BANDUNG REDUX: IMPERIALISMO E NACIONALISMOS ANTIGLOBALIZAÇÃO NO SUDESTE ASIÁTICO
Gerard Greenfield
A cinqüenta anos da Conferência Ásia-África realizada em Bandung em abril de 1955, o “Espírito de Bandung” continua se reformulando e redescobrindo; e é atribuído a reuniões tão diversas como a Conferência Mundial contra o Racismo (1), o Fórum Social Mundial (FSM) e a Conferência das Organizações Sub-regionais da Ásia e da África (African Subregional Organizations Conference – AASROC), cujos preparativos para a celebração do 50º aniversário foram vistos como uma resposta coordenada à globalização por parte de estados marginalizados (2). Na verdade, tanto nacionalistas de esquerda como pan-asianistas e terceiro-mundistas, que buscam restaurar ou revigorar uma frente unificada contra a globalização liderada pelos EUA e/ou o imperialismo estadunidense, consideram que este “Espírito de Bandung” é mais relevante que nunca. A condenação terminante e aberta ao imperialismo e ao racismo realizada por parte de líderes nacionalistas do terceiro mundo na Conferência de Bandung é, segundo parece, o tipo de resposta política que se necessita atualmente. A percepção do caráter radical de Bandung – alentada pelas tentativas da CIA de desbaratar mediante o assassinato político o que via como “uma iminente Conferência Comunista em 1955” (4) – ficou inscrita na história da oposição ao imperialismo estadunidense por parte do terceiro mundo. Contudo, ao reviver o Espírito de Bandung na luta contra o imperialismo norte-americano é importante perguntar-se se realmente existiu esta voz unificada de oposição e, o que é ainda mais importante, se realmente desafiou o imperialismo estadunidense.
Ainda que freqüentemente se costume atribuir a censura ao imperialismo estadunidense em Bandung ao primeiro presidente da Indonésia, Sukarno, este não havia feito nesse momento uma crítica direta aos EUA. Em seu discurso de abertura frente aos delegados da Conferência, Sukarno alertou sobre um ressurgimento do colonialismo com “novas roupagens” (5), mas sua preocupação se limitou ao imperialismo da velha ordem. A única referência explícita ao novo imperialismo realizada na Conferência correspondeu ao brigadeiro general Carlos P. Romulo, enviado especial e pessoal do presidente das Filipinas aos EUA. Romulo alertou sobre “um novo super-barbarismo, um novo super-imperialismo, um novo super-poder”. É importante esclarecer que este “novo superimperialismo” imposto por um sistema “inerentemente expansionista” não aludia ao capitalismo estadunidense, mas ao comunismo soviético e chinês (6). Do mesmo modo, as delegações da Turquia, Irã, Iraque, Paquistão e Sri Lanka defenderam a política exterior dos EUA e denunciaram o apoio da China à insurreição comunista no exterior. Mahmoud Muntasser, líder da delegação Líbia, aludiu às ameaças ideológicas externas que representavam “um risco que espreita a soberania das nações”, o qual era “mais perigoso e com efeitos muito mais fortes” que o colonialismo porque encarnava “todas as desvantagens do colonialismo clássico, às quais se soma a escravidão intelectual” (7). Mohammad Fadhil Jamali, líder da delegação iraquiana, identificou o comunismo como uma das “três forças internacionais” que ameaçavam a paz mundial depois do “colonialismo dos velhos tempos” e do sionismo. Descrevendo o comunismo como uma “religião subversiva”, postulava que este representava a ameaça de uma “nova forma de colonialismo, muito mais extremo que o velho” (8). Neste contexto, as referências à “abstenção da interferência nos assuntos internacionais de um país por parte do outro” incluídas no Comunicado Final da Conferência Ásia-África não devem ser entendidas apenas como uma resposta dirigida exclusivamente às velhas e novas formas de colonialismo, mas também ao expansionismo comunista (9). Chou En-lai, primeiro-ministro e ministro de Relações Exteriores da República Popular da China, foi forçado a descartar o discurso que tinha preparado, e ao invés disso pediu para os conferencistas que relegassem as diferenças entre comunistas e nacionalistas (10).
Longe de representar uma frente unida contra o racismo, o neocolonialismo e o imperialismo, a Conferência de Bandung caracterizou-se pelas divisões e pelo conflito dentro da Ásia e África, os quais não somente minaram a capacidade dos nacionalistas do terceiro mundo para desafiar o imperialismo estadunidense, mas também reafirmaram a legitimidade das ambições imperiais estadunidenses. Em sua condenação nacionalista ao “novo superimperialismo”, o ministro de Relações Exteriores da Tailândia, Príncipe Wan Bongsprabandh, usou a “ameaça de infiltração e subversão, e ainda de agressão propriamente dita” com a finalidade de conseguir apoio para o uso da agressão militar contra o Vietnã do Norte (e no mesmo discurso citou extensamente os textos budistas para legitimar o uso da força militar) (11). Foi neste mesmo contexto que o ministro de Relações Exteriores da Tailândia transmitiu as saudações do presidente dos EUA Eisenhower à Conferência de Bandung, uma mensagem que foi interpretada naquele momento como uma expressão de consenso medido e uma advertência velada (12).
A presença do estado norte-americano em Bandung - expressa por aqueles estados que já então formavam parte de sua rede imperial informal (particularmente a Tailândia, Filipinas e o Vietnã do Sul) – é inseparável do legado histórico da Conferência de Bandung. Em menos de uma década, os EUA usariam esta rede imperial para estender sua agressão militar para o Vietnã e apoiar um golpe militar na Indonésia. Seis meses depois de que Sukarno celebrara o décimo aniversário da Conferência de Bandung sob o lema “nunca retroceder” (13), líderes militares treinados pelos EUA depuseram-no e orquestraram o massacre de mais de um milhão de membros ou supostos membros do Partido Comunista da Indonésia (PKI). O local da Conferência de Bandung Gedung Merdeka (Salão da Liberdade), transformou-se em um centro de comando militar. Centenas de líderes locais do PKI e pessoas acusadas de simpatizar com o PKI estiveram presos no subsolo do edifício, onde foram torturados e assassinados (14).
O fato de que, por diversos motivos, o próprio Sukarno não estivesse preparado para isso tem uma relação com as ambigüidades da Conferência de Bandung. Sua paixão pelos neologismos tinha produzido o termo NEKOLIM (neocolonialismo, colonialismo, imperialismo), um termo que tendia a negar as contradições e diferenças internas fundamentais próprias destes sistemas de poder global. A palavra era naquele momento uma consigna política útil e uma ferramenta teórica inútil. Carecia das sutilezas políticas e das percepções teóricas necessárias para orientar a ação política (15). O uso de neologismos e slogans que simplificam conceitos e dissolvem as complexidades e contradições do capitalismo levou Sukarno a articular posições antiimperialistas radicais sem nenhuma referência à classe ou ao capitalismo. Seu nacionalismo de esquerda não apenas via a luta principal como uma luta entre nações, mas que através da ideologia de “Marhaenismo” (autodeterminação nacional) que acompanhou o NEKOLIM também negava a relevância da luta de classe na Indonésia.
De modo notável, Sukarno igualava o colonialismo prévio a 1945 com o imperialismo posterior à guerra, obscurecendo de modo eficaz a emergência de um novo e único império informal estadunidense. Neste sentido, o escritor revolucionário Pramoedya Ananta Toer expressava sua frustração diante da visão do mundo predicada por Sukarno em seu discurso ao Congresso Lekra (Instituto de Cultura Popular, filiado ao Partido Comunista Indonésio - PKI) em Paelmbang em março de 1964. Enfatizou a centralidade do imperialismo estadunidense, Pram promoveu uma crítica indireta à estreita preocupação de Sukarno sobre a reinstalação do colonialismo britânico na Malásia:
Pegue estes neocolonialistas “malaios” pelas orelhas e ponha-os no banco dos réus. Tirem sua máscara e verá o verdadeiro rosto do imperialismo britânico com toda a sua ganância. Mas não pare aí. Tire também esta máscara, e verá o rosto mais verdadeiro: o imperialismo estadunidense (16).
Apontando para o novo locus do poder no mundo, Pram observava que “sem o imperialismo estadunidense, outros imperialismos cairiam como folhas” (17). No entanto, e precisamente porque o NEKOLIM obscurece as complexidades e dinâmicas do novo imperialismo, Sukarno continuava apontando poderes coloniais prévios e novos que correspondem antes de tudo aos modos formais do império.
Foi com a escalada da agressão militar estadunidense ao Vietnã que Sukarno centrou-se mais diretamente no imperialismo estadunidense (ainda que isto não necessariamente suponha uma maior compreensão do fenômeno) (18). Por sua vez, os EUA reconheciam plenamente que a intervenção militar aberta na Indonésia seria vista como um ato de império formal. Os funcionários estadunidenses estavam preocupados com a possibilidade de que suas ações fossem rotuladas como um caso de NEKOLIM e que isto expusesse seu apoio ao golpe militar (19). Ironicamente, foi precisamente o fato de que o novo tipo de poder imperial que exerciam tenha sido qualitativamente diferente do poder colonial, o que lhes deu a confiança de que poderiam ocultar seu papel e proteger seus interesses. As alianças políticas afiançadas por meio de programas de treinamento militar e da promessa de envio de armas através de países já integrados ao império estadunidense na região (particularmente Tailândia e Filipinas) escapavam ao rótulo de NEKOLIM. Isto demonstrava porque os opositores do colonialismo e novo imperialismo não deviam ter unificado tais termos. Foi graças à confiança no alinhamento imperial informal, especialmente mediante as “relações inter-forças” militares e de segurança, que o governo dos EUA pôde prover o exército indonésio com “listas negras” (20) que incluíram milhares de líderes e organizadores do PKI. Deste modo, erradicou-se a percepção de ameaças aos interesses imperiais estadunidenses. Este é um padrão de conduta que se repetiria durante os cinqüenta anos seguintes e ainda continua vigente.
Cinco décadas depois de Bandung, a reafirmação paradoxal dos interesses imperiais estadunidenses por parte dos nacionalistas do terceiro mundo foi revalidada pelo primeiro-ministro da Tailândia, Thaksin Shinawatra, que usou o “Espírito de Bandung” para lançar uma nova formação regional, o Diálogo para a Cooperação Asiática (DCA), em junho de 2002 (21). Em seu discurso na reunião inaugural do DCA no Norte da Tailândia, Thaksin descreveu a nova iniciativa regional como “um processo de construção de confiança para os países asiáticos, uma confiança que dever estar baseada no Espírito de Bandung”. Thaksin enfatizou a necessidade de promover esta “consciência asiática” mediante largas citações de um livro de marketing de marcas corporativas. O aspecto mais destacável deste ressurgimento do “Espírito de Bandung” foi o modo com que Taksin tratou de fortalecer a legitimidade do DCA referindo-se à aprovação prévia por parte do presidente dos EUA e do presidente da Comissão Européia:
Reuni-me com eles e informei-lhes sobre a iniciativa do DCA mesmo antes de que esta chegasse a seu fim. Agradou-me o fato de que ambos líderes entenderam completamente e estiveram de acordo comigo sobre a importância de fortalecer nossa cooperação regional (22).
Assim como ocorreu quando o ministro de Relações Exteriores da Tailândia transmitiu as “saudações” do presidente dos EUA à Conferência de Bandung de 1955, esta invocação à aprovação dos EUA serve mais uma vez como lembrete do lugar real do poder imperial.
