sábado, 18 de junho de 2011

477- Federalismo - Livro -25 - Final - conclusões

CONCLUSÕES
Livro Federalismo
José Luiz Quadros de Magalhães
Tatiana Ribeiro de Souza

A Constituição de 1988 restaurou a federação e a democracia, procurando avançar na direção de um novo federalismo centrífugo, simétrico e de três esferas. Entretanto, embora inovando de um lado, manteve ainda um número grande de competências destinadas à União em detrimento dos Estados e Municípios, fazendo com que tenhamos ainda um dos Estados federais mais centralizados do mundo.
A compreensão do nosso federalismo como federalismo centrífugo é de fundamental importância para sua leitura constitucionalmente correta e para que se exerça uma leitura constitucionalmente adequada das regras infraconstitucionais, assim como um correto controle de constitucionalidade, coibindo contratos, medidas provisórias, atos administrativos e emendas inconstitucionais centralizadoras. A centralização é um caminho proibido para nosso Estado Federal, pois tendente a abolir a nossa forma federal (centrífuga), limite material expresso ao poder de emenda à Constituição e, logo, restrição a qualquer ação contrária à forma federal centrífuga. Não é necessário lembrar que se uma emenda centralizadora (logo, tendente a abolir a forma federal) é  inconstitucional, inconstitucional também será qualquer outra medida nesse sentido.
Dessa forma, o reflexo desta compreensão ocorre, por exemplo, na leitura correta das limitações materiais previstas no art. 60, § 4º, quando dispõe que é vedada emenda tendente a abolir a forma federal. Alguns autores referem-se a este dispositivo como cláusula pétrea. Não acreditamos que essa terminologia seja a mais adequada para nomear as limitações materiais do poder de reforma na atual Constituição, uma vez que não estamos nos referindo às cláusulas imutáveis, mas, sim, a cláusulas não modificáveis em certo sentido. No caso específico da vedação de emendas tendentes a abolir a forma federal, essa limitação só pode ser compreendida a partir do sentido do nosso federalismo, no caso um federalismo centrífugo.
Isso quer dizer que:
            a)         O art. 60 não veda emendas sobre o federalismo, mas emendas tendentes a abolir a forma federal;
            b)         ao vedar emendas tendentes a abolir a forma federal em um federalismo centrífugo, que tem um movimento constitucional em direção à descentralização, só serão permitidas emendas que venham aperfeiçoar o nosso federalismo, ou, em outras palavras, que venham a acentuar descentralização;
            c)         emendas que venham centralizar, em um modelo federal historicamente originário de um Estado unitário e ainda bastante centralizado, são vedadas pela Constituição, pois tenderiam à extinção do Estado federal brasileiro. Centralizar ainda mais o nosso Estado Federal significa transformá-lo de fato em um Estado unitário descentralizado;
            d)        logo, qualquer emenda que centralize mais competência na União é inconstitucional e deve sofrer o controle de constitucionalidade;
            e)         finalmente, o modelo centrífugo (federalismo que tende constitucionalmente à descentralização) é princípio constitucional que se impõe não apenas ao Legislativo e ao constituinte derivado, mas também a toda a atuação dos poderes da União e, obviamente, também ao Executivo.

