4- TERRITORIALIDADES ESPECIAIS DO FEDERALISMO BRASILEIRO
José Luiz Quadros de Magalhães
Tatiana Ribeiro de Souza
4.1. Os Territórios Federais
Os Territórios Federais são unidades subnacionais previstas na Constituição Federal como integrantes da União. Por esta razão não se pode afirmar que sejam entes federados, por lhes faltar a prerrogativa de se auto-organizarem, ou seja, não possuem poder constituinte decorrente.
Até a promulgação da Constituição Federal de 1988 existiam três territórios Federais no Brasil: Fernando de Noronha, Amapá e Roraima. Por força dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT (art. 14), os Territórios do Amapá e Roraima foram transformados em Estados-membros, sendo elevados ao status de ente federado, mantidos os mesmos limites geográficos. Para os recém criados estados-membros, determinou-se que a sua instalação dar-se-ia com a posse dos governadores eleitos em 1990, e seguiria as normas e critérios utilizados na criação do Estado de Rondônia (Território Federal transformado em Estado-membro em 1982), respeitado o disposto na nova Constituição. Interinamente foram nomeados, pelo Presidente da República (por força da regra transitória prevista no art. 14, §3º dos ADCTs), após a apreciação do Senado, os nomes dos governadores dos Estados de Roraima e do Amapá, até a posse dos governadores eleitos em 1990. O Território Federal de Fernando de Noronha, diferentemente dos outros dois, que se tornaram novos Estados-membros, teve sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco.
Portanto, com a Constituição Federal de 1988 foram extintos todos os Territórios Federais existentes no Brasil. Contudo, a Constituição manteve a possibilidade de serem criados novos Territórios Federais (art. 18, §2º), determinando que qualquer mudança territorial que envolva a figura do “Território Federal” deverá ser regulada em Lei Complementar Federal. As mudanças territoriais, às quais nos referimos são: a criação de novo Território Federal (a partir de parte ou todo o território de um Estado-membro); a transformação de Território Federal em Estado ou a reintegração de Território Federal ao Estado de origem.
Os Territórios Federais poderão ser divididos em Municípios, caso em que se aplicam as regras referentes aos preceitos Constitucionais de organização dos municípios (art. 29 C/88); às competências municipais e à fiscalização do Município. Como os territórios Federais integram a União, as contas do Governo do território serão submetidas ao Congresso Nacional, com parecer prévio do Tribunal de Contas da União.
4.2. As Regiões Metropolitanas
O conceito mais comum de região metropolitana é o de área densamente urbanizada, constituída por municípios limítrofes que fazem parte de uma mesma comunidade sócioeconômica, ainda que não possuam vinculação administrativa, e cuja interdependência gera a necessidade de coordenação e realização de serviços de interesse comum.
Sob a perspectiva jurídica, não basta, porém, apresentar todas essas características para que uma área seja considerada região metropolitana. Para que os efeitos jurídicos recaiam sobre uma dada região metropolitana, ela precisa ser assim reconhecida por força de lei. Nesse sentido, é possível que regiões metropolitanas do ponto de vista urbano (ou outro), não sejam consideradas regiões metropolitanas para o Direito. Da mesma forma, é possível que áreas não consideradas como metropolitanas do ponto de vista urbano sejam institucionalizadas legalmente como regiões metropolitanas, passando juridicamente a sê-lo.
Mesmo sob as outras perspectivas, não jurídicas, é possível definir diferentes critérios para caracterizar uma região metropolitana, como por exemplo, quanto ao número necessário de habitantes, fazendo com que determinadas áreas sejam consideradas como região metropolitana por alguns e não por outros.
As expressões “densamente urbanizado”, “comunidade socioeconômica” e “interdependência”, presentes no conceito de região metropolitana que oferecemos, caracterizam-se como verdadeiros conceitos abertos, pois levam aos seguintes dilemas: quem vai definir a partir de que “tanto”, uma área será considerada densamente urbanizada? Quem vai definir os critérios para caracterizar uma comunidade socioeconômica ou a interdependência? No caso das regiões metropolitanas brasileiras, seria algum órgão oficial do governo federal ou cada estado-membro autonomamente?
Diante dessas questões não se pode oferecer um conceito consensual sobre regiões metropolitanas. Mas, do ponto de vista jurídico, são consideradas regiões metropolitanas aquelas cuja institucionalização se deu por força de lei, atendidos os requisitos formais impostos pelo ordenamento a que estão sujeitas no seu território. Portanto, têm prevalecido os critérios fixados por cada estado-membro relativo às regiões metropolitanas do seu território.
A Constituição Federal de 1988 representa um divisor de águas para as regiões metropolitanas brasileiras. Do ponto de vista institucional, a Constituição de 1988 é a responsável pela redistribuição de poder nas regiões metropolitanas, considerando como atores envolvidos: a União, os estados-membros e os municípios. Antes da Constituição Federal de 1988 tanto os municípios como os estados-membros eram, ao mesmo tempo, detentores de poder (formalmente) e destinatários das decisões e normas emanadas dos órgãos de gestão metropolitana. Mas, na realidade, o poder de decisão e de elaborar normas na região metropolitana era predominantemente dos estados-membros, uma vez que os municípios apareciam muito mais como os destinatários dessas decisões e normas.
A conformação institucional dada pela Constituição de 1967 (a primeira Constituição e permitir a criação de regiões metropolitanas) estabelecia um sistema de cooperação extremamente verticalizado, atribuindo à União a capacidade de criar região metropolitana e deixando ao estado-membro uma parcela significativa na estrutura de gestão metropolitana.