Separar o mito da realidade do “Espírito de Bandung” não é meramente um exercício de revisionismo histórico. É importante também porque o mito se reproduziu nas formas nacionalistas de políticas antiglobalização que hoje reforçam, em vez de desafiar, o império estadunidense. Isto está especialmente claro na Tailândia e Indonésia. Usando o exemplo da apropriação do populismo anti-FMI por parte das classes dominantes na Tailândia, postulo que a reorganização do estado tailandês em termos do modelo gerencial é uma parte de um processo maior, por exemplo, a conformação de uma burguesia “interior” e a transnacionalização do capital local de dentro do “terceiro mundo”.
A esse respeito, são ilustrativas as estratégias do conglomerado agroalimentar transnacional Charoen Pokphand e o papel que este possuiu na reconstituição geral do estado tailandês no marco do processo de alinhamento com o estado imperial estadunidense. Para captar o sentido disto, faz falta ter uma visão crítica da burguesia interior e questionar a distinção entre capital “nacional” e “estrangeiro” implícita nas respostas nacionalistas de esquerda à globalização.
O ensaio examina depois os limites do “localismo” e da “localização” nas lutas do movimento antiglobalização. A “defesa do local” corre o risco de ser apropriada e reutilizada por políticos nacionalistas, e especialmente pela burguesia interior, o que por sua vez pode contribuir para combater e minar a militância da classe operária. Depois de examinar, desta perspectiva, os desenvolvimentos recentes da Tailândia, o ensaio retorna à Indonésia e ao “Espírito de Bandung” para mostrar como a ideologia do “Marhaenismo” de Sukarno está sendo utilizada para conter o radicalismo e canalizar a resistência popular, empregando a retórica do anticapitalismo sem desafiar o capitalismo. Também se pode reconhecer importantes paralelismos entre esta combinação de comunidade e autodeterminação e as alternativas defendidas por alguns segmentos dos movimentos antiglobalização. Ainda que tais alternativas difiram substancialmente, ambas compartilham a retórica da autodeterminação e da defesa dos interesses comunitários, e podem ser apropriadas e reformuladas pelos interesses das classes dominantes que tratam de utilizar o descontentamento popular frente à globalização para legitimar e reforçar sua própria integração ao capitalismo global e ao imperialismo estadunidense.
O NACIONALISMO E A ESQUERDA NA TAILÂNDIA
Ainda que as mobilizações realizadas como resposta à crise econômica asiática de 1997-1998 tenham ampliado a base dos movimentos antiglobalização, o potencial revolucionário de tais propostas, assim como suas limitações, continua sendo objeto de debate entre os ativistas. Estes movimentos mostraram a primazia do nacionalismo como ponto de referência do descontentamento popular frente à globalização, entendida tanto em termos basicamente liberais como globalização corporativa, ou de um modo mais radical como globalização capitalista ou imperialismo. Para um amplo espectro político, o FMI erigiu-se como o símbolo, e por sua vez a origem, da injustiça e da devastação social ocasionadas pela crise e suas conseqüências. De acordo com muitos ativistas e acadêmicos de esquerda, a crise foi orquestrada pelo FMI para estender sua dominação sobre os países desta região. Na Tailândia, uma das principais críticas de esquerda no marco do debate público sobre as causas e conseqüências da crise foi expressa na Série Globalização e na Série Conhecimento Local do Projeto Visão. Estas publicações condenam o FMI e o Banco Mundial como agentes do imperialismo estadunidense uma vez que defendem alternativas localizadas na ordem mundial reinante (23).
Escrevendo com o pseudônimo de Yuk Si-Ariya (24), Tienchai Wongchaisuwan, diretor do Projeto Visão, explica a crise do capitalismo tailandês em termos do marco teórico do sistema-mundo, e interpreta a globalização como parte do projeto hegemônico do estado imperial estadunidense. Tienchai afirma que o ex primeiro-ministro Chuan Leekpai colaborou com a expansão da hegemonia dos EUA durante os anos 90, ao buscar o apoio do governo dos EUA e declarar lealdade ao FMI. A preocupação de Tienchai com a perda do orgulho nacional leva-o a por maior ênfase sobre os pedidos da Tailândia para obter ajuda dos EUA, e a imposição da cultura estadunidense, mais que na economia política do poder estadunidense. De acordo com Tienchai, esta “lealdade com o FMI” contrasta com a desobediência da Malásia e da Indonésia, que “atuaram como filhos recalcitrantes do FMI” (25). Tienchai afirma que, igual a seus vizinhos do sudeste asiático, a Tailândia devia ter desenvolvido “uma estratégia e um ponto de vista independentes” a partir dos quais negociar com os EUA, desafiando assim sua hegemonia e limitando o dano produzido pelo FMI. Resta saber se a Tailândia podia fazer isto. A ênfase de Tienchai no fracasso de Chuan como líder nacional, e a falta de uma interpretação crítica do regime neoliberal e dos interesses da classe dominante na Tailândia, aumentaram as dúvidas sobre esta opção. Além disso, o conceito central de hegemonia estadunidense é tratado em geral em termos institucionais e pseudo-culturais, segundo os quais as ambições hegemônicas dos EUA estão arraigadas em uma cultura “ocidental brutal” de “expansionismo e dominação”, sem referência ao capitalismo ou a algum imperativo capitalista óbvio (26).
O desejo de uma estratégia independente que emergia de um conjunto correto de opções de política pública, desvinculada do poder estrutural e dos interesses do capital, é uma debilidade recorrente do Projeto Visão. Quando se inclui o capital na análise, isso é feito em termos de uma dicotomia estrangeiro-nacional, de acordo com a qual o capital nacional virtualmente torna-se sinônimo de nação (27). Isto se deve em parte à visão do capitalismo na Tailândia como capitalismo subdesenvolvido ou periférico imerso na rivalidade interimperialista entre Japão, China e os EUA. De acordo com Tienchai: “A medida em que a crise na Tailândia e na Ásia torne-se mais profunda, maiores serão as perdas dos países asiáticos, especialmente os capitalistas japoneses, China e os NICs (nações de industrialização recente)”. Termina dizendo: “O resultado final será que os capitalistas estadunidenses entrarão e comprarão os ativos ao menor preço possível e ao mesmo tempo o estado dos EUA irá expandir sua influência, substituindo a China e o Japão” (28). O suposto que subjaz é que o capitalismo tailandês, operando dentro da esfera do capitalismo regional asiático, estava fora do império estadunidense antes da crise asiática e foi submetido ao realinhamento imperial através do uso do FMI por parte do estado dos EUA, com o objetivo de impor a reestruturação neoliberal e a liberalização financeira. Este enfoque a-histórico ignora a participação geopolítica e econômica de longo alcance dos EUA na remodelação do estado e do capitalismo tailandeses nas décadas prévias ao auge econômico dos anos 80 e primeiros anos da década de 90.
Muito antes de Chuan mendigar aos EUA, o regime militar do marechal Sarit Thanarat, que tomou o poder no golpe de 1958, tinha reconstituído o estado tailandês no marco de sua integração ao império estadunidense. No que Peter Bel descreve como o papel estadunidense no processo de “construção da nação”, o governo dos EUA esteve diretamente envolvido na criação das principais agências estatais. Como o Departamento de Orçamento, o Departamento Nacional de Estatística, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e o Conselho de Investimentos da Tailândia (29). Isto facilitou o fluxo de capital estadunidense, reforçado pelo papel estratégico que teve a Tailândia como base militar e econômica na agressão imperialista estadunidense ao Vietnã. Assim, enquanto alguns historiadores interpretam o projeto político de Sarit como uma tentativa de tornar o estado mais “tailandês” (30), uma interpretação mais precisa coloca que o golpe de Sarit “alinhou os interesses estratégicos dos EUA, os fins ditatoriais dos militares tailandeses e as ambições comerciais do capital local” (31). O apoio militar e econômico estadunidense à ditadura de Sarit e a participação direta das agências dos EUA na reorganização do estado tailandês marcaram uma fase precoce do alinhamento imperial (32).
Na ausência deste contexto histórico, a análise que Tienchai faz do imperialismo estadunidense tende a apresentar a classe dominante tailandesa como desprovida de interesses estratégicos, e a classe capitalista como aparentemente relegada ao status de compradora (33). Em sua visão, os capitalistas na Tailândia parecem não ter interesse no projeto globalizante supervisionado pelo estado imperial estadunidense. E são levados a apoiar a globalização somente por causa de uma virada ideológica imposta sob a hegemonia estadunidense. Tienchai afirma depois que tanto na “teoria como na estratégia” a globalização “teve um papel central em levar a classe dominante tailandesa e os tecnocratas tailandeses a crer na liberalização monetária e a desregulação da Bolsa de Valores, a liberalização da informação e do entretenimento, o que levará ao desastre a todo o povo tailandês” (34). Seu argumento omite o processo pelo qual os capitalistas na Tailândia e em outros países asiáticos renegociaram, adaptaram o entorno local e reutilizaram a ideologia neoliberal como parte de suas próprias estratégias de classe frente à militância da classe operária. A estratégia de classe do capital local é precisamente a de usar o neoliberalismo para minar o poder da classe operária, enquanto que ao mesmo tempo usa o nacionalismo populista para mobilizar o descontentamento da mesma classe operária contra o FMI.
Em última instância, a análise de Tienchai caracteriza a globalização como uma estratégia de guerra de classe entre os capitalistas dos EUA, Alemanha e Japão (apesar da China ser um poder global na análise de Tienchai, o autor evita atribuir-lhe uma classe capitalista), uma guerra de classe que não implica em absoluto classes operárias (35). De acordo com a visão liberal e de esquerda dominantes, expressa pelas ONGs e movimentos sociais, a classe operária é exclusivamente uma vítima da globalização e da crise.
A ortodoxia que prevalece nos movimentos sociais, ONGs e na esquerda intelectual é a de negar o papel da luta da classe operária na tentativa de forçar o capital a “desenvolver estratégias de controle e contenção” com a finalidade de evitar qualquer risco de que os trabalhadores possam ser “culpados” pela crise (36). Como afirma Ji Giles Ungpakorn, membro fundador da Democracia dos Trabalhadores (Trata-se de uma organização trotskista surgida depois da crise de 1997, que integra a tendência socialista internacional) na Tailândia:
O nacionalismo de esquerda foi a forma que tomaram tanto a resposta ideológica à crise predominante entre os trabalhadores organizados e os intelectuais de esquerda, como o manejo das políticas econômicas por parte dos governos. Esta ideologia é a contra-imagem do nacionalismo da classe dominante e um sinal da atual debilidade ideológica da esquerda tailandesa (37).
“O TERCEIRO TEXANO”: POPULISMO ANTI-FMI E O ESTADO GERENCIAL
O populismo anti-FMI usado pelo partido Thai Rak Thai (os tailandeses amam os tailandeses) em sua vitória eleitoral e nos ataques do primeiro-ministro Thaksin ao FMI é ilustrativo desta convergência entre o nacionalismo de esquerda e o da classe dominante. Em um discurso à nação televisionado em 31 de julho de 2003, Thaksin anunciou que a cota final da dívida da Tailândia com o FMI – contraída durante a crise econômica asiática – tinha sido paga. Descrevendo o dano causado ao país pelas políticas impostas pelo FMI através da condicionalidade associada aos empréstimos, Thaksin felicitou os cidadãos tailandeses por esta “vitória” do povo, e declarou que “nunca mais voltaremos aos dias do FMI enquanto eu esteja no meu posto” (38). Estas instância nacionalista ilustrou precisamente o sentimento anti-FMI mobilizado pela esquerda e utilizado pela direita que dois anos antes tinha levado ao poder o partido Thai Rak Thai de Thaksin.
