terça-feira, 15 de novembro de 2011

817- Cinema - A pele que habito

A pele que habito
Ou o corpo que habito

Por José Luiz Quadros de Magalhães

            A pele que habito. O corpo que habito. O corpo pode ser uma prisão, sem dúvida um limite, um encobrimento ou uma revelação; o corpo pode ser prazer e dor. Se somos mais do que nosso corpo (somos psique; espírito; alma – o filme Gattaca fala disto) o corpo é mais do que aparência, superficialidade. Corpo esconde corpo. O filme fala dos corpos, o corpo externo, a aparência; o corpo interno o desejo, a química os órgãos; e o espírito, a vontade, além do corpo.
            Somos corpos e espírito em um mundo onde a aparência se tornou tudo. De um corpo que esconde a sua própria história (ao negar sua transformação), de um corpo artificial até um corpo em mutação que se adéqua ao desejo. Outro filme que traz uma reflexão sobre isto é o “Preço do amanhã”. Todas as pessoas têm a mesma idade ideal e aparência de saúde. Comentamos depois mas vale muito conferir. “O preço do amanhã” é de uma clareza surpreendente na proposta de crítica ao absurdo do sistema capitalista contemporâneo.
            Voltando ao filme “A pele que habito”, Almodóvar visita a bioética, a busca da pele perfeita, a pele que protege. A biotecnologia como forma de reparar a destruição do corpo. O filme vai além da pele. A ciência transforma o corpo e liberta o espírito, após escravizar a pessoa. A descoberta de uma pele artificial melhor que a pele natural pode ajudar a recompor a pele queimada, mas, além disto, a transformação do corpo para atender a perfeição da forma, quando o cientista escraviza um homem e o transforma em cobaia. Este cientista transforma este corpo de home em um corpo de uma linda mulher. Curiosamente, esta vitima da vontade e obsessão do cientista, quando transformada contra sua vontade em mulher, se liberta do corpo masculino que a aprisionava e que lhe impedia de conquistar o amor que desejava. Agora habitando o corpo de uma mulher tem mais chance de ser feliz, realizando seu espírito. O mais interessante é que a escravidão da pessoa pelo cientista, que testa sua pele, seu corpo e seu espírito, acaba por permitir a esta mesma pessoa, a libertação do corpo antigo e do seu aprisionador, para uma vida com um novo corpo, que corresponde ao seu espírito.
A libertação da prisão do corpo, pode não necessitar de uma série de complexas cirurgias de alta tecnologia, mas de uma complexa transformação cultural nas sociedades contemporâneas. Pode ser uma questão de valores sócio-culturais no lugar de avanços tecnológicos. Ou não.




Mencionamos no texto o filme "O preço do amanhã"
Clareza surpreendente. Um das melhores metáforas do cinema.
e ainda "Gattaca"

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