Embora sob a vigência da Constituição de 1967 não houvesse a definição da titularidade da gestão metropolitana, a regulamentação dada pela União fazia com que o exercício da gestão (próprio de quem tem a titularidade) fosse desempenhado pelo estado-membro, pois a participação dos municípios era predominantemente de caráter consultivo.
A Constituição de 1988 abriu novas possibilidades de arranjos federativos metropolitanos. Com a autonomia que os municípios passaram a ter e a intenção de descentralizar a política administrativa, a ordem jurídica de 1988 transferiu a atribuição de institucionalizar as regiões metropolitanas para os estados-membros e, novamente, deixou em aberto a definição da titularidade da gestão. Não houve, no texto constitucional de 1988, qualquer referência à natureza jurídica das regiões metropolitanas, nem à sua vinculação (subordinação) a nenhum ente da federação.
Sob tais condições, a titularidade da gestão metropolitana ficou a cargo dos arranjos constituídos em cada estado-membro, por meio de sistemas de cooperação tendentes à descentralização, dada a amplitude do poder local.
A imprecisão constitucional quanto à situação das regiões metropolitanas no Brasil tem sido encarada como se o Constituinte tivesse tratado a questão metropolitana como um problema a ser “deixado pra depois”, em parte pela dificuldade de se chegar a um consenso em relação ao tema e em parte pela falta de consciência do problema. Por outro lado, a transferência da atribuição de instituir regiões metropolitanas aos estados-membros, sem maiores limitações à matéria, parece ter deixado à instância estadual a prerrogativa de coordenar irrestritamente os assuntos metropolitanos no seu território.
Como podemos perceber, o constituinte optou por transferir o problema metropolitano para os estados-membros, pois estes podem, por força do artigo 25 da Constituição Federal, adotar leis próprias de organização e regulamentação, observando apenas os princípios constitucionais. Neste caso, compete a cada estado-membro criar as leis de organização das regiões metropolitanas que venham a existir em seu território, enfrentando, com isto, apenas o conceito de “autonomia constitucional dos municípios”, que vem sendo usado como obstáculo ao desempenho, por parte dos estados-membros, da regulamentação das regiões metropolitanas.
Particularmente nos municípios integrantes de região metropolitana, a autonomia municipal tem se tornado um fetiche, por parte das administrações locais, que se opõe à formatação que entendemos necessária para uma gestão metropolitana, que é a formação de redes federativas de cooperação (de base predominantemente horizontal) de adesão voluntária. A principal razão para a resistência dos municípios em cooperar é que a gestão compartilhada de certo modo esvazia o poder dos governos locais, o que gera um desinteresse político por parte dos municípios envolvidos em estabelecer uma gestão que diminua a sua autonomia, a despeito dos imperativos políticos e técnicos que exigem cooperar.
Podemos perceber que o texto constitucional federal, que autoriza a criação de regiões metropolitanas, limita-se a estabelecer dois requisitos, indispensáveis a elas: 1) a composição por agrupamento de municípios limítrofes; e 2) a instituição regional objetivando o melhor desempenho das funções públicas de interesse comum aos municípios envolvidos.
Não há, pois, maiores dificuldades em cumprirmos o mandamento constitucional quanto à exigência de agrupamento de municípios limítrofes, mas a simplicidade da norma constitucional deixou bastante impreciso o que pode ser compreendido como “funções públicas de interesse comum”, agravando ainda mais as dificuldades em se compor os interesses de todos os atores envolvidos na institucionalização das regiões metropolitanas.
Mesmo com todas as dificuldades decorrentes da imprecisão constitucional federal, alguns governos estaduais criaram, após 1988, regiões metropolitanas em seus territórios, sem, contudo, oferecerem o respaldo normativo necessário a uma gestão eficaz nessas regiões metropolitanas. Após a Constituição de 1988 houve uma verdadeira multiplicação de regiões metropolitanas no país, aumentando até o ano de 2003 de nove (já existentes à época da Constituição de 1988) para 25, segundo dados da CDU - Subcomissão de Ordenamento Territorial e Regiões Metropolitanas da Câmara Federal.
Olá prof. Jose Luiz, estava em sua palestra ontem na UFU, sobre movimentos sociais,a qual muito didatica e interessante; e fiquei receioso em perguntar-lhe sobre um topico: Quais seriam os intrumentos politicos materiais para se alcançar um maior reconhecimento entre minorias e maiorias? Tenho estudado Charles Taylor e Axel Honnet, e me frusto ao encontrar alternativas pouco efetivas, tenho certeza que o direito evoluirá e rapidamente reconhecerá essas minorias, mas nao é também muito provavel que o reconhecimento social, de valores, nao venha a acompanhar tal evoluçao, intao, qual seria o remedio para se dar mais um passo, como o senhor mesmo disse ontem, na esteira evolutiva reconhecimento?
ResponderExcluirGostaria de ter outras formas de entrar em contato com o senhor, planejo fazer um artigo baseado no livro de axel honnet: luta por reconhecimento, e ja li alguns textos do boaventura santos, e percebo que a ideia do estado plurinacional poderia ser uma das soluçoes, gostaria de me aprofundar no tema, teria como o senhor me repassar algum material, se possivel?
Desde já muito obrigado, e parabens pelo Blog.
Matheus Braga Calcagno.