Uma semana depois de seu discurso anti-FMI, Thaksin permitiu que a CIA prendesse na Tailândia um cidadão indonésio, Riduan Isamuddin suspeito de estar vinculado as atividades terroristas da Jemaah Islamiah (JI). Hambali já estava fora da Tailândia e sob custódia estadunidense quando Bush fez o anúncio de sua prisão e da recompensa de 10 milhões de dólares, e logo depois deste anúncio Thaksin fez seu próprio anúncio ao público tailandês, ato que levou os grupos de direitos humanos tailandeses a acusá-lo de transformar o país em uma colônia estadunidense. A recompensa real chegou em outubro na ocasião da cúpula da APEC (Cooperação Econômica da Ásia e Pacífico), quando Bush elogiou Thaksin pelo “bom trabalho” realizado ao capturar Hambali e anunciou que se concederia o “status de aliado maior extra OTAN” para a Tailândia, que inclui o acesso ao urânio empobrecido, sistemas antitanque e garantias de empréstimos do governo dos EUA para bancos privados que financiam a exportação de armas (39). Este nexo entre livre comércio e terror estatal demonstrou-se novamente no compromisso de tornar concreto o Tratado de Livre Comércio (TLC) entre os EUA e a Tailândia como mais uma forma de recompensar a Tailândia por seu papel no exercício do poder imperial estadunidense. O discurso de Thaksin diante do Conselho de Negócios da EUA-ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) em Washington em dezembro de 2001 resumiu adequadamente o papel da Tailândia no império informal: “Ao longo da era colonial, as guerras globais do século XX e os conflitos na Ásia, Tailândia e EUA não deixaram de ser amigos e aliados estreitos. Isto não mudará nos primórdios do século XXI” (40).
A resposta que Thaksin deu ao receber o Sam Houston Humanitarian Award em outubro de 2002 na Sam Houston State University no Texas, onde havia terminado seu doutorado em justiça penal no final da década de 70, simboliza a identificação do líder populista nacionalista tailandês com o império estadunidense (41). Referindo-se ao fato de que James Baker III e o ex-presidente George Bush haviam recebido o mesmo prêmio anteriormente, Thaksin declarou:
Ainda que eu seja o primeiro asiático a receber o prêmio, os senhores podem me considerar como o terceiro texano. Considero a mim mesmo como texano, ao menos em espírito (42).
Em mais de um sentido, esta combinação de comando policial treinado no Texas e gerente corporativo milionário transformado em primeiro-ministro condensa de maneira precisa o nexo do poder imperial estadunidense na região, com a Tailândia como ajudante do xerife e um local de acumulação capitalista integrado internacionalmente. No entanto, para assegurar a continuidade de seu regime, o Terceiro Texano deve manter sua legitimidade política através de uma agenda nacionalista que às vezes parece desafiar os interesses estadunidenses. Ainda que possa parecer atrativo para os nacionalistas de esquerda na Tailândia, que vêem nisso o potencial para fazer frente à hegemonia norte-americana, a situação é muito mais complexa. Como afirmaram Leo Panitch e Sam Gindin, o poder hegemônico do império estadunidense não supõe necessariamente “uma transferência de lealdade popular direta ao próprio estado norte-americano”. Na verdade, “o maior perigo que pode enfrentar é que os estados que estão dentro de sua órbita se tornem ilegítimos em razão de sua articulação com o império” (43). Neste sentido, o nacionalismo do regime de Thaksin, e particularmente sua apropriação do populismo anti-FMI, desempenham um papel importante em manter sua legitimidade. Enquanto os nacionalistas de esquerda deixaram de lado a discussão sobre o capitalismo e priorizado o debate sobre o imperialismo estadunidense, o regime de Thaksin estende claramente a legitimação ideológica nacionalista ao próprio sistema capitalista. Por exemplo, em seu discurso anti-FMI, Thaksin reiterou a inseparabilidade entre o capitalismo e o nacionalismo” “Já disse em muitas oportunidades que em sistemas capitalistas e democráticos, o elemento comum a todos os países capitalistas bem-sucedidos é um sentimento de nacionalismo” (44).
Um dos aspectos mais destacáveis da ascensão ao poder do partido Thai Rak Thai em 2001 foi sua habilidade para atrair para suas fileiras figuras proeminentes de ONGs e de movimentos sociais, assim como a ex-quadros do Partido Comunista da Tailândia (PCT). Mais uma vez o nacionalismo desempenha um papel central para explicar como ex-quadros do PCT puderam terminar aderindo a um partido político liderado por Thaksin, um dos capitalistas mais ricos do país. Tal como observa Ji Giles Ungpakorn:
Por um lado, a vasta maioria de ex-simpatizantes do PCT acreditava firmemente que o socialismo tinha morrido junto com a guerra fria e, portanto, trabalharam para deixar suas crenças para trás. Por outro lado, aqueles que ainda acreditavam em certa forma de sociedade socialista se sentiam tão cômodos trabalhando junto a um partido dirigido por homens de negócio nacionalistas como aqueles que já não acreditavam no socialismo. Isto é assim porque a política stalinista do PCT sempre enfatizou a importância do nacionalismo e das alianças de classe com “capitalistas progressistas” acima da luta de classes, especialmente na [que o PCT chamou] “etapa nacional” da revolução tailandesa (45).
Estas alianças políticas amplas permitiram que o partido Thai Rak Thai canalizasse o sentimento nacionalista para um projeto político abrangente que se propunha reorganizar radicalmente o estado de modo tal que servisse melhor aos interesses dos “capitalistas progressistas”. Aqui é central a imposição do modelo gerencial de governabilidade como a base para administrar o país. Tendo sido o gerente geral de seu próprio conglomerado de telecomunicações, a Shin Corporation, Thaksin promoveu-se vivamente mais como gerente geral da Tailândia Inc. do que como primeiro-ministro de um país. Um elemento crucial desta reorientação estratégica das instituições estatais sob o modelo gerencial é a reconstituição dos governos provinciais, mediante a imposição de “governadores gerentes gerais” em 30 províncias. Isto pode ser visto como uma consolidação do poder do próprio Thaksin, e uma forma de enfraquecer segmentos chave da burocracia estatal. Em termos de Weerayut Chokchaimadon:
[O] esquema de gerentes gerais dá poder a cada governador para interferir nas atividades dos corpos administrativos locais: tambom (subdistritos) e organizações provinciais assim como nas municipalidades. Desde agora, estes corpos não terão nem autonomia local nem liberdade de pensamento para desenhar programas baseados no conhecimento e nas necessidades locais. Tais governadores decidirão o que e como deve ser feito sobre a base dos objetivos nacionais formulados por Thaksin e sua gente [...] Inclusive Thaksin ordenou a todos os ministros que mudassem as regras com o intuito de ajudar a estes governadores a afirmar seu poder. Deste modo, os governadores controlam o dinheiro que costumava ser atribuído pelos ministros. Podem reduzir pessoal. Podem administrar suas campanhas locais antidrogas e antimáfia sem a presença do governo central. Isto parece ser um processo de descentralização, mas com Thaksin manipulando todos os fios em Bangkok, o plano é uma forma de deslocar a burocracia (46).
Weerayut conclui que o presidente está tratando a Tailândia “simplesmente [como] outra empresa” e, dado que “Thaksin não administrava a Shin Corp como uma democracia”, tampouco administrará democraticamente o país (47). Ainda que este tipo de críticas exponha as ambições autoritárias de Thaksin e aponte para os limites políticos e éticos do modelo de governador gerente geral, tende a ignorar os efeitos transformadores da “gerencialização” sobre o estado, assim como os interesses particulares aos que esta serve. A gerencialização do estado é uma forma de descentralização flexível que consolida o controle central sobre as províncias mediante um sistema harmônico de administração dos estados locais. Por sua vez, reforça a competição entre as províncias por novos aportes de capital.
Este modelo se baseia explicitamente nas estratégias corporativas do conglomerado agrícola Charoen Pokphand (CP), que utiliza o comércio e a competição intra-empresas como meios para aumentar a produtividade, maximizar os lucros e manter um controle centralizado flexível. Esta aplicação da estrutura corporativa do CP ao estado coincide com a redistribuição do capital dentro da Tailândia e com a “financeirização” da agricultura, as quais intensificam a compulsão das províncias por competirem entre si.
Como afirma Pasuk Phongpaichit, um aspecto chave do modelo gerencial que promove Thaksin é o “alargamento e o aprofundamento da magnitude da economia capitalista local” (48). Neste contexto, Pasuk cita Thaksin, que afirma que “o capitalismo necessita de capital, sem ele não há capitalismo. Necessitamos injetar capital nas áreas rurais” (49). Para corporações como CP, o uso de sua própria estrutura de governabilidade corporativa por parte da autoridade reguladora estatal facilita sua expansão nas áreas rurais e permite-lhe implementar sua estratégia de exportação agroalimentar. Isto se baseia na perspectiva nacionalista do CP que vê a Tailândia como a “Cozinha do Mundo”, noção que atualmente está arraigada como uma das políticas econômicas mais importantes do estado tailandês.
A orquestração da ocultação e da manipulação do surto de gripe aviária (H5N1) em 2003 e 2004 ilustram o papel do regime de Thaksin no apoio às estratégias de acumulação de capitais individuais tais como o CP. Apesar da séria ameaça potencial para a legitimidade do regime de Thaksin, os funcionários governamentais se negaram a reconhecer o surto de H5N1 na Tailândia, em um esforço para proteger a indústria de produção de frangos para exportação e, portanto, os interesses do CP.
Com 16 bilhões de frangos de corte vendidos a cada anos e com o controle da muito rentável produção de alimentos para aves, os interesses do CP foram ameaçados pela pandemia de gripe aviária naquele momento já reconhecida nos vizinhos Vietnã, Camboja, Laos e no Sul da China. Quando o surto se agravou, o governo transformou a crise em uma oportunidade para o CP atribuísse a origem da epidemia à agricultura de pequena escala. Os sistemas fechados de granjas-fábrica de grande escala usados pelo CP e seus parceiros foram promovidos como a solução para o problema. Antecipando um sério impacto na produção de aves do CP, o governo avançou na estratégia de substituir os pequenos produtores por granjas-fábrica fechadas do CP, potencializando o controle da corporação sobre a produção de aves e de alimentos para aves, e aumentando a venda de aves de corte no mercado local (50).
O domínio do CP no campo tailandês está sendo igualado por sua presença nas cidades como proprietária dos supermercados Lotus e das lojas 7-Eleven, e por seu poder global. Ainda que seu nome seja relativamente desconhecido, o CP é o maior fornecedor de alimentos para animais do mundo, a quinta corporação agroalimentar em tamanho e opera 300 empresas em 20 países. Incluído na lista anual de multimilionários da revista Forbes, o gerente geral do CP, Dhanin Chearavanont, exerce uma extensa influência política que tende a assegurar os interesses internacionais da corporação. Como um grande investidor em alimentos para animais (51), agroquímicos, processamento de alimentos, motocicletas, sementes e supermercados na China, Dhanin mantém laços estreitos com os líderes políticos de Beijing (52). Possui vínculos similares com a família Bush, que incluem a contratação do ex-presidente Bush pai como consultor e a criação de empresas conjuntas com Neil Bush, o irmão de George W. Bush (53). O CP também realizou doações tanto ao Partido Republicano como ao Democrata dos EUA, destinadas a ganhar o apoio para a entrada da China na OMC (54). Na ocasião da campanha eleitoral de 2000 nos EUA, o vice-presidente executivo do CP, Sarasin Viraphol, foi citado pelo The People’s Daily de Beijing dizendo que os interesses da Tailândia seriam favorecidos por uma administração de Bush, especialmente por sua posição frente ao livre comércio e à China (55).
