2.2.1. Poder Reformador
José Luiz Quadros de Magalhães
Tatiana Ribeiro de Souza
O poder constituinte derivado de reforma divide-se em dois: o poder de emenda e o poder de revisão. Enquanto o poder originário pertence a uma assembléia eleita com finalidade de elaborar a Constituição, deixando de existir quando cumprida sua função, sendo um poder temporário, o poder de reforma é um poder latente, que pode se manifestar a qualquer momento, desde que cumpridos os requisitos formais e observados os seus limites materiais, circunstanciais e temporais existentes.
O poder de reforma por meio de emendas pode, em geral, manifestar-se a qualquer tempo, sofrendo limites materiais, circunstanciais, formais e, algumas vezes, temporais. Esse poder consiste em alterar pontualmente uma determinada matéria constitucional, adicionando, suprimindo, modificando alínea(s), inciso(s), artigo(s) da Constituição.
O poder de revisão em geral tem limites temporais, além dos limites circunstanciais, formais e materiais, ocorrendo, em algumas Constituições, manifestação periódica, como na Constituição portuguesa de cinco em cinco anos. Na nossa Constituição, houve a previsão de manifestação de poder uma única vez, não podendo ocorrer de novo, pois estava prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). A revisão é mais ampla que a emenda, pois, como sugere o nome, trata-se de uma revisão sistêmica do texto, respeitados os limites. No Brasil, entretanto, a nossa revisão foi atípica, manifestando-se por meio de emendas. Entretanto, bem ou malfeita, o que ocorreu foi uma revisão, pois se deu respeitando os aspectos formais processuais da revisão prevista no ADCT.
Devemos, pois, compreender o poder de reforma por meio de emendas e revisão e os seus limites, materiais, circunstanciais, formais e temporais. Quanto aos limites, podemos dizer o seguinte:
• Os limites materiais dizem respeito às matérias que não podem ser objeto expresso ou implícito de emenda.
• Os limites materiais implícitos dizem respeito à própria essência do poder de reforma. Mesmo que não haja limites expressos, a segurança jurídica exige que o poder de reforma não se transforme, por falta de limites materiais expressos, em um poder originário. O poder de reforma pode modificar mantendo a essência da Constituição, ou seja, os princípios fundantes e estruturantes da Constituição, pois reforma não é construir outro, mas modificar mantendo a estrutura e os fundamentos.
• São limites materiais implícitos o respeito aos princípios fundamentais e estruturais da Constituição, que só poderão ser modificados por intermédio de outra assembléia constituinte, ou seja, de outro poder constituinte originário. Este poder constituinte originário surge apenas diante de uma força social maior que o próprio ordenamento jurídico. É o reconhecimento pela teoria da constituição da possibilidade de revolução, da possibilidade legitima de ruptura popular.
• O art. 60, § 4º incisos I ao IV, da CF traz os limites materiais expressos, dispondo que é vedada emenda tendente a abolir a forma federal, os direitos individuais e suas garantias, a separação de poderes e a democracia.
• Partindo da premissa da indivisibilidade ou indissociabilidade dos direitos fundamentais podemos afirmar que não podem ser deliberadas emendas que venham, de alguma forma, limitar os direitos individuais, políticos, sociais e econômicos.
• Podem ser propostas emendas sobre a separação de poderes, a democracia, os direitos individuais e suas garantias e o federalismo, desde que sejam para aperfeiçoar, jamais para restringir.
• A proteção ao federalismo significa a proteção ao processo de descentralização essencial ao nosso federalismo centrífugo.
• além dos limites materiais expressos no art. 60, § 4º incisos I ao IV, da CF 88, encontramos limites circunstanciais que proíbem emendas ou revisão durante situações de grave comprometimento da estabilidade democrática, como Estado de sitio, Estado de defesa e intervenção federal.
• Como afirmado acima, há limites materiais implícitos que representam a própria essência do poder constituinte derivado.
• O poder de reforma, como o nome sugere, diz respeito à alteração de elementos secundários de uma ordem jurídica, pois não é possível, por meio de emenda ou revisão, alterar os princípios fundamentais ou estruturais de uma ordem constitucional.
• Os princípios fundamentais e estruturantes são a essência da Constituição e mesmo que não haja cláusula expressa que proíba emenda ou revisão, a essência não pode ser alterada.
• Reforma significa alterar normas secundárias, as regras, mas, jamais, a estrutura, a essência, o fundamento de uma ordem jurídica.
• Reforma não significa para o Direito Constitucional a construção de novo.
• Outro limite óbvio implícito diz respeito às regras constitucionais referentes ao funcionamento ao poder constituinte de reforma;
• Essas regras não podem ser objeto de emenda.
• As regras de funcionamento do poder constituinte derivado, o poder de reforma, por motivos óbvios, não podem ser objeto de emenda ou revisão, pois, caso ocorra o contrario estaríamos condenados a mais absoluta insegurança jurídica.
• Alem disso, são limites ao poder de reforma a proibição de revisão antes de cinco anos contados da promulgação da Constituição (limite temporal).
• A proibição do funcionamento do poder de reforma (emendas ou revisão) durante Estado de defesa, Estado de sítio ou intervenção federal constitui limite circunstancial como já mencionado.
• Os limites formais obrigam que a emenda de dê mediante quorum de três quintos em dois turnos de votação em seção bicameral, enquanto a revisão (contrariando a lógica doutrinaria que exigia processo mais qualificado) ocorre em seção unicameral por maioria absoluta (50% mais um de todos os representantes).
• Quanto aos limites temporais, a Constituição de 1988 estabeleceu que a revisão ocorreria após cinco anos da promulgação da Constituição, não havendo limites temporais para a reforma por meio de emendas. Acrescente-se não ser possível a realização de nova revisão uma vez que não é possível emenda sobre os processo de modificação formal da Constituição. A revisão estava prevista no ADCT e assim que cumpriu-se a determinação daquele dispositivo este deixou de existir no nosso ordenamento jurídico-constitucional.
Essa discussão não é nova e encontramos nos clássicos do Direito Constitucional nacional e estrangeiro, várias referências à amplitude do poder constituinte e do poder de reforma.
Nelson de Souza Sampaio afirma que o poder reformador está abaixo do poder constituinte e jamais poderá ser ilimitado como este. Seja como se queira chamar esse poder reformador de poder constituinte constituído, como o faz Sanches Agesta; poder constituinte derivado, como o faz Pelayo e Baracho; ou poder constituinte instituído, segundo Burdeau – devemos encará-lo, como o faz Pontes de Miranda Rosah Russomano,6 como uma atividade constituidora diferida ou um poder constituinte de segundo grau?
CITAÇÕES:
6 Dentre as publicações consideradas clássicas do Direito Constitucional e da Teoria da Constituição que tratam do assunto podemos citar: HAURIOU, André. Droit constitutionnel et institutions politiques. 4ème edition, Paris: Montchrestien, 1970; SAMPAIO, Nelson de Souza. O poder de reforma constitucional. Salvador: Progresso, 1954; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do poder constituinte. Separata da Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, n. 52, 1981; RUSSOMANO, Rosah. Curso de direito constitucional. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1978; VERDU, Pablo Lucas. Curso de derecho político. Madrid: Tecnos. 1980; LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. 2. ed. Barcelona: Editora Nacional, 1982. v. I-II.
SCHIMITT, Carl. Teoría de la constitución. México: Editora Nacional, 1973; BONAVIDES, Paulo. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1980; VIAMONTE, Carlos Sanchez. Derecho constitucional. Buenos Aires: Kapelusz, 1945. t. I: Poder constituyente.
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