QUEM É O LOUCO?
Virgílio de Mattos (1)
Nicolas Sarkozy tem apenas uma coisa em comum comigo: bom gosto para mulheres. Obviamente que a minha não canta e nem toca violão, mas Carla Bruni não faz a metade das coisas que a Laurinha faz e seguimos.
Afastado isso, sempre nutri antipatia solene por alguém que, filho de imigrantes, fala contra a imigração. Educado em um país socialista, fala mal do socialismo. Mas cada qual com os seus problemas e com as suas contradições.
A neutralização dos loucos, entretanto, é um ponto no qual o presidente francês avançou muito: para trás.
Com a conversa fiada de que “doentes na prisão são um escândalo, mas pessoas perigosas na rua também o são”, na verdade Sarkozy pretende jogar para a arquibancada e diminuir os custos do tratamento dos portadores de sofrimento mental, infratores ou não.
Sarkozy já havia visitado, pela primeira vez um presidente francês o fez, em dezembro de 2008, ao hospital psiquiátrico Antony, na região parisiense. Em vez de capitalizar essa grande ‘iniciativa’, saiu pelo senso comum de que “são todos perigosos”.
Ao falar para a imprensa sai-se com a metafísica questão de “qual é o lugar deles?”
No imaginário todos nós sabemos, Senhor Presidente. Mas no real o lugar do louco é na rua, melhor dizendo: na cidade e não na rua. A rua aqui não passa de uma metáfora que não pode ser radicalizada. Deve ser tratado e mantido circulando livremente nas ruas e avenidas.
Cálculos da Academia francesa(2), e aqui não estou a questioná-los, afirmam que 30% daqueles que não têm domicílio fixo seriam psicóticos, abandonados à própria (falta de) sorte para morrerem nas calçadas dos grandes centros.
Sarkozy faz o que não se deve fazer: tratar a questão da saúde mental como uma questão de orçamento. Loucos, pedófilos e terroristas devem ser entregues à vingança do senso comum apavorado, como se todos viessem da mesma toca escura do medo.
Sabemos que sem tratamento os portadores de sofrimento mental podem passar ao ato e produzirem aquilo que o direito penal elenca como crime. Sabemos que a maioria (percentual bem superior a 2/3) dos crimes não são cometidos por portadores de sofrimento mental.
A visita de Sarkozy ao hospital psiquiátrico em Antony não passou de um truque midiático – e em Minas estamos acostumados e cansados disso – e, ao anunciar que seriam colocados – obviamente que sem consentimento – os chips de geolocalização nos portadores de sofrimento mental, não se acabaria com o problema, mas se conteria – pelo menos até o próximo alarme – o medo pânico da população contra o outro, contra o diferente.
Quando é que a direita, mundo afora, irá entender que a questão não é de dinheiro ou possa com por ele ser resolvida. Que não existe internação compulsória, tratamento compulsório, melhora compulsória.
Se é impossível exterminar a loucura, podemos avançar no sentido de pôr fim nas propostas insensatas, não?
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1- Do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade. Do Fórum Mineiro de Saúde Mental. Autor de Crime e Psiquiatria – Preliminares para a Desconstrução das Medidas de Segurança, A visibilidade do Invisível e De uniforme diferente – o livro das agentes, dentre outros. Advogado criminalista. virgilio@portugalemattos.com.br
2- Jean-Louis Senon, professor de criminologia, assevera que de 2% a 5% dos autores de homicídios e de 1% a 4% dos autores de atos de violência sexual são portadores de sofrimento mental. Diz mais: os portadores de sofrimento mental são 17 vezes mais frequentemente vítimas de crimes do que o resto da população ( cf. audiência, de 16 de janeiro de 2008, Comissão do Senado encarregada de estudar o projeto de lei relativo à medida de segurança).
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