A reorganização do estado em termos do modelo gerencial do CP também ilustra a privatização das funções deste. Em seu livro sobre o gerente geral asiático Korsak Chairasmisak, vice-presidente e presidente do diretório do CP e gerente geral da 7-Eleven, assinala que os locais da cadeia de lojas 7-Eleven pertencente ao CP foram os principais pontos de distribuição pública do rascunho da Constituição de 1997 em Bangkok. Ante o requerimento legal de que o rascunho da Constituição estivesse a disposição do público em um prazo de 45 dias, determinou-se que os locais da cadeia 7-Eleven, com dois milhões de clientes diários, tinham maior acesso ao público que qualquer agência estatal (56). Portanto, o CP estava interessado em assegurar a aprovação fluida da nova Constituição, a qual não era nada mais que um “estatuto para os capitalistas modernos na Tailândia” (57). Esta relação com o estado está destinada a ser mantida, na medida em que a generalização do estado aproxima ainda mais as agências estatais das modalidades gerenciais e operativas das lojas da 7-Eleven. Para Korsak, isto constitui a base da futura governança local, nacional e global:
Eu mesmo tenho a visão do mundo contemporâneo como liderado por cerca de 1000 grandes corporações que estendem suas filiais por todo o mundo. Tais corporações terão uma enorme influência sobre as políticas sócio-econômicas de muitos países, assim como sobre a vida da gente comum (58).
Ao descrever o processo político mediante o qual esta visão foi formada, Korsak sugere que a generalização refere-se principalmente ao realinhamento e a concentração do poder político e econômico. Descrevendo os políticos eleitos como portadores de “significado simbólico” e usando o caso do Japão, Korsak afirma:
Tudo o que o primeiro-ministro pode fazer é persuadir os homens de negócio de seu país para que incremente os investimentos. Que um investimento se concretize ou não, tanto como o montante do mesmo, dependem da decisão final do gerente geral da empresa em questão. O gerente geral é quem recebeu o mandato de “atuar” para as pessoas de outras sociedades. Foi confiado a ele o controle e a administração dos recursos produtivos do mundo, como a força de trabalho, o capital e a tecnologia. O gerente geral, como resultado, chega a possuir um tremendo poder para orientar as tendências de nosso mundo (59).
Em um comentário publicado em Matichon Weekly em março de 2004, um reconhecido acadêmico progressista, Nidhi Aeosrivongse, questiona o “novo nacionalismo” que está surgindo na Tailândia no contexto da globalização, vinculando-o com a transformação geral da ordem política nacional (60). Uma vez que se pergunta que interesses são favorecidos por este nacionalismo, Nidhi observa que a competitividade global é usada hoje para definir as credenciais nacionalistas de uma corporação tailandesa, o que significa uma mudança que está transformando “o espírito do nacionalismo tailandês”. Despojado de raízes históricas ou culturais e orientado somente para o que parece ser uma vitória corporativa singular na arena global, agrega Nidhi, se de fato houver alguma “nação” envolvida neste novo nacionalismo (61).
Os argumentos de críticos do regime de Thaksin, tais como Nidhi, tendem a apoiar a idéia de que o nacionalismo populista que permitiu Thaksin chegar ao poder está se reformulando no regime que este impôs. O que tais argumentos não deixam claro é por que acontece esta reformulação, nem qual é o contexto político e econômico mais amplo no qual se produz a mesma. Seja porque se trate da reformulação do nacionalismo populista ou da imposição do modelo gerencial, parece necessário que a análise vá mais além das instituições, políticas públicas e personalidades políticas para entender o conflito social e as estruturas de poder que subjazem nestas transformações. A tais efeitos, necessitamos situar as estratégias corporativas e os processos políticos dentro do marco de referência da luta de classes, do capitalismo e da dinâmica do império estadunidense.
O NACIONALISMO E A BURGUESIA INTERIOR
A construção de um novo nacionalismo baseado em um modelo gerencial de governabilidade é muito mais que um arroubo autoritário destinado a favorecer os interesses dos grandes negócios. Constitui uma estratégia deliberada de recorte do poder da classe operária mediante o aprofundamento da internacionalização do capital local e da expansão capitalista no país, assim como da reorganização do estado para que funcione mais efetivamente como agente desse capital. É, nesse sentido, uma estratégia de classe realizada não apenas no interesse das frações de capital local que buscam aprofundar a integração com os circuitos globais de capital, mas também contra a luta das classes subordinadas para conter o alcance da acumulação capitalista e estabelecer barreiras à maximização do lucro. É precisamente pelo fato de que as classes subordinadas participam em lutas que desafiam os interesses das classes dominantes, que é necessário o nacionalismo populista (combinado com a repressão política seletiva). Assim como o Terceiro Texano deve vociferar contra o FMI para manter o regime político atual, a reorganização do estado em termos gerenciais e o avanço dos interesses das frações do capital (exemplificado pelos conglomerados transnacionais como o CP) devem continuar enquadrando-se em um nacionalismo que reconhece e apóia “os capitalistas progressistas”.
A experiência da Tailândia sugere que as estratégias de classe dos capitalistas “nacionalistas” são inseparáveis das respostas da esquerda à globalização e ao imperialismo que invocam uma defesa nacionalista do capital “local” ou “nacional”. O tipo de alternativas antiglobalização inspiradas por esta classe de nacionalismo está implicitamente baseado em uma burguesia nacional que deve e pode contribuir com a luta contra o imperialismo estadunidense. Parece que esta posição ideológica apenas pode ser mantida assumindo a continuidade do imperialismo clássico e negando as realidades políticas e sociais da nova ordem imperial. Particularmente a internacionalização do capital no Terceiro Mundo.
Há dois pontos cegos ideológicos que possuem implicações particularmente importantes para a ação (ou inação) política. O primeiro é que o aparente paradoxo de uma classe capitalista local que é por sua vez nacionalista e internacionalizante. O segundo tem a ver com a crença implícita de que a classe capitalista local ainda constitui uma burguesia “nacional” e que a globalização – como coloca Tienchai – é essencialmente uma guerra de classe entre capitalistas dos países capitalistas avançados. O caráter falaz destas posições não pode ser considerado simplesmente rotulando tais capitalistas nacionalistas e seus representantes estatais como meros capitalistas de tipo comprador que abusam do sentimento popular antiglobalização. São ainda menos úteis os juízos morais sobre da fabricação destes nacionalistas. Tais contradições são inerentes à própria natureza das classes capitalistas e às estratégias de classe que estas empregam. Como afirmou Nicos Poulantzas, “Não pode haver dúvida de que a política burguesa colocada frente a frente com a nação esteja sujeita aos perigos de seus interesses particulares: na verdade, a história da burguesia caracteriza-se por uma contínua oscilação entre a identificação com – e traição – a nação” (62).
É quando a burguesia oscila no sentido de uma identificação com a nação que encontramos uma convergência com certas classes de nacionalismo antiglobalização; uma aliança que busca defender a burguesia nacional das políticas neoliberais do FMI e da hegemonia dos EUA. No entanto, longe de ser vítimas do capital global, as seções da burguesia “nacional” estão em condições de internacionalizarem-se, converterem-se em capital transnacional sem que a propriedade se torne estrangeira e sem serem dominadas do exterior. Esta mudança significa também que seus interesses materiais estão ligados inextricavelmente ao do império norte-americano e estão sistematicamente representados pelo estado imperial estadunidense. Em outros termos, quando o capital local se internacionaliza e emula a lógica do capital global, exige que o estado imperial norte-americano cumpra seu papel na administração do capitalismo global. Também exige que o capital internacional se internalize dentro do resto dos estados – um processo que implica aquilo a que se referem Panitch e Gindin quando postulam “a reconstrução dos estados como elementos integrais do império norte-americano informal” (63).
Vista nesses termos, a reorganização radical do estado tailandês mediante o modelo gerencial pode ser entendida como uma estratégia de classe destinada a reestruturar o estado para que este responda melhor ao interesses das frações transnacionalizadas do capital local, e, ao mesmo tempo, funcione mais efetivamente vis-à-vis o estado imperial norte-americano. Isto pode explicar por que capitais individuais representados por conglomerados transnacionais, tais como o CP, reverenciam o estado estadunidense e buscam formas diretas e indiretas de representação frente a este.
Estas formas de representação são diferentes dos laços institucionais que se estabelecem com outros estados porque apenas o estado dos EUA é visto em termos globais.
Como assinalamos anteriormente, os executivos do CP vinculavam explicitamente seus interesses ao estado norte-americano, não tanto por seus investimentos nos EUA, mas por meio de seus investimentos na China. Mediante suas alianças estratégicas e seus acordos empresariais com corporações transnacionais, como a transnacional agrícola estadunidense Monsanto e a empresa global de comércio varejista do Reino Unido, Tesco, o CP internalizou também os interesses e padrões de acumulação de frações específicas do capital internacional. Deste modo, os interesses das frações nacionalistas do capital local estão inextricavelmente ligados à administração efetiva do capitalismo global por parte do estado imperial dos EUA.
Para captar o sentido dessa classe capitalista local transnacionalizada, nacionalista, que defende a nação e se alinha com a ordem imperial norte-americana, é importante reconhecer as mudanças sociais que transformaram a burguesia nacional em uma burguesia “interior”. Em sua revisão do conceito de burguesia interior de Poulantzas, Bob Jessop explica (64):
Esta burguesia “interior” não é totalmente dependente do capital externo – como o é a burguesia de tipo comprador, a qual carece de uma base própria de acumulação e está econômica, política e ideologicamente subordinada. Tampouco é o suficientemente independente para desempenhar um papel de liderança em nenhuma luta antiimperialista genuína (como o é a burguesia nacional). Esta posição intermediária não significa que a burguesia interior careça de algum grau de independência. Pelo contrário, tem seu próprio fundamento econômico e suas bases de acumulação locais e externas e manter suas próprias orientações políticas e ideológicas nacionais opostas ao capital norte-americano.
Isto sugere duas dimensões críticas da burguesia interior: primeiro, a integração com (mais que a dependência com relação a) os circuitos de capital estrangeiro; e segundo, a posse de “seu próprio fundamento econômico e de bases de acumulação no país e no exterior”. Ainda que Poulantzas tenha aplicado o conceito de burguesia interior aos países capitalistas avançados, o poder explicativo deste conceito é adequado para desenvolver uma interpretação mais crítica das frações transnacionalizadas do capital local que estão se originando atualmente nos países capitalistas “em desenvolvimento” (65). Está claro que frações de capital como as que o CP representa possuem seus próprios fundamentos econômicos e suas bases de acumulação no país e no exterior, enquanto que ao mesmo tempo estão integradas aos circuitos de capital global. Isto sugere que a internacionalização do capital (acelerada no marco do projeto de globalização) não produz simplesmente uma dependência do capital “nacional” com relação ao capital “estrangeiro”. O que aparece como capital “nacional” opera de acordo com a lógica do capital global, em seu próprio interesse, e sem os laços de dependência que caracterizam os capitalistas de tipo comprador no imperialismo clássico.
Os defensores do nacionalismo de esquerda e da localização apresentam uma tendência especial de minimizar a magnitude em que a financeirização do capital industrial transformou a burguesia “nacional”. O suposto de que os mercados financeiros e os fluxos de capital financeiro operam em esferas separadas da produção e dos circuitos de capital industrial permite uma identificação nacionalista com o capital industrial local.
Desta perspectiva, atividades como as telecomunicações e as finanças consideram-se globalmente integradas, enquanto que se estabelece uma clara divisão entre o controle estrangeiro e o local no caso da indústria e das atividades agropecuárias.
