também é um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem, onde reinam a liberdade e igualdade. (O Capital I, cap. VI) “Sob este aspecto, o mercado é também a fonte da ideologia política burguesa: a igualdade e a liberdade são, assim, não apenas aperfeiçoadas na troca baseada em valores de troca, como também a troca dos valores de troca é a base produtiva real de toda igualdade e liberdade. “(Crundise, Capítulo sobre o capital) “Mas é claro que a ideologia burguesa da liberdade e da igualdade oculta o que ocorre sob o processo superficial de troca, onde essa aparente igualdade e liberdade individuais desaparecem e revelam-se como desigualdade e falta de liberdade.” (Dicionário de pensamento marxista editado por Tom Bottomore, editora Jorge Zahar editor, Rio de Janeiro, 2001, pág.184).
[3] No século XIX o liberalismo econômico fundamentou-se na idéia de naturalização do processo econômico simbolizada pela “mão invisível” do mercado. No final do século XX o neoliberalismo se vale da matematização do discurso econômico como forma de desmobilizar a sociedade e retirar do campo democrático (político e de produção do Direito) as discussões econômicos. Contra a matemática não há regulamentação jurídica possível nem argumento demcrático.
[4] Algumas palavras problemáticas apareceram no texto: ideologia e desejo. Palavras cheias de sentidos diversos, localizadas no tempo e no espaço. A palavra ideologia aparece no sentido marxista: “Duas vertentes do pensamento filosófico crítico influenciaram diretamente o conceito de ideologia de Marx e de Engels: de um lado, a crítica a religião desenvolvida pelo materialismo francês e por Feuerbach e, de outro, a crítica da epistemologia tradicional e a revalorização da atividade do sujeito realizada pela filosofia alemã da consciência (ver idealismo) e particularmente por Hegel. Não obstante, enquanto essas críticas não conseguiram relacionar as distorções religiosas ou metafísicas com condições sociais especificas, a crítica de Marx e Engels procura mostrar a existência de um elo necessário entre formas “invertidas” de consciência e a existência material dos homens. É esta relação que o conceito de ideologia expressa, referindo-se a uma distorção do pensamento que nasce das contradições sociais (ver contradição) e as oculta. Em conseqüência disso, desde o início, a noção de ideologia apresenta uma clara conotação negativa e critica. .” (Dicionário de pensamento marxista editado por Tom Bottomore, editora Jorge Zahar editor, Rio de Janeiro, 2001, pág.184).
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