Controle não é solução.
Liberdade X segurança
José Luiz Quadros de Magalhães
Nos últimos anos de experiência neoliberal no mundo, temos assistido ao aumento da criminalidade que acompanha os índices de aumento da concentração de riquezas.
Para a compreensão do problema devemos ter uma correta percepção da história, para entendermos que o que agora vivemos tem bases históricas que ajudam a revelar os interesses que mantém este sistema.
Vamos assim perceber que o que se convencionou chamar de neoliberalismo é um movimento do capital conservador (o grande capital) que procura, com a desregulamentação e logo o afastamento do Estado da economia, recriar uma condição que permitiu aos economicamente mais fortes concentrarem ainda mais riquezas no século dezenove e que agora ao se repetir, leva este processo de concentração ao seu limite máximo em nível global.
É importante lembrar, que alguns liberais, reconhecendo a impossibilidade de manter a livre iniciativa e livre concorrência sem uma regulamentação estatal, chamam o Estado a intervir no combate ao capital conservador criando mecanismos contra a concentração, fato que encontra como marco inicial a lei Sherman em 1890.
Este tema é tratado com maiores detalhes em textos de minha autoria que se encontram na net. Lembremos que a base do problema atual de exclusão, e como conseqüência o aumento de criminalidade, tem bases econômicas.
No século XIX, ocorre também o surgimento de um urbanismo de controle, com a reforma urbana de Paris. Podemos dizer que a sociedade panótica tem como marco inicial principal a reforma de Paris na época do prefeito Barão Hausmann no 2 Império, época de Napoleão III.
Neste período a Europa vivia um processo de concentração econômica que junto com o processo acelerado de substituição da manufatura pela que maquinofatura, levou ao inchamento dos centros urbanos gerando uma exclusão social também em larga escala. Todas as pessoas que chegavam nos grandes centros europeus, e tomamos Paris como o exemplo, se aglomeravam no centro das cidades, a antiga cidade medieval. O centro de Paris era o espaço dos excluídos, sejam empregados ou desempregados. Com a exclusão social crescendo devido ao processo de concentração econômica, começam a ocorrer as primeiras rebeliões sociais, manifestações públicas de insatisfação e reivindicações coletivas por pão e trabalho. Também com a exclusão aumenta a criminalidade, como mecanismo de busca de sobrevivência ou de riqueza, para aqueles muitos que não encontravam o que necessitavam ou desejavam através do mercado.
Com estes problemas o Estado Liberal, originariamente abstencionista perante as questões sociais e econômicas, tem como resposta a ação da polícia. Ou seja, perante uma questão de origem econômica e social (a crise do capitalismo liberal) são adotadas políticas de criminalização dos pobres, controle e repressão. È óbvio que um problema sócio-econômico não se resolverá com polícia.
Os pobres incomodam porque são a prova visível e diária da ineficácia do sistema liberal. Logo é fundamental convencer as pessoas que a única causa da pobreza é a incompetência do pobre. Da mesma forma a causa da criminalidade é desconectada da realidade sócio-economica. A causa da criminalidade será então a maldade ou a doença mental (até hoje os filmes norte-americanos insistem nesta tese insustentável).
É obvio que o aumento do controle não pode resolver problema algum. O aumento dos mecanismos de controle pode apenas oferecer, durante algum tempo uma sensação de segurança falsa, que logo será comprometida.
Como a causa do problema não é atacada a concentração de riqueza gerando desigualdade se agravava. Assim, à medida que aumentava a concentração econômica foram adotadas medidas mais sofisticadas de controle, uma vez que não interessava as pessoas no poder do Estado mudar uma estrutura econômica extremamente favorável aos seu interesses econômicos.
A segunda medida de controle sobre as pessoas foi a reforma urbana, com a criação de um urbanismo de controle visual de exclusão. A Paris medieval de ruas estreitas, onde era fácil se esconder da polícia e fazer barricadas para enfrentar o poder público, foi destruída, e no seu lugar foram construídos os largos bulevares e as largas avenidas, onde o pobre é facilmente localizado e controlado. Os miseráveis que habitavam o centro foram mandados para a periferia da periferia, onde além de dispersos (o que dificulta sua organização) são mais facilmente controlados. A este urbanismo de controle soma-se uma arquitetura monumental, que exclui de sua redondeza o miserável, oprimido pela ostentação.
Estava inaugurada a sociedade de controle visual. É importante mais uma vez lembrar que isto não resolve o problema de segurança para ninguém, pois o problema que gera insatisfação e violência está em outra esfera que não é policial, urbanística ou arquitetônica, mas sim sócio-econômica, e agora cultural.
Ao lembrarmos esta história, percebemos que algumas políticas públicas contemporâneas ainda insistem nas mesmas mentiras de 140 anos atrás. Uma mentira conveniente para alguns.
A cidade de Belo Horizonte não foge a regra. Não só o seu projeto urbano foi, de longe, inspirado na reforma urbana de Paris do século XIX, como hoje querem trazer o controle cada vez mais sofisticado para as ruas da cidade.
Como a exclusão continua e como os que estão no poder muitas vezes ganham com o sistema desigual (e logo não querem mudar o sistema), aumenta cada vez mais o controle. As pessoas que têm dinheiro moram em edifícios cercados por cercas elétricas, alarmes e câmeras de controle, ou em verdadeiras cidades medievais muradas enquanto as pessoas sem dinheiro são deixadas a sua própria sorte na cidade moderna.
Acho que recorrer a história é importante, desde que esse tipo de analise não seja a analise de eventos factuais. Tomando o exemplo de Belo Horizonte. Boa parte da historiografia sobre a cidade vai dizer que a cidade se inspirou em idéias modernas com concepções higienicas. OK. Realmente isso está presente em Belo Horizonte entretanto se olharmos as fontes (documentos, jornais, revistas e etc) vamos ver que a cidade naquele momento (construção e estabelecimento) está impregnada de contradições de "antimodernismos". Sobre o controle sofisticado feito por equipamentos tecnologicos, são metodos de gestão de pessoas (massa)entretanto acredito que o buraco é mais profundo, as pessoas de alguma forma introjetaram um tipo de controle que parece ser mais sutil entretanto é muito mais eficiente em termos de efeitos de vigilancia continua de um sobre o outro do que a tecnologia.
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