Esta visão não reconhece o modo em que a financeirização da produção industrial e da agropecuária transformaram os padrões e as fronteiras da acumulação. Mais que atuar como uma força intrusiva, o capital financeiro internacional pode, de fato, internalizar-se no capital local.
Como instrumento conceitual, a noção de burguesia interior ajuda a elucidar políticas, estratégias e ações do estado e das frações de capital local contra a hegemonia estadunidense (cujo epítome é a resistência ao projeto neoliberal do FMI) é uma luta dentro da hegemonia estadunidense, não contra esta. Ainda que as políticas neoliberais ameacem os interesses de frações particulares do capital local, as mesmas formam parte também das pressões transformadoras que convertem alguns segmentos da classe capitalista local em uma burguesia interior. Isto significa que a resistência “nacionalista” dos capitalistas locais à integração neoliberal nos circuitos globais de capital é, de fato, uma luta para assegurar melhores termos para a integração. E mais, implica uma reorganização interna que emula mais eficazmente o capital global. Nesse contexto, a política de mobilização do nacionalismo forma parte de uma estratégia de classe para reinventar a burguesia como uma burguesia interior, cuja internacionalização do capital exige um estado nacional mais efetivo que dê acesso ao estado imperial dos EUA. Esta resistência nacionalista pode ocorrer dentro do processo de (re)alinhamento imperialista.
OS LIMITES DA LOCALIZAÇÃO
Resulta cada vez mais evidente que faz falta uma perspectiva mais crítica que a “localização” como alternativa à globalização capitalista. As alternativas de “conhecimento local” invocadas pelo Projeto Visão, por exemplo, centram-se exclusivamente na ameaça representada pelo capital “estrangeiro” e miram no capital “local” para defender os interesses nacionais. Isto, por sua vez, gera um apoio implícito ao imperativo capitalista de competição contra o capital estrangeiro como o meio mais efetivo de defender a cultura local da dominação imperialista. Um exemplo disto é a afirmação da necessidade de desenvolver localmente o mapeamento e a engenharia genética do arroz, com o intuito de proteger as variedades locais de arroz e de competir internacionalmente como uma nação exportadora deste (66). No entanto, esta “alternativa” evidencia o papel que a engenharia genética desempenha como tal na mercantilização dos organismos vivos, um processo que é parte integral da lógica do capitalismo.
O que é relevante aqui para os movimentos antiglobalização é o fato de que o capitalismo se apropria da defesa do “local” como um meio para se relegitimar. A epítome desta situação é a convocatória solidária de Korsak Chairasmisak, o executivo do CP e da 7-Eleven citado anteriormente, a que as famílias de pequenos comerciantes tailandeses se tornem proprietárias de uma loja 7-Eleven com o objetivo de resistir às pressões das corporações transnacionais: “Nós os apoiaremos para que se tornem suficientemente fortes para suportar a competição das corporações multinacionais estrangeiras que começaram a observar o comércio varejista tailandês” (67). O fato de que a própria 7-Eleven (cuja matriz está no Texas e possui 26 mil localidades em 18 países) seja uma corporação multinacional se apaga quando esta é reinventada como uma empresa local que desafia os interesses das multinacionais. Este exemplo é indicativo dos desafios impostos pelas estratégias de localização do capital internacional. Levar em contar este tipo de desafio também serve para lembrar àqueles ativistas que advogam alternativas locais à globalização e ao imperialismo dos EUA que as estratégias de localização devem estar arraigadas em uma análise de classe mais coerente. Na ausência de uma análise de classe, e com a persistência da falsa dicotomia de capital “estrangeiro e nacional”, a defesa radical do local traz o risco de ser incorporada dentro das estratégias capitalistas de localização, estratégias de classe que fragmentarão ou desmobilizarão a resistência popular.
Os limites da localização são ainda mais visíveis quando são os mesmos os que propõem a globalização e apóiam o império dos EUA defendem a localização. Um líder intelectual e assessor político, Chai-anan Samudavanija (que traduziu o termo “globalização” para o idioma tailandês pela primeira vez) (68), afirma inequivocamente que
os Estados Unidos necessitam de uma estratégia global para a era da globalização; Tal estratégia global deve ser capaz de abordar o objetivo estratégico básico que define a agenda norte-americana (69).
Isto, segundo a afirmação de Chia-anan, beneficiaria a Tailândia, na medida em que seus interesses estariam representados na agenda norte-americana. Ao mesmo tempo, compartilha com muitos acadêmicos e ativistas liberais de esquerda a crença na localização como um meio de estimular “o desenvolvimento da autonomia dos indivíduos, a descentralização e a participação”, contrabalançando assim o impacto social e econômico da globalização e da mudança do poder político, onde as “operações transnacionais substituem o estado no controle e na direção das atividades econômicas em todos os níveis” e as “elites – políticas, militares e tecnocráticas – perdem seu poder mais fundamental sobre o setor privado, isto é, sua autoridade reguladora” (70). Isto leva Chai-anan a descrever a ascensão do poder transnacional de uma maneira que converge com a perspectiva neomarxista do Projeto Visão, segundo a qual a globalização “fortaleceu os regimes internacionais como a Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional, os quais utilizaram depois da crise asiática ‘para ditar as condições e alinhamentos da recuperação econômica’” (71).
A importância da síntese que faz Chia-anan sobre a localização e a globalização dentro da ordem imperial estadunidense não está radicada na apropriação das idéias políticas, mas no modo em que estas se traduzem em ação política. Quando durante o primeiro trimestre de 2004 os protestos maciços de trabalhadores contra a privatização da Autoridade Geradora de Eletricidade da Tailândia (EGAT) intensificaram-se até o ponto de que 50.000 trabalhadores ganharam as ruas em 3 de março, Chai-anan foi nomeado pelo governo de Thaksin como o novo presidente do EGAT para negociar um acordo com o sindicato. Descrito pela mídia como alguém que “usa a mesma camisa” que os trabalhadores (72), Chai-anan tentou aplacar os sindicatos prometendo deter a privatização do EGAT. A situação se tornou confusa quando os sindicatos declararam a vitória contra a privatização enquanto Thaksin reafirmava que esta seria continuada. Chai-anan imediatamente negou que houvesse um acordo para a privatização e afirmou que tinha se formulado um processo alternativo de privatização gradual. Como resposta, o sindicato do EGAT continuou com seus protestos e ameaçou com greves.
A luta em torno da privatização do EGAT expressa uma dinâmica política importante da resistência à agenda neoliberal do regime de Thaksin e supõe uma ruptura importante no uso do nacionalismo populista por parte da classe dominante. Quando Tahksin se referiu a uma vitória popular em seu discurso anti-FMI der julho de 2003, postulou que a liberdade da Tailândia com relação às “obrigações vinculatórias” do FMI implicava no final da privatização forçada das empresas estatais para pagar a dívida nacional.
Não obstante, no mesmo discurso, reafirmou que a privatização seria realizada através de meios nacionais, incorporando esses serviços públicos ao mercado de ações da Tailândia. A cotização no mercado de ações asseguraria que “se tornasse efetiva a prestação de contas mediante o monitoramento por parte dos mercados de capital” e que se pudesse emular as empresas capitalistas do setor privado (73). Com esta virada, o regime de Thaksin tentou conter a resistência dos trabalhadores à privatização dentro dos parâmetros do nacionalismo anti-FMI, crendo que ao retirar o FMI da equação a resistência se dissolveria. Neste contexto, foi muito significativo que o sindicato e os grupos de trabalhadores pudessem ver além disso, reconheceram a continuidade da privatização por meio da cotização no mercado de ações. Assim, o movimento antiprivatização oferece renovadas possibilidades de transcender o nacionalismo de esquerda que caracterizou as respostas à crise asiática, ampliando a luta para além do nacionalismo anti-FMI e apontando as estratégias específicas da classe dominante que buscam cooptar ou marginalizar a militância da classe operária (74).
Apesar de tais possibilidades, para que isto se converta em um desafio importante ao capitalismo global e ao império norte-americano, as interconexões entre a globalização, a dominação corporativa, o racismo, o capitalismo e o imperialismo não podem se limitar a ser legendas atrás das quais marchar, mas que devem se tornar elementos coerentes de uma visão de mundo crucial para a compreensão coletiva de um movimento de massas e suas aspirações. A relações entre os movimentos por uma globalização alternativa, antiglobalização e antiimperialista e os nacionalismos populistas, costuma estar baseada em coalizões amplas e alianças táticas que buscam usar o nacionalismo – baseado no descontentamento com o status quo global e no sentido da vulnerabilidade e insegurança associadas à globalização – para ganhar o apoio para dar respostas mais radicais. Sem importar a justificativa ideológica (onde o “pragmatismo” parecer ser dominante), a implicação estratégica das apelações à soberania nacional, a auto-suficiência e demais é essencialmente a mesma. Esta visão estreita da ordem imperial estadunidense como dominação econômica (expressa em termos das corporações transnacionais estadunidenses) carrega o risco de promover alternativas que reforçam a lógica do capitalismo e, portanto, apóiam o próprio sistema que o estado imperial dos EUA está administrando. Ainda mais importante, implica o risco de mobilizar membros da classe operária alentando o mesmo tipo de nacionalismo populista que os capitalistas estão usando para negociar os termos de sua assimilação imperial.
DE VOLTA A BANDUNG: A SUBSTÂNCIA DOS SLOGANS
Talvez não haja outro lugar na Ásia no que isto seja visto mais claramente que na Indonésia, onde, como ocorreu na Tailândia com as mobilizações contra o FMI, a vulnerabilidade e a incerteza geradas pela globalização acelerada e a agressão militar intensificada dos EUA geraram nojo e frustração maciços. Mas este nojo e frustração também estão sujeitos aos, e são utilizados pelos, interesses das classes dominantes.
Entre os vinte e quatro partidos políticos que competiram nas eleições de julho de 2004 na Indonésia, não menos que seis reclamaram o legado de Sukarno, entre estes três partidos políticos distintos liderados por suas filhas Megawati, Rachmawati e Sukmawati. A reinvenção do sukarnoismo como um programa político nacionalista incluiu o ressurgimento de um elemento chave na mitologia política de Sukarno, a doutrina do “marhaenismo” ou auto-suficiência baseada na lendária reunião entre Sukarno e o camponês Marhaen (75). A negação da luta de classes foi um dos objetivos ideológicos principais do marhaenismo inventado por Sukarno, que rechaçava o conceito marxista de proletariado por considerá-lo inapropriado para o contexto indonésio. Segundo Sukarno, Marhaen “não era um membro do proletariado, porque não vendia sua força de trabalho a outro sem participar na propriedade dos meios de produção” (76). Portanto, a Indonésia não tinha uma classe operária, mas uma massa de “gente indigente” da Indonésia. O marhaenismo identifica este com a nação, retirando a luta de classes da equação.
Na busca de apoio político para seu partido (hoje denominado o Partido Nacionalista Indonésio Marhaenista), Sukmawati Sukarno reafirmou a relevância do marhaenismo no século XXI no contexto da globalização. No entanto, não pode definir o significado contemporâneo do termo nem explicar as políticas sociais específicas que este implicaria (77). Como acontece com o sukarnoísmo em termos mais gerais, o marhaenismo está sendo usado por seu poder simbólico para canalizar o descontentamento popular ante o nacionalismo da classe dominante. Esta estratégia de administração das massas descontentes se estende às versões mais progressistas do marhaenismo, representadas pelo Partai Nasional Bung Karno (PNBK, Partido Nacional Irmão Karno) criado em 2002. Rebatizado Partai Nasional Banteng Kemerdekaan (Partido Nacional Varões pela Liberdade) para cumprir com os requisitos legais que impediam o uso de nomes próprios nas eleições de 2004, o PNBK defendeu “a revolução progressista” baseada na ideologia do nacionalismo e na construção do “socialismo indonésio” (78). Da mesma maneira que outros partidos políticos nacionalistas, o PNBK não apresentou uma agenda econômica clara para alcançar a autodeterminação e muito menos a visão do “socialismo”. Mas sim, ofereceu reformas social democratas (bem-estar social e subsídios) com a esperança de aproveitar o nacionalismo populista gerado pelos partidos políticos maiores como o PDI de Megawati (Partido Democrático Indonésio).
