Existe vida além da química?
José Luiz Quadros de Magalhães
Lembram do Cesare Lombroso? Pois é, aquela pessoa que fez uma pesquisa no século XIX identificando as características físicas dos criminosos. Lombroso acreditava na existência do criminoso nato e defendia a idéia de que analisando determinadas características somáticas seria possível identificar as pessoas que cometeriam crimes. Psiquiatra, esta tese foi abandonada no seu meio, sobrevivendo, entretanto, no meio do direito penal, especialmente na nossa América, até a década de 1930 e na cabeça de algumas pessoas, isoladas, até hoje.
Muitos estudos no decorrer do século XX aumentaram a compreensão da complexidade humana. Em vários momentos reforçamos a crença de que, apesar da condição humana animal; de condicionamentos culturais, pessoais; de vivermos em meio a impulsos, pulsões, desejos, medos, ameaças; que apesar do poder do estado, da empresa, da família, da igreja; que apesar do nosso inconsciente descoberto por Freud; que apesar de sermos seres bioquímicos; apesar da paixão e do tesão; apesar da ignorância, da incompreensão, dos preconceitos, pós-conceitos; que apesar das limitações da linguagem a nos condicionar a percepção das coisas; que apesar de sermos seres autopoiéticos, autoreferenciais e só podermos perceber o mundo por meio de nós mesmos; somos ainda, apesar de tudo isto, com a consciência (e inconsciência) de tudo isto, livres. E somos livres por que podemos construir nossa história, podemos fazer de nossa sociedade e de nós mesmos quase tudo. Somos história viva, somos agentes da história.
Hoje, de novo querem nos fazer acreditar que a história não existe. Novos positivistas nos afirmam que somos robôs, que nossa história já está escrita no nosso DNA. Esses pobres idiotas querem nos programar, nos controlar, e pior, querem que nós acreditemos, de novo, que a história não existe. A sociedade está drogada, tomam droga para dormir, fazer sexo, acalmar, diminuir a ansiedade, lembrar das coisas, tomam drogas para fugir da realidade, para sonhar, para ter sucesso, para ficar bonito ou bonita. Às vezes penso que a química condiciona o pensamento. Não seriamos livres então. Perdoaríamos ou mataríamos por um processo químico. O pesadelo ou sonho viria da química. O Fukuiama escreveu que a história tinha chegado ao fim. É claro que ele estava errado. Não é possível que a história acabe, talvez, nem mesmo com a nossa morte, a morte da humanidade, a história humana acabe. Vivemos em uma galáxia em transformação, em um universo em expansão, a natureza muda todo o tempo e nós também, mudamos junto com tudo isto, pois somos também natureza. Mudamos a cada segundo, mesmo que não queiramos mudar, e nossa mudança não é só biológica ou química, nossa mudança é social, histórica. Mudamos quando acordamos pela manhã e encontramos o mundo, quando vamos para o trabalho ou qualquer outro lugar, quando vivenciamos o mundo, estamos mudando, mesmo que não queiramos, mudamos. Esta é a força da história, mesmo que nós não desejemos ela acontece. Então, por que resistir à história. Seria mais inteligente se usássemos esta força inesgotável e irresistível ao nosso favor. Seria inteligente se abraçássemos a história e a levássemos junto com a gente, para mudar tudo, para mudar o mundo, para construir um lugar completamente diferente deste mundo horrível egoísta e competitivo que fomos capazes de construir até hoje. Não estamos condenados a nada, porque, apesar de tudo, mas por causa de tudo, temos a história do nosso lado. Esta nossa amiga destrói tudo permanente. Por isto a história é nossa amiga: porque ela destrói tudo permanentemente e logo nos dá a oportunidade de acertarmos o caminho, acertarmos a direção, não para construir uma sociedade final, mas para construirmos o caminho a ser caminhado para sempre.
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