quarta-feira, 15 de junho de 2011

468- Federalismo - Livro - 18 - titularidade do poder constituinte

2.4. Titularidade do Poder Constituinte


José Luiz Quadros de Magalhães

Tatiana Ribeiro de Souza

Finalmente devemos responder à pergunta sobre quem é o titular do poder constituinte nas suas várias manifestações históricas.

Retornando à visão (um pouco distante do real) dos “clássicos” da teoria constitucional, encontramos no revolucionário Siéyes a afirmação de que “a nação existe antes de tudo – é a origem de tudo. Sua vontade é invariavelmente legal – é a própria lei”. Uma visão idealista importante como construção do discurso do Estado constitucional, mas que, obviamente, não resiste a uma análise histórica. Podemos perceber, mesmo que a construção conceitual da idéia de nação para Siéyes constitui numa forma de legitimar a vontade do grupo no poder que atua em nome da vontade da nação. De forma diferente, a idéia de nação como um compartilhar de valores, história, projetos, constitui numa construção histórica, e não algo que existe antes de tudo.

Como vimos, foi com Siéyes que surge a idéia de poder constituinte, diferenciando esse do poder constituído que não pode, na sua ação autônoma, atingir as leis fundamentais contidas na Constituição, criada por um poder constituinte que, por sua vez, é produto da vontade da nação.

No Direito Constitucional brasileiro, um autor importante é Pinto Ferreira, que afirma que somente o povo tem a competência para exercer os poderes de soberania. Quando analisa as expressões “Convenção Constitucional”, “Assembléia Constituinte” e “Convenção Nacional Constituinte”, afirma que a Assembléia Nacional Constituinte é o corpo representativo escolhido para criar a Constituição. Para o autor, há dois tipos principais de organização do poder constituinte. Um será o modelo da convenção constitucional, que é o tipo primitivo, no qual há uma assembléia eleita pelo povo para elaborar a Constituição, não havendo necessidade de ratificação popular. O segundo modelo é o sistema popular direto, no qual a Constituição é votada pela convenção nacional e posteriormente é submetida à aprovação popular por meio do referendo. Para o autor, esse segundo modelo está mais próximo do espírito democrático.7

Na história do Estado constitucional, o sujeito do poder constituinte, o seu titular, pode ser individual ou coletivo, capacitado para criar ou revisar a Constituição. Dessa forma encontramos na história distorções graves da teoria democrática, em que o titular é um rei, um ditador, uma classe, um grupo (o que obvio está por detrás do titular individual), todos em nome do povo ou legitimados por poderes outros que o poder que efetivamente os sustenta. O discurso esconde a real fonte do poder, ou mais, constitui uma fonte do poder ao disfarçar, encobrir sua origem. Entretanto, encontramos também exemplos em que poderes constituintes, de forma diferente, em graus diferentes, expressam a vontade de parcelas expressivas do povo nacional.

Não há dúvida de que a vontade do poder constituinte deve emanar de mecanismos democráticos que permitam que o processo de elaboração da Constituição assim como de sua reforma, seja aberto a ampla participação popular, não apenas através de diálogo com os representantes eleitos, mas por meio de legitima pressão da sociedade civil organizada.

Esse poder será democrático à medida que o processo constituinte serve como arena privilegiada de demonstração dos grandes temas nacionais, para que, a partir daí, as manifestações do jogo de forças sociais sejam legitimamente exercidas. É fundamental, para isso, que o poder de manipulação do marketing político, da propaganda, o poder de pressão econômica, seja reduzido ao máximo. Não pode uma minoria nos bastidores se sobrepor à vontade presente na realidade social.

A Constituição Federal de 1988, embora com problemas formais decorrentes de sua história, foi incorporada pela sociedade, tem em cada brasileiro, na sociedade organizada, nos tribunais e juízos de primeiro grau, em administradores e legisladores, seus intérpretes e defensores contra o seu desmonte por meio de emendas constitucionais, muitas inconstitucionais, decorrentes de uma visão equivocada que prioriza o econômico ao Direito, como se o econômico fosse uma verdade matemática, contra a qual o Direito e a Justiça nada podem.

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