Como estratégia de mobilização utilizada por frações da classe dominante indonésia, o marhaenismo oferece um potencial significativo porque sua carência de substância se combina com um amplo alcance no espectro político. Interpretado a partir de uma visão radical como um marxismo nacionalizado, apropriado para a Indonésia, o marhaenismo inspira também respostas nacionalistas de esquerda à globalização e ao imperialismo estadunidense. A legitimidade doutrinária destas interpretações radicais se funda na Declaração de Marhaen de 1964, a qual agregou uma linha abertamente anticapitalista ao nacionalismo populista ao clamar pela expulsão dos terratenentes e capitalistas do Partido Nacionalista Indonésio (PNI). Ainda que tal expulsão nunca tenha se materializado, a retórica anticapitalista desempenha um papel importante na associação do marhaenismo com as posições antiimperialistas e antiglobalização atuais (79). De acordo com Mohammad Samsul Arifin, “O marhaenismo genuíno afirma que enquanto houver práticas de imperialismo, colonialismo e feudalismo no mundo, esta doutrina será vigente” (80). Afirma-se que o poder do marhaenismo se fundamenta no fato de que, apesar de compartir uma agenda revolucionária com o marxismo, este último centra-se na classe operária, enquanto que o marhaenismo “amplia sua base a quase toda a gente na comunidade” (81). Assim, afirma-se uma agenda revolucionária que carece de classes ou luta de classes. A luta radical antiglobalização e antiimperialista é – mais uma vez – percebida como uma luta entre nações; Susilo Eko Prayitno, um membro do comitê central do Movimento Nacional dos Estudantes da Indonésia (Gerakan Mahasiswa Nasional Indonesia, GMNI). Descreve o marhaenismo como uma teoria marxista “nascida nas lutas para abolir o capitalismo, o colonialismo e o imperialismo” (82). Cabe notar que o GMNI esteve entre a dezena de organizações estudantis que realizaram protestos maciços em Jacarta em fevereiro de 2003 em nome de “Tritura”, as “três demandas do povo” (83), incluindo a redução de preços, a perseguição dos políticos corruptos e a “construção de uma nação auto-suficiente”. É esta última demanda a que se percebe como uma resposta marhaenista à globalização capitalista e ao imperialismo estadunidense.
Assim como as diferenças entre o imperialismo estadunidense e o colonialismo europeu anterior a 1945 ficaram diluídas nos slogans de Sukarno, nos quais o colonialismo, neo-colonialismo, imperialismo e neo-imperialismo eram usados de maneira indistinta, sem atender nem às especificidades históricas nem à dinâmica político-econômica destes sistemas de dominação global, hoje, a justaposição de neoliberalismo, globalização, capitalismo e imperialismo (precedido pelo “não!” ou “abaixo!”) não consegue aperfeiçoar nossa compreensão e traçar um caminho claro para a ação coletiva. Depois da crise econômica asiática, as mobilizações maciças contra a OMC e o FMI invocaram freqüentemente este tipo de nacionalismo populista que atribui todas as enfermidades sociais, econômicas e culturais às instituições que controlam a ordem global uma vez que descrevem a nação como a vítima. Tal perspectiva radicaliza o discurso das respostas da esquerda liberal à globalização, mas não realiza a virada necessária na análise política nem se move para os tipos de ação coletiva revolucionária requeridos.
Em uma declaração publicada em Pembebasan (Liberação), a publicação mensal do Comitê Central do Partido Democrático Popular (KPP-PRD), associa-se o imperialismo com o colonialismo e com a “colonização descarada”, de modo que tende a diluir o império estadunidense, mais que a brindar com uma interpretação crítica e um ponto de referência para a ação:
Hoje enfrentamos o panorama de um mundo que está em movimento, que culmina em um choque do imperialismo contra seus inimigos. Não nos equivoquemos, as demandas de desenvolvimento capitalista desta etapa mais recente (imperialismo), requerem que eles saqueiem a riqueza do mundo, por qualquer meio, de maneira feroz e desavergonhada. A ocupação (colonização) do Afeganistão, e depois a do Iraque, agregam-se à série de países submetidos ou países sujeitos a satisfazer as necessidades do imperialismo. Mas a reação e a resistência a isto – em suas diversas formas – é uma lei objetiva que eles tampouco podem negar. A exploração por parte das corporações internacionais é seguida imediatamente pela resistência contra ela; sua consolidação em um conjunto de fóruns internacionais (o FMI, a OMC, o Banco Mundial, o Fórum Econômico Mundial e ademais) é constantemente bloqueada por manifestantes que se opõem (84).
Desconhecendo o amplo espectro político que caracteriza o populismo anticorporativo e minimizando o sentimento anticapitalista destas demonstrações, o KPP-PRD conclui que a vitória está assegurada: “Com o tempo, este elo da cadeia do colonialismo mundial se debilitará ainda mais pela crise e pela resistência que enfrenta” (85).
Em uma declaração difundida dois meses antes, o KPP-PRD havia se referido ao modo com que “os interesses do imperialismo global” são favorecidos pela armadilha da dívida no terceiro mundo. São os “imperialistas globais” aqueles “que forçarão a tais nações a abrir seus mercados locais através da OMC para tornar possível que o capital do imperialismo global controle e, um a um, vai se adonando dos ativos destas nações” (86). Assim, o conceito de imperialismo não se usa para explicar a dinâmica do capitalismo global, mas para agregar uma linguagem radical às preocupações das ONGs e dos movimentos sociais sobre o controle corporativo e a dívida do terceiro mundo. Um suposto comum subjaz nestes argumentos: a nação, não a classe, está no centro destas lutas. Esta crítica radical do imperialismo, divorciada como está da luta de classes, não poder ser considerada como inerentemente anticapitalista.
As raízes deste nacionalismo e antiimperialismo radicais são muito mais complexas do que os movimentos sociais contemporâneos freqüentemente reconhecem. Quando a organização de massas anticolonialista Serikat Islam se radicalizou no final de 1917, as preocupações expressas pelos capitais comerciais locais levaram seus líderes a esclarecer que se referiam ao capitalismo estrangeiro (87). Vinte e cinco anos mais tarde, frente a perspectiva de perder a guerra e de uma ocupação aliada indefinida da Indonésia que poderia facilitar a recolonização européia, em outubro de 1944, as forças de inteligência naval japonesas em Java criaram uma escola para os nacionalistas indonésios chamada Asrama Indonesia Merdeka (Residência da Indonésia Livre). Um nacionalista radical conectado com o PKI clandestino foi contratado como diretor. A escola dedicou-se a difundir o marxismo-leninismo e “foi ensinado aos estudantes a ver a luta da Indonésia pela independência em termos de uma luta internacional contra o imperialismo capitalista” (88). Realizaram-se aulas sobre a teoria do imperialismo de Lênin, sob os auspícios da Armada Imperial Japonesa! Este exemplo é apresentado apenas para indicar algumas das especificidades e complexidades históricas do imperialismo e do antiimperialismo. A tendência em “deshistorizar” a globalização e o imperialismo leva a perigosas simplificações dos desafios que enfrentamos atualmente, ao prescrever uma ação política que se baseia mais em slogans que em qualquer substância.
Em alguma medida, o fato de que o conceito de “imperialismo” tenha sido reanimado dentro do movimento antiglobalização apresenta novas possibilidades para uma virada do populismo anticorporativo para anticapitalismo. No entanto, é necessário se perguntar se fatos específicos – especialmente a agressão militar estadunidense contra o Iraque – levaram os ativistas a agrupar meramente os sentimentos antiguerra e anti Bush à crítica que o movimento antiglobalização faz do controle corporativo transnacional, produzindo assim a combinação correta de slogans, mas com pouca substância. O uso do termo “imperialismo estadunidense” em si mesmo não indica nenhuma radicalização significativa do movimento antiglobalização ou antiguerra. A fórmula “Bush + Bombas + Grandes Corporações = IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE” pode servir para um propósito político imediato, mas também pode limitar a possibilidade de entender as raízes mais profundas do imperialismo estadunidense, mesclando pressupostos liberais com uma linguagem revolucionária de formas tais que minam as estratégias de resistência.
Hoje vemos que o conceito de imperialismo estadunidense está sendo usado no sudeste asiático como um meio de identificar o capitalismo com o estrangeiro. Deste modo, é mascarado o capitalismo local, e também o são os interesses materiais e as estratégias de classe dos capitalistas “locais”, que, deste modo, podem identificar-se com a nação. De maneira similar, o uso da idéia de auto-suficiência em um sukarnoismo reinventado ameaça apropriar-se das demandas do movimento antiglobalização pela soberania alimentar. Isto apresenta riscos políticos severos para a esquerda. Ameaça ocupar e desradicalizar espaços sociais críticos de resistência, reinventando a divisão entre capitalismos local e estrangeiro e defendendo os capitalistas locais. Enquanto o alvo seja o logotipo, uma mudança de imagem é freqüentemente suficiente para responder a estas demandas. Assim, podem localizar-se até os símbolos culturais da globalização e da dominação dos EUA (vistas de várias maneiras como americanização e imperialismo “cultural”) (89). Como pode ser lido em um cartaz em um restaurante da cadeia McDonald’s na Indonésia: Em nome de Alá. o Compassivo, o Misericordioso, McDonald’s da Indonésia é propriedade de um nativo indonésio muçulmano.
NOTAS
O presente ensaio iniciou-se em Bandung e terminou em Bangkok. No decurso desta mudança, o respaldo e os conselhos de numerosas pessoas foram cruciais. Em particular, gostaria de expressar minha gratidão a Varoonvarn Svangsopakul por sua ajuda inestimável com a tradução do tailandês. Agradeço, também, a Awang Awaludin e Gody Utama por sua ajuda em Bandung, e Greg Albo e Peter Rossman por proporcionar referências críticas. Obviamente, as opiniões aqui expressas e qualquer erro são somente meus.
1 Ver, por exemplo, Samir Amin, “World Conference Against Racism: People’s Victory”, Monthly Review, Dezembro de 2001.
2 “Asia-Afrika Berada pada pasai Posisi Marginal dalam Globalisasi”, Kompas, 31, Julho de 2003; “AASROC Merenkonstruksi ‘Jembatan’ Ásia-Afrika”, Pikiran Rakyat, 2 de Agosto de 2003.
3 Ao longo do ensaio refiro-me à globalização e também ao imperialismo estadunidense quando discuto os objetivos centrais aos que se opõem os movimentos de resistência e os ativistas de esquerda. A distinção é necessária com a finalidade de refletir as diferenças que existem no arco da esquerda, uma vez que alguns daqueles que se opõem ao imperialismo estadunidense não necessariamente se opõem ao capitalismo global, e a resistência à globalização não se traduz automaticamente na oposição direta ao imperialismo estadunidense. Em minha opinião, a globalização e o neoliberalismo são projetos políticos específicos que formam parte do império norte-americano e estão destinados a facilitar a expansão global do capitalismo e acabar com o poder da classe operária. Não são sistemas em si mesmos, mas estratégias de classe.
