2- A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE
José Luiz Quadros de Magalhães
Tatiana Ribeiro de Souza
Para entendermos o Estado Federal é de fundamental importância compreendermos a teoria do poder constituinte, uma vez que a característica essencial do Estado Federal é uma descentralização de competências constitucionais, ou em outras palavras, a existência de um Poder Constituinte decorrente. À medida que a democracia se afirma no mundo contemporâneo como o sistema político que pode melhor lidar com as complexidades de sociedades plurais e multiculturais, não há porque não descentralizar.
A partir do momento que a descentralização tornou-se uma necessidade para a boa gestão, para um melhor controle da sociedade sobre os gastos públicos e dialogo mais eficaz na construção de políticas públicas que atendam as necessidades da população, surgiram no mundo formas diversas de organização territorial. Entretanto nenhuma ainda superou as vantagens do federalismo, e nenhuma pode alcançar o grau de descentralização e autonomia que o federalismo pode oferecer. Para entendermos estas vantagens potenciais que podem permitir uma boa gestão democrática, transparente e eficaz precisamos compreender a teoria do poder constituinte.
2.1. O Poder Constituinte Originário
Segundo a visão de diversos constitucionalistas, a diferenciação entre Poder Constituinte e Poder Legislativo ordinário ganhou ênfase e concretização na Revolução Francesa, quando os Estados-Gerais, por solicitação do Terceiro Estado, se proclamaram como Assembléia Nacional Constituinte sem nenhuma convocação formal.
Na França revolucionária (1789), foram superadas as velhas teorias que determinavam a origem divina do poder, afirmando, a partir de então, que a nação, o povo (seja diretamente ou através de uma assembléia representativa), era o titular da soberania e, por isso, titular do Poder Constituinte. Entendia-se, então, que a Constituição deveria ser a expressão da vontade do povo nacional, a expressão da soberania popular. Idéias que podem parecer um pouco românticas ou artificiais em uma construção teórica transdisciplinar contemporânea. Podemos dizer que as dificuldades (ou impossibilidade) contemporâneas para afirmar a existência de uma (única) vontade popular, em sociedades de extrema complexidade, é bem maior hoje que no passado, mas sempre estiveram presentes no Estado moderno. Por mais democrático que tenha sido qualquer poder constituinte, vamos encontrar no complexo jogo de poder por trás da constituinte aqueles que têm a capacidade ou a possibilidade de impor seus interesses com mais força do que outros.
Podemos dizer que a elaboração geral da teoria do poder constituinte nasceu, na cultura européia, com Siéyes, pensador e revolucionário francês do século XVIII. A concepção de soberania nacional na época, assim como a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos com poderes derivados do primeiro é contribuição do pensador revolucionário.
Siéyes afirmava que objetivo ou o fim da assembléia representativa de uma nação (leia-se do povo, ou seja, dos que se sentem parte do Estado nacional) não pode ser outro senão aquele que ocorreria se a própria população pudesse se reunir e deliberar no mesmo lugar. Ele acreditava que não poderia haver tanta insensatez a ponto de alguém, ou um grupo, na assembléia geral, afirmar que os que ali estão reunidos devem tratar dos assuntos particulares de uma pessoa ou de determinado grupo.1
A conclusão da escola clássica francesa entendendo a Constituição como um certificado da vontade política do povo nacional, – sendo que para que isso ocorra deve ser produto de uma assembléia constituinte representativa da vontade deste povo – se opõe Hans Kelsen, que afirma que a Constituição provém de uma norma fundamental.2 Importante ressaltar, neste ponto, que os conceitos dos diversos autores serão influenciados pela compreensão da natureza do poder constituinte: seja um poder de fato ou um poder de direito.
Outro aspecto que devemos estudar sobre o poder constituinte é relativo à sua amplitude. Alguns autores entendem que o poder constituinte se limita à criação originária do Direito enquanto outros compreendem que esse poder constituinte é bem mais amplo, incluindo uma criação derivada do Direito por meio da reforma do texto constitucional, adaptando-o aos processos de mudanças sócio-culturais,3 e ainda o poder constituinte decorrente, característica essencial de uma federação, quando os entes federados recebem (ou permanecem com) parcelas de soberania expressas na competência legislativa constitucional.
Finalmente, um terceiro aspecto a ser estudado, e sobre o qual também existem divergências, diz respeito à titularidade do poder constituinte.
Para a melhor compreensão desta matéria, é necessário estudar separadamente cada um desses elementos. Não se pode vincular, como pretenderam alguns, o posicionamento com relação à natureza do poder constituinte com a sua amplitude e mesmo com sua titularidade em determinados casos.
Citações
1 SIÉYES, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa. (Qui est-ce que le tiers Etat, p. 141-142.
2 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas (Allgemeine Theorie der Normen). Tradução e revisão de José Florentino Duarte. Porto Alegre: Fabris, 1986.
3 DANTAS, Ivo. Poder constituinte e revolução. Rio de Janeiro: Editora Rio Sociedade Cultural, 1978. p. 33.
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