Podemos concluir que toda e qualquer atuação do Legislativo e do Executivo da União que tenda a centralizar competências, centralizar recursos, centralizar poderes, uniformizar ou padronizar entendimentos direcionados aos Estados-Membros e/ou municípios, é conduta inconstitucional e deve ser combatida, além de não ser de observância obrigatória para os Estados e municípios, pois inconstitucional.
Para nós, no Brasil, que não vivemos um Estado Social efetivo capaz de oferecer saúde, educação e previdência de qualidade, e para todos, o caminho para a inclusão e a efetiva participação do nosso povo como cidadãos é o da fragmentação coordenada do poder, a descentralização radical de competências, fortalecendo os Estados e, principalmente, os municípios, assim como tornando permeável o poder, com a criação de canais de participação popular permanentes, como os conselhos municipais, o orçamento participativo e outros mecanismos de participação, assim como o incentivo permanente à organização da sociedade civil e o fortalecimento dos meios alternativos de comunicação, como as rádios, jornais e televisões comunitárias, que são muito mais democráticos que os canais comerciais e devem ter acesso a sinais abertos. Podemos construir uma democracia social e participativa a partir do poder local.
No Brasil, menos de um ano depois da promulgação da Constituição democrática e social de 1988, assistimos ao início do desmonte da nova ordem econômica e social prevista pela Constituição. Nesse mesmo momento, como suporte teórico do desmonte do Estado social, cresceu a crítica simplificadora proveniente do pensamento neoconservador travestido de neoliberal e ratificado por parte “nova esquerda” (como o novo trabalhismo de Tony Blair). Essa crítica ao Estado social que vem dar suporte ao seu desmonte aponta o caráter assistencialista como gerador de um exército de clientes que se amparam no Estado, não mais produzindo, não mais criando, enfim, o Estado social de caráter autoritário, por retirar espaços de escolha individual, é gerador de não-cidadãos, ao incentivar as pessoas a viverem dependentes do Estado. Essa crítica toma um problema pontualmente localizado no tempo e no espaço como regra para explicar a crise do Estado social. O discurso recorrente dos críticos do Estado social é que este não deve sustentar os que não querem trabalhar, pois essa postura incentiva a expansão dos não-cidadãos e sobrecarrega os que trabalham e o setor produtivo com alta carga tributária. O pobre deve trabalhar para ter acesso àquilo que necessita, mas como não há trabalho para todos, (nem mesmo o trabalho indesejável e mal pago destinado a estes excluídos), aumenta a população carcerária. O Estado social assistencialista é substituído pelo Estado penal da era neoliberal. O criticado cliente do assistencialismo da segurança social foi transformado em cliente do sistema penal da segurança policial.
Nesse novo paradigma, a pobreza não decorre das barreiras sociais e econômicas, mas, sim, do comportamento do pobre. O Estado não deve atrair as pessoas a uma conduta desejável por meio de reconhecimento, mas deve punir os que não agem como o desejado. O não-trabalho passa a ser um ato político que exige o recurso à autoridade. O Estado social passa a ser visto como permissivo, pois não exige uma obrigação de comportamento a seus beneficiários. A direita conservadora mais reacionária e a autoproclamada vanguarda da “nova esquerda” dão eco a vozes como a de Charles Murray, que afirma que as uniões ilegítimas e as famílias monoparentais seriam a causa da pobreza e do crime e, por sua vez, o Estado social com sua política permissiva incentivava tais práticas. Além disso, a classe média produtiva se revoltava cada vez mais com a obrigação de pagar tributos para sustentar essas práticas. Os críticos do Estado social defendem cortes radicais nos orçamentos sociais e a retomada por parte da polícia dos bairros antes operários, hoje ocupados pelos clientes preferenciais do sistema social que tem de deixar de existir.
O resultado dessas políticas (tanto da direita conservadora como de uma pseudo “nova esquerda”) é conhecido nosso no século XXI: mais exclusão, mais concentração econômica, mais violência, mais controle sobre a sociedade, mais desemprego, menos Estado de bem-estar e mais Estado policial. O mais grave é o fato de que, ainda hoje, vozes que se dizem democráticas, continuam sustentando o mesmo discurso contra o Estado social, defendendo uma sonhada e desejável democracia dialógica construída pela sociedade civil livre, sem perceber que os novos excluídos estão fora do diálogo democrático, passando a fazer parte da crescente massa de clientes do sistema penal em expansão.
Para exemplificar a mentira ideológica que vivemos, ouvimos durante a campanha presidencial francesa em Abril e Maio de 2007, críticas ao Estado Social francês, afirmando que este deve França, assim como nós, devemos adotar o modelo norte-americano de desregulamentação e desconstrução da segurança social com menos direitos sociais, pois este modelo é mais rico e dinâmico. Entretanto, ninguém parece enxergar que a expectativa média de vida na França é maior que nos EUA; que a mortalidade infantil na França e menor que nos Estados Unidos; que a criminalidade na França é menor que nos Estados Unidos; e que, embora o percentual de desempregados na França seja maior que nos EUA, se a França começar a prender todos os negros, pardos e imigrantes, como fazem os EUA, o índice de desemprego também irá cair.
Importante notar que hoje no mundo há uma forte sociedade civil que hoje se organiza em nível local e global e se comunica, organiza e age local e globalmente, em muitas manifestações, resiste ao desmonte do Estado de direito, das conquistas dos direitos sociais e busca uma nova ordem econômica onde não haja exclusão econômica.
No Brasil, o caminho para a construção de uma democracia participativa e dialógica, de resistência ao desmonte do Estado social e democrático de direito passa pela questão local.

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OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:   Alguns autores têm afirmado que a Constituição não é federal, mas da República, equívoco decorrente de uma incompreensão da teoria federal que tratamos em nosso livro Direito Constitucional, t. II. O Estado Federal (pessoa jurídica de direito público internacional) não se confunde com a União (pessoa jurídica de direito público interno, assim como os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios). A Constituição não é da União, mas da Federação, logo não é incorreto chamá-la de Constituição Federal ou Constituição da República. Na verdade, o que está incorreto é utilizar lei federal para todas as leis da União. As leis nacionais são as verdadeiras leis federais (decorrentes da competência privativa ou exclusiva da União com validade para todos os entes federados), enquanto as leis decorrentes da competência concorrente ou exclusivas ou privativas com aplicação apenas para a esfera da União deveriam ser chamadas leis da União. Desse fato decorre a confusão que originou e discussão equivocada de Constituição Federal ou Constituição da República. Na verdade, a Constituição de uma República Federal (ou República Federativa do Brasil) pode ser chamada sem medo de uma ou de outra forma. Só não pode ser chamada de Constituição da União, aí, sim, errado, diante do sentido que nossa Constituição dá a essa expressão.

Um comentário:

  1. GRAÇAS AO BOM DEUS FICAMOS LIVRES!!!
    ALLAH U AKBAH, MUHAMMED RASSUL ALLAH!!!

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