4 “Supplementary Detailed Staff Reports on Foreign and Military Intelligence, Book 4, Final Report of Government Operations with Respect to Intelligence Activities” (Senado dos EUA), Abril de 1976, p. 133, citado em: William Blum, The CIA: A Forgotten History. US Global Interventions Since World War 2, Londres – Nova York, Zed Books, 1986, p. 108. Em seu sugestivo comentário do documento, Blum revisa a evidência sobre a participação da CIA no bombardeio de um avião da Air Índia contratado para transportar membros da delegação chinesa à Conferência de Bandung. É interessante mencionar, ademais, que no Museu da Conferência de Bandung, situado no Salão da Liberdade em Bandung, são exibidas fotografias e uma breve explicação sobre a tragédia, incluindo imagens do dispositivo de tempo usado na bomba, mas não se faz referência à possível participação estadunidense.
5 “Address by the President of Indonésia”, Centre for the Study of Asian-African and Developing Studies, Collected Documents of the Asian-African Conference, de 18 a 24 de Abril de 1955, Jacarta, Agência de Pesquisa e Desenvolvimento, Ministério das Relações Exteriores, 1983, p. 7. Cabe assinalar que ainda que Sukarno tenha pronunciado o discurso inaugural da Conferência, não participou formalmente na mesma. Foi em abril de 1965, ao se cumprir o décimo aniversário da Conferência de Bandung, quando afirmou que aqueles que pensavam que o imperialismo estava morto eram “loucos” e proclamou: “o imperialismo no está morto, a luta contra o colonialismo e o neo-colonialismo ainda não terminou!”, em “After Tem Years Still Onward, Never Retreat", em Ten Years After Bandung, Jacarta: Oficina de Imprensa do Governo, 18 de Abril de 1965, pp. 32-33.
6 “Addresses by Delegations – Philippines”, Collected Documents of the Asian-African Conference, p. 98.
7 “Addresses by Delegations – Libya”, Collected Documents of the Asian-African Conference, p. 83.
8 “Addresses by Delegations – Iraq”, Collected Documents of the Asian-African Conference, p. 65.
9 “Addresses by Delegations – Pakistan”, Collected Documents of the Asian-African Conference, p. 90.
10 “Addresses by Delegations – China”, Collected Documents of the Asian- African Conference, pp. 44-47.
11 “Addresses by Delegations – Thailand”, Collected Documents of the Asian-African Conference, p. 111.
12 “Eisenhower Sends US Greetings”, Indonesian Observer, 20 de Abril de 1955.
13 Sukarno, “After Ten Years Still Onward, Never Retreat”, pp. 32-33.
14 Na história oficial do Museu da Conferência Asia-África afirma-se: “Depois do golpe abortado do G30S/PKI (o Partido Comunista), Gedung Merdeka foi tomado pelos militares e uma parte do edifício foi usada como prisão para os presos políticos comunistas”. Reference Guide: The Museum of the Asian-African Conference, The Museum of the Asian-African Conference, Bandung, 1992.
15 Em 1966, Sukarno rogou diante do Congresso dos EUA: “Que Deus nos conceda, à América do Norte e à Indonésia, a melhor amizade entre nações que nunca haja existido”. Este discurso está gravado em vídeo e foi reproduzido no documentário Mass Grave, Lexy Junior Rambadeta & Off Stream, 2001.
16 “Kenapa kebudayaan imperialis Amerika Serikat yang harus dijebol?” (“Por que é necessário destruir a cultura imperial estadunidense?”), discurso de Pramoedya Ananta Toer na cerimônia de encerramento do congresso Lekra, Palembang. Reproduzido em Harian Rakjat, 15 de Março de 1964.
17 Ibid.
18 Como dizia Edward Masters, que trabalhou na embaixada estadunidense entre 1964 e 1968: “Nós éramos, de fato, o inimigo público número um nesse momento. Havíamos substituído os britânicos”. A entrevista pode ser vista no documentário Shadow Play: Indonesia’s Years of Living Dangerously, Thirteen/WNET, 2002.
19 O Departamento de Estado de EUA enviou um telegrama à embaixada estadunidense em Jacarta recordando que é “essencial que não demos a Sukarno e companhia a oportunidade de alegar que [estão] a ponto de ser atacados por NEKOLIM e que não demos a Subandrio e ao PKI evidência pública que possam citar sobre o fato de que o USG [o governo de EUA] apóia o exército contra eles. O telegrama disse depois de maneira inequívoca: “é claro que o exército não necessita de nossa assistência material neste momento”, e continua explicando que a rede imperial formal dos EUA era suficiente, uma vez que anos de “relações inter-forças” indonésias e estadunidenses desenvolvidas mediante programas de treinamento militar e de laços econômicos e de segurança, “devem ter convencido completamente os líderes do exército de que os EUA estão por detrás deles se necessitarem ajuda”. “Telegram from the Department of State to the Embassy in Indonesia”, Washington, 6 de Outubro de 1965. National Archives and Records Administration, RG 59, Central Files 1964-66, POL 23-9 INDON, .
20 As evidências de que o governo estadunidense fornecerá “listas negras” de membros do PKI aos militares indonésios foram publicadas pelos jornais South Carolina Herald-Journal de 19 de Maio de 1990; San Francisco Examiner de 20 de Maio de 1990; Washington Post de 21 de Maio de 1990 e Boston Globe de 23 de Maio de 1990.
21 Thaksin, um rico capitalista do sudeste asiático, nomeado o Homem de Negócios do Ano pela Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), foi visto como o anfitrião mais apropriado para a inauguração do DCA (Diálogo para a Cooperação Asiática) e emergiu como um líder “modelo” entre as classes dirigentes da região.
22 Discurso de abertura de Thaksin Shinawatra, primeiro-ministro da Tailândia, Reunião Inaugural do DCA, Cha-Am, Tailândia, 19 de Junho de 2002.
23 Uma explicação do contexto do Projeto Visão e suas séries de publicações Globalização e Conhecimento Local podem ser encontrados em Craig J. Reynolds, “Thai Identity in the Age Of Globalization”, em Craig J. Reynolds, ed., National Identity and its Defenders: Thailand Today, Chiang Mai: Silkworm Books, 2002, pp. 322-333.
24 Craig Reynolds explica que o pseudônimo literário que usa Tienchai implica “um sonho de uma Tailândia melhor” baseado na “‘Yuk Si-Ariya’ de época ou a ‘Era de Mettaya Buddha’, o Buddha que renascerá neste mundo muito depois de que a religião de Gautama Buddha tenha chegado a seu fim. A mensagem de salvação do Dhamma porá em ordem o mundo novamente depois das convulsões da Era da Obscuridade, a Kaliyuga” (Ibid.).
25 Yuk Si-Ariya, “American Imperialism and the War to Usurp Hegemony”, em Phitthaya Wongkun, ed., Wikrit Asia (A crise asiática), segunda edição, Bangkok: Amarin Publishing/Witthithat Project, 1999, pp.49-51.
26 Ao explorar as raízes culturais da hegemonia estadunidense, Tienchai cita como definitivo o texto de Robert Frank e Phil Cook, The Winner-Takes-All-Society, Nova Iorque, Free Press, 1995.
27 Poder-se-ia dizer que o enfoque teórico de Tienchai sofre daquilo que Richard Bryan descreve como “a adesão neomarxista a uma taxonomia nacionalista de capital” que conduz a uma falsa dicotomia entre capital externo e nacional e a uma incapacidade de perceber “a contradição interna à internacionalização de capital”, Richard Bryan, “The State and the Internationalization of Capital: An Approach to Analysis”, Journal of Contemporary Asia, 17(3), 1987, p. 256.
28 Yuk Si-Ariya, “American Imperialism and the War to Usurp Hegemony”, p. 53.
29 Peter F.Bell, “Thailand’s Economic Crisis: A New Cycle of Struggle”, em Ji Giles Ungpakorn, ed., Radicalizing Thailand: New Political Perspectives, Bangkok: Institute of Asian Studies, Chulalongkorn University, 2003, pp. 55-57.
30 Thak Chaleomtiarana, Thailand: The Politics of Despotic Paternalism, Bangkok: Social Science Association of Thailand, 1979, pp. 140-141. Sarit dava particular importância a uma suposta ameaça comunista chinesa, e o estudo realizado por seu chefe de assessores, Luang Vichit, sobre as raças tailandesas descrevia o comunismo como “não tailandês”, estabelecendo um nexo ideológico-racial entre comunismo e etnia e excluindo a possibilidade de que os tailandeses fossem comunistas.
31 Pasuk Phongpaichit e Chris Baker, Thailand: Economy and Politics, segunda edição, Bangkok: Oxford University Press, p. 131.
32 A lealdade de Sarit ao império estadunidense foi satirizada na obra de Khamsing Srinawk “O camponês e o homem branco”, na qual um homem branco conduz o cachorro – o velho Somrit (bronze) – de um sitiante, com a promessa de treiná-lo para que seja um cão de guarda obediente. Isto parodia a volta de Sarit do hospital Walter Reed nos EUA. Na historia, quando o cão volta fica distanciado do sitiante, negando-se a comer comida simples. O sitiante tem que lhe dar de melhor qualidade e se vestir melhor para agradar ao cachorro, mas Somrit – esquecido de quem o criou – morde seu amo. Khamsing Srinawk, “The Peasant and the White Man”, em The Politician and Other Stories, terceira edição, Bangkok: Silkworm Books, 2001, pp. 70-80.
33 A análise feita por Tienchai do imperialismo estadunidense em Asian Crisis baseia-se no trabalho de James Petras, cujo ensaio “The Asian Crisis and US Hegemony” foi traduzido por Tienchai e publicado em um volume da Série Globalização (Pittaya Wangkul, ed., Wikrit Asia [Asian Crisis], segunda edição, Bangkok: Amarin Publishing/Witthithat Project, 1999, pp. 23-30.) Referindo-se ao ressurgimento do domínio neocolonial, Petras afirma que “a entrada do FMI significa o retorno da hegemonia estadunidense e o declínio do capitalismo asiático como um pólo independente e competitivo”. Novamente, a dinâmica central é a “divisão e o conflito entre capitalismos e estados nacionais” e “o poder permanente dos países imperiais sobre os ‘países de industrialização recente’”.
34 Si-Ariya, “American Imperialism and the War to Usurp Hegemony”, pp. 59-60.
35 Ibid., p. 61.
36 Ji Giles Ungpakorn, “A Marxist History of Political Change in Thai- land”, em Ji Giles Ungpakorn, ed., Radicalizing Thailand: New Political Perspectives, Bangkok: Institute of Asian Studies, Chulalongkorn University, 2003, pp. 28-29; Bell, “Thailand’s Economic Crisis: A New Cycle of Struggle”, pp. 41-74.
37 Ungpakorn, “A Marxist History of Political Change in Thailand”, p. 29.
38 “Repayment of the Final Instalment of Thailand’s Debt under the IMF Programme”, discurso de Thaksin Shinawatra, primeiro-ministro da Tailândia, Casa do Governo, Bangkok, 31 de Julho de 2003.
39 O regime de Thaksin avançou na escalada da “guerra contra o terror” liderada pelos EUA, assassinando 108 muçulmanos na cidade sulista de Pattani em 28 de Abril de 2004. O massacre incluiu a execução de 32 pessoas que haviam procurado refúgio dentro da mesquita de 400 anos de antiguidade.
