segunda-feira, 28 de junho de 2010

8- Comentário do Filme "A Ilha" - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães

O horizonte impossível como mecanismo de pacificação social.
Reflexões a partir do filme “A Ilha”

Jose Luiz Quadros de Magalhães


A ilha está esperando por você. O que nós esperamos acontecer de diferente, de surpreendente para que suportemos um dia a dia controlado. A promessa de ganhar na loteria, de mudar radicalmente de vida, de realizar o sonho impossível é fundamental para que continuemos vivendo? Uma sociedade fundada no consumo e na competição, sem mobilidade social, só é possível porque existe a promessa de mobilidade social. Uma sociedade fundada no consumo e na competição, no hedonismo e no materialismo, só é possível por meio do exemplo dos que realizam a promessa da ascensão social e econômica. Estes irão dizer na televisão para todos ouvirem: olha como somos felizes! Olhem nossas casas, nossos carros, nossos sorrisos. Vocês também podem ter isto. Vocês podem conquistar a ilha. E todos os jornais e revistas mostrarão seu sucesso. Os programas de televisão irão entrevista-los e dirão: olha como somos livres. Você também pode conquistar esta felicidade.
A espera da mudança pode tornar suportável a exclusão. A espera pode ser pela loteria, pelo paraíso, pelo reconhecimento, pelo arrebatamento, ou por qualquer outra coisa que signifique mudança. Mudar porque? Para que? Não é tanto a mudança o fundamental é sim a crença na possibilidade de mudança, mesmo que esta não exista. O importante não é ser livre mas acreditar que se é livre.
O socialismo real foi capaz de socializar os bens materiais, o atendimento médico, o emprego, a moradia, o acesso à educação, mas não soube socializar o sonho, a possibilidade de mudança ou a crença na possibilidade da mudança. O capitalismo por sua vez concentrou e concentra cada vez mais a riqueza mas promete a mudança, cria desejos artificiais, inventa demandas, desperta o desejo pelo consumo e oferece o bem a ser consumido realizando desejos. O capitalismo foi capaz de socializar o desejo, a crença na liberdade como possibilidade de mudança de status social e econômico, a crença na liberdade como satisfação de desejos. O capitalismo aposta no desejo, não como liberdade mas como escravidão dos sentidos. O socialismo apostou na razão, na ética e esqueceu o desejo.
O socialismo real do século XX pode ter falhado ao não saber lidar com os desejos. O capitalismo foi capaz de tornar a escravidão do desejo permanente em uma crença generalizada na liberdade. O desejo passou a chamar-se liberdade.
O filosofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek menciona que na Tchecoslováquia, na década de 1970, as pessoas tinham tudo para ser felizes. Todos moravam, comiam, estudavam, tinham saúde. Tinham um responsável externo por todo mau funcionamento do sistema. O partido comunista era responsável por tudo que saía errado. Ainda tinham a promessa de um paraíso do outro lado: a Europa ocidental e os EUA com sua promessa de consumo, paraíso que podiam visitar de vez em quando. A felicidade pode estar no princípio do prazer mas o que nos põem em marcha é ir além do principio do prazer. O mesmo que nos põem em marcha nos traz infelicidade. A insatisfação de sempre querer ir além de onde se está.
Uma multidão se pôs em marcha, em direção ao outro lado. Em direção ao capitalismo. Em direção à ilha . A promessa de algo diferente. De novas realizações. Ao chegar ao outro lado encontraram uma multidão esperando algo diferente. Uma multidão continuava esperando a ilha e esta nova multidão continuou esperando, mas agora, diferente do que tinham no mundo do socialismo real, alguns testemunhavam, alguns na multidão usufruíam a ilha. Se a ilha era proibida no mundo do socialismo real, a ilha é a grande promessa do capitalismo real. O capitalismo real vive por causa da ilha. É a promessa da ilha que faz o sistema funcionar, e é a crença da multidão de que um dia chegarão à ilha que permite fazer esta multidão suportar a pressão.
O filme “A Ilha” não fala de socialismo real. O filme se passa em um futuro onde as pessoas se tornaram proprietárias de seus genes. Onde a vida é uma mercadoria para manter outra vida. A vida de alguns sustenta a vida de outros (até aí nada de novo não é mesmo?). Uns vivem enquanto outros têm a promessa de vida na loteria. Ganhar na loteria significa possibilidade de liberdade. De vida fora do controle. O filme fala de nosso mundo em um mundo que não existe.
A promessa de ter acesso a uma ilha paradisíaca onde é possível viver longe do controle diário e da monotonia repetitiva do dia a dia é o fator que permite as pessoas suportarem. Interessante lembrar a musica: “a gente não quer só comida...” É obvio que a gente não quer só comida, mas na impossibilidade de oferecer inclusão prometem muito mais do que comida mesmo que tenhamos que esperar, esperar e esperar, muitas vezes sem comida.
O filme fala de pessoas que existem para que outros possam viver mais. A ilha é para estas pessoas que existem para os outros e para as quais só existe uma promessa: ser sorteado para a ilha. Como no nosso mundo, uma multidão existe para que outros vivam mais, consumam mais, sonhem mais e até se escravizem mais na promessa do consumo. Como no nosso mundo alguns se tornam desnecessários. Nem a exploração do seu trabalho, do seu corpo é mais necessária. Estes são os excluídos. Uma nova categoria social do século XXI é a dos excluídos. Estes cuja presença se tornou um estorvo. Desnecessários até para serem explorados, escravizados, usados para qualquer outra finalidade.
Uma ficção bem realizada que nos permite pensar no valor da vida. A vida de uns e a vida de outros. Uma vida que vale outra vida e uma vida que não vale sua própria. Vidas são deixadas à sua própria falta de sorte enquanto todo um aparato é criado para manter outra vida que possui recursos para pagar. A vida tem a dimensão do dinheiro que pode comprar respeito, segurança e bem estar. É uma ficção que revela por meio do estranhamento a condição humana na sociedade capitalista.
O que é um clone senão uma vida. O clone vale menos do que o clonado. O mundo contemporâneo é formado por algumas pessoas e uma multidão de clonados cujas vidas não têm o mesmo valor.
Ao final do filme uma aposta no ser humano: a mulher diz ao homem que a ilha somos nós. A possibilidade de felicidade está na humanidade e a possibilidade de libertação está na curiosidade, na dúvida.


Jose Luiz Quadros de Magalhães

Um comentário:

  1. Muito bom o texto!
    Amanha na FDSM terá uma palestra sobre o filme!
    Adoro suas aulas que são dinâmicas e não maçantes.
    Ontem estava conversando com um amigo a respeito do capitalismo e do que a sociedade nos promete, usando nossos proprios amigos e a nos mesmos por exemplo.
    Diziamos que se eramos felizes demais fazendo tudo o que da vontade usando nossa liberdade pagavamos um preço(em dinheiro mesmo)rsrsrs.
    Se nós decidissimos parar a faculdade e fazer o que desse na telha como esses nossos amigos que futuro teriamos se o conhecimento e um investimento em si mesmo?
    Aí pensamos bom as pessoas mais interessantes são no mínimo meio loucas então vamos dosar a loucura com a inteligencia usamos Einstein como alento por ele ter sido reprovado..rsrsrs enquanto isso vamos tentando ser felizes como loucos mas inteligentes!

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