40 Citado em The Nation (Bangkok), 28 de Fevereiro de 2004. Esta citação foi usada em um artigo sobre a resposta irada de Thaksin a um informe do Departamento de Estado de EUA sobre a violação dos direitos humanos na Tailândia. Em sua resposta, Thaksin declarou que tais críticas convertiam os EUA em “um amigo inútil”.
41 Pouco depois de receber o premio por sua “notável contribuição à humanidade” e “ao fortalecimento de outros para a igualdade do gênero humano”, Thaksin autorizou uma “guerra contra as drogas” que legitimou a maior violência policial e levou a mais de 2.500 mortes em poucos meses.
42 Thaksin foi o quarto, depois do Secretário de Estado James Baker III em 1993, o ex presidente polonês Lech Walesa em 1996 e o ex presidente George Bush em 1998. Citado em Michael Graczyk, “Thai Prime Minister Gets Texas University’s Highest Award”, The Associated Press, 23 de Outubro de 2002.
43 Leo Panitch e Sam Gindin, “Global Capitalism and American Empire”, Socialist Register 2004, Londres, Merlin Press, pp. 32-33.
44 “Repayment of the Final Instalment of Thailand’s Debt under the IMF Programme”, discurso de Thaksin Shinawatra, primeiro-ministro da Tailândia, Casa do Governo, Bangkok, 31 de Julho de 2003.
45 Ungpakorn, “A Marxist History of Political Change in Thailand”, pp. 32-33.
46 Weerayut Chokchaimadon, “Thailand Faces Prosperity and Contradictions”, The Nation, Bangkok, 25 de Setembro de 2003.
47 Ibid.
48 Pasuk Phongpaichit, “A Country is a Company, a PM is a CEO”, Seminar on Statesman or Manager? Image and Reality of Leadership in Southeast Asia, Centre for Political Economy, Chulalongkorn University, Bangkok, 2 de Abril de 2004.
49 Ibid.
50 Chanida Chanyapate e Isabelle Delforge, “The Politics of Bird Flu in Thailand”, Focus on Trade, 98, Abril de 2004. A intervenção de Tienchai Wongchaisuwan do Projeto Visão no debate sobre a crise da gripe aviária na Tailândia mostra as mesmas limitações que sua análise neo-marxista da crise asiática. Escrevendo com o nome literário de Yuk Si-Ariya em uma coluna regular em Matichon Weekly (números 1229-1231, Março de 2004), analisa o problema do vírus H5N1 que causa a gripe aviária e da biotecnologia em termos de “caos” em vez de fazê-lo no contexto do capitalismo e, ainda que faça alusão ao ocultamento governamental que tendia a “beneficiar as empresas exportadoras” e “o engodo do sistema de granjas fechadas”, ignora as estratégias do capital (incluindo a do CP) e sua relação com o estado tailandês.
51 Isto inclui 106 empresas produtoras de alimentos na China que empregam 60 mil trabalhadores.
52 A licença de investimento do CP em China é a número 0001, o que indica a entrada precoce na China sob o nome de Chia Tai. Em Abril de 2003, 21 trabalhadores de uma planta de processamento de frangos de Chia Tai, localizada na província de Shandong, morreram em um incêndio, pondo em evidência o regime trabalhista brutal imposto pelo CP em suas fábricas na China. Os trabalhadores receberam a ordem de permanecer em seus postos durante o incêndio e vários deles morreram ali, com mais temor do castigo por parte dos gerentes que do próprio incêndio. Ver “Twenty-One Lives Lost in 5 April Blaze at the Qingdao Zhengda Food Factory”, China Labour Bulletin, 12 de Abril de 2003.
53 Dan E. Moldea e David Corn, “Influence Peddlling, Bush Style”, The Nation (EUA), 23 de Outubro de 2000. Como é mostrado em uma série de informes publicados na imprensa tailandesa (e avisos publicitários de uma página inteira da empresa de telecomunicações subsidiária do CP), CP foi anfitriã da visita do presidente Bush à Tailândia, depois de sua passagem pela China, em Janeiro de 1994. Esta visita criou o contexto para que se afirmasse uma postura mais branda com relação à China e fosse promovida sua inclusão na OMC.
54 “10Years After the Kader Factory Fire: Thailand’s CP Group and Corporate Responsibility”, Asian Food Worker, Maio/Junho de 2003, pp. 1 e 6; “CP and Rights”, The Nation (Bangkok), 15 de Maio de 2003.
55 “Thailand Benefits from Bush’s Policies if He Wins in Election”, The People's Daily (Beijing), 10 de Novembro de 2000. Estes interesses estão atualmente articulados através do “embaixador gerente” estabelecido em Washington que responde diretamente a Thaksin, o gerente do país.
56 Korsak Chairasmisak, The Asian CEO in Action, Bangkok: Post Books/ DMG Books, 2003, p. 140. Outro exemplo da 7-Eleven assumindo as funções do estado é o uso de suas lojas em distintos pontos do país por parte do Ministério do Comércio para distribuir açúcar a preços controlados durante um período de escassez crítica.
57 Ungpakorn, “A Marxist History of Political Change in Thailand”, p. 17.
58 Korsak, The Asian CEO in Action, p. 131.
59 Ibid., pp. 43-44.
60 Cabe assinalar que na categorização de Kasian Tejapira de “globalizadores” versus “comunitaristas” na Tailandia, Nidhi estava incluído entre os “comunitaristas” que desafiavan os “globalizadores” tais como Chai-anan Samudavanija. Kasian Tejapira, “Globalisers vs. Communitarians: Post-May 1992 Debates Among Thai Public Intellectuals”, trabalho apresentado no Annual Meeting of the Association of Asian Studies, Hono lulu, 11-14 de Abril, 1996; Kasian Tejapira, Wiwatha lokkanuwat [Debates sobre a globalização] , Bangkok: Phujatkan Press, 1995.
61 Nidhi Aeosrivongse, “Thai Nationalism Under the Trend of Globalization” [em Thai], Matichon Weekly, Issue 1229, 5-11 de Março, 2004, p. 33.
62 Nicos Poulantzas, State, Power; Socialism, Londres-Nova Iorque: Verso, 2000, p.117.
63 Panitch e Gindin, “Global Capitalism and American Empire”, p. 17.
64 Bob Jessop, Nicos Poulantzas: Marxist Theory and Political Strategy, Londres: Macmillan, 1985, p. 172.
65 Ver também Achin Vanaik, “The New Indian Right”, New Left Review, 9, 2001.
66 Anut Aphaphirom et al., Teknoloyi patiwat lok su sangkhom khwamrn lae yangyun [A tecnologia transforma o mundo: para a sociedade do conhecimento e a sociedade sustentável], Bangkok: Witthithat Project, 2000, pp. 180-182. Citado em Reynolds, “Thai Identity in the Age of Globalization”, p. 325. CP pode-se apropriar facilmente desta alternativa local, em seu caráter de empresa “nacional” que está estabelecendo rapidamente seu domínio na produção e comércio de arroz na Tailândia, uma vez que expande sua aliança estratégica com a Monsanto, a maior corporação mundial de engenharia genética. E mais, esta é uma estratégia de longo prazo da Monsanto, Syngenta, Bayer CropScience e outras corporações agro-químicas e de engenharia genética que se propõem introduzir variedades de arroz geneticamente modificadas (GM) na Ásia através de institutos de pesquisa nacionais, com a finalidade de minar a oposição aos cultivos GM. Em uma etapa posterior, tratar-se-ia de forçar os pequenos produtores a cumprir com os compromissos derivados de sua dependência com relação às sementes e pesticidas patenteados. Ver Varoonvarn Svangsopakul, “Monsanto Offers False Promises”, The Nation (Bangkok), 29 de Novembro de 2003.
67 Korsak, The Asian CEO in Action, p. 146.
68 A palavra globalização foi traduzida pela primeira vez para o tailandês por Chai-Anan Samudavanija, que usa a palavra lokanuwat, que depois se transformou em sinônimo de “oportunismo desenfreado, freqüente falta de ética”. Com a intervenção do Instituto Real da Tailândia, a palavra lokaphiwat foi considerada uma tradução mais apropriada. Pasuk Phongpaichit e Chris Baker, Thailand’s Boom and Bust, Chiang Mai: Silkworm Books, 1998, p. 55; Reynolds, “Thai Identity in the Age of Globalization”, pp. 317-318.
69 Chai-anan Samudavanija, Thailand: State-Building, Democracy and Globalization, Bangkok: Institute of Public Policy Studies (IPPS), 2002, p. 198.
70 Ênfase no original. Ibid., pp. 191-192; 194.
71 Ibid., p. 199.
72 Watcharapong Thongrung, “Govt Position on EGAT Uncertain after Chaianan Comments”, The Nation (Tailândia), 27 de Abril de 2004.
73 “Repayment of the Final Installment of Thailand’s Debt under the IMF Programme”, discurso de Thaksin Shinawatra, primeiro-ministro da Tailândia, Casa do Governo, Bangkok, 31 de Julho de 2003.
74 Uma virada nacionalista era evidente quando os líderes sindicais declararam a onda de trabalho regulado e greves lançadas em 28 de Abril como “um abandono patriótico do trabalho”.
75 Ainda se debate se Sukamo realmente se reuniu com um camponês chamado Marhaen. Há aqueles que dizem que Marhaen é simplesmente a palavra “camponês” em sudanês, o idioma que se usava na região no momento em que supostamente ocorreu esta reunião.
76 Sukamo, Autobiography as Told to Cindy Adams, Indianapolis, 1963, pp. 61-62, citada por J. D. Legge, Sukarno: A Political Biography, terceira edição, Singapura: Archipelago Press, 2003, p. 85.
77 Tempo, N° 15/IV; 16-22 de Dezembro de 2003.
78 Rikiran Rakyat (Bandung), 16 de Fevereiro de 2004.
79 “In the name of Bung Karno”, Tempo, N° 15/IV; 16-22 de Dezembro de 2003.
80 Mohammad Samsul Arifin, “Tiga Sukamoputri, Marhaenisme, dan Pemilu 2004 (Three Sukamo Daughters, Marhaenism and the 2004 Election)”, Sinar Harapan, 9 de Janeiro de 2004.
81 Ibid.
82 Susilo Eko Prayitno, “Marhaenisme dan Membangun Dunia Baru (Marhaenism and Developing a NewWorld)”, Abril de 2003.
83 Cabe assinalar que esta Tritura se origina nas “três demandas do povo” dos protestos anticomunistas coordenados pelos militares nos anos 60, que exigiam a proscrição do PKI, a purgação dos membros do PKI do gabinete e preços mais baixos.
84 “Build the Power of the Poor to Resist the Colonialists’ Invasion”, Pembebasan (Liberation), N° 7, Abril de 2003.
85 Ênfase agregada. Ibid.
86 “Reject the War against Iraq, Evict the Colonists and their Allies, Isolate the Puppet Regime of Mega-Hamzah”, discurso do Comitê Central do Partido Democrático Popular (KPP-PRD), 24 de Fevereiro de 2003.
87 George McTuman Kahin, Nationalism and Revolution in Indonesia, Ithaca – Nova Iorque: Southeast Asia Program Publications, Cornell University, 2003, pp. 72-73. Publicado originalmente por Cornell University Press em 1952.
88 Ibid., pp.116-117.
89 Ver I. Wibowo, “Globalisasi dan Kapitalisme Global (Globalização e Capitalismo Global)”, Kompas, 27 Abril de 2002, onde o termo McDonaldization é utilizado para conotar “um ataque cultural maciço contra as culturas locais”. É lamentável, ainda que bastante típico, que o trabalho não deixe mais claras as dimensões econômicas do fenômeno.
Meu amigo Virgilio. O texto é para estudo da pós-graduação, por isto é tão longo. Abração
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