segunda-feira, 7 de novembro de 2011

795- Gravíssima denúncia sobre fato ocorrido com o SAMU em Belo Horizonte.

O não atendimento (a omissão de socorro) a qualquer pessoa em risco de saúde constitui crime. Isto é muito grave! Especialmente se feito por pessoas que tem a função e o conhecimento para socorrer pessoas e salvar vidas.


Prezados,
No dia 23 de setembro de 2011, às 14:30, fui solicitada por um morador de rua a ajudar outro morador que estava há horas caído em um ponto de ônibus na praça Hugo Werneck, em frente a Drogaria Araújo e próximo ao hospital João XXIII. Fui até o local junto a um dos integrantes do Programa Pólos de Cidadania/UFMG, o Fábio André Diniz Meladert para prestar auxílio ao morador. Chegando lá, me deparei com uma cena lastimável: Mateus Alves Braga, um homem de 28 anos, mas que aparentava 48 anos, estava caído no chão. Os seus pés estavam com feridas abertas, cobertas por bichos, um dos dedos de seu pé estava praticamente preso apenas por um pedaço de pele e suas pernas gangrenadas.
Conversando com algumas pessoas presentes no local, apurei que várias delas fizeram chamadas ao SAMU por infinitas vezes, porém, como se tratava de morador de rua, este não foi atendido. Na tentativa de conseguir que o SAMU o atendesse, liguei por duas vezes em nome do Programa Pólos de Cidadania/UFMG e, mesmo assim, não enviaram a ambulância para o local. Diante disso, na tentativa de que o morador de rua fosse atendido, liguei novamente e disse à atendente que ele não estava respirando, mas não falei que se tratava de um morador de rua, apenas de um cidadão comum. A partir desse argumento, o SAMU chegou para atendê-lo.
É assegurado na Constituição Federal, nos Artigos 5° e 6º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e que todas as pessoas devem ter igual acesso aos direitos fundamentais, compostos pelos direitos individuais à liberdade, à vida, ao acesso à propriedade, à igualdade e à segurança, e aos direitos sociais à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia e à previdência. Estes direitos fundamentais são indivisíveis ou indissociáveis, ou seja, são interdependentes, complementares, um grupo de direitos não existe sem o outro.
O direito à saúde é direito de todos, é inviolável e é dever do Estado garanti-lo. A implantação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) obedece à determinação da portaria 2.657/04 do Ministério da Saúde. Porém, o que vem ocorrendo é uma realidade bem distante e destoante da assegurada na Constituição. É claro no texto constitucional que não se deve ter qualquer distinção de qualquer natureza entre as pessoas, o que faz com que não se admita que um serviço que deva contemplar toda a população exclua aquelas em situação de rua.
O serviço do SAMU diz ser voltado para situações de emergência e urgência com risco iminente de morte ou de instabilidade que coloque em risco a vida. No entanto, quando este serviço é acionado, fazem a seguinte pergunta, de forma a segregar e limitar o atendimento: “É morador de rua?”.
O que mais me espantou foi o teor do atendimento. Como se tratava de um morador de rua, usuário de álcool e que, por várias vezes, já havia sido atendido pelo SAMU, os assistentes o abordaram de forma bruta e sem o mínimo de polidez. Segundo os assistentes, eles já foram acionados várias vezes para levarem Mateus ao hospital, mas, como suas pernas estavam gangrenadas, os médicos falavam-lhe da necessidade de cortá-las e Mateus, assustado com a notícia, sempre fugia.
Esta é uma situação complexa que merece ser discutida pelos profissionais responsáveis, pois, no meu entendimento, Mateus é claramente um homem portador de sofrimento mental, viciado em álcool, com a saúde extremamente debilitada e que carece de um acompanhamento efetivo para não perder a vida. O que pretendo com esta carta é DENUNCIAR FORMALMENTE o descaso do SAMU para com os moradores de rua em Belo Horizonte, já que estes, além de estarem na condição de grupo social extremamente vulnerável, ainda lhes tem negado o direito de receber atendimento médico.
Diante disso, solicito que o caso seja apurado pela Secretaria de Assistência Social de Belo Horizonte e que as devidas providências sejam tomadas, pois a falta de acompanhamento do Mateus poderá acarretar mais uma dentre as tantas mortes que ocorrem em nosso país por pura negligência, principalmente neste momento de “higienização das cidades” para a Copa do Mundo em 2014, em que tantas famílias e moradores de ruas estão tendo seus direitos violados.
Fernanda de Lazari Cardoso
Programa Pólos de Cidadania
Faculdade de Direito - UFMG

2 comentários:

  1. Este absurdo tem que ser denunciado juridicamente.
    Onde o Ministério Público?
    Sugiro à signatária que procure o Ministério Público para que se faça um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o SAMU.

    É o mínimo que pode ser feito.

    ResponderExcluir
  2. Passei por uma situação semelhante recentemente. Segue o meu relato:

    "Um bêbado está desmaiado em frente ao Carrefour do Lourdes, junto de mais dois amigos igualmente bêbados. De repente, chega uma viatura. Penso: "que bom que os policiais chegaram. Logo o Samu chegará e o bêbado desmaiado receberá o devido socorro". No entanto, dois policiais descem e abordam os meliantes. O crime dos três: serem feios, pobres, sujos e mal vestidos. Paro e observo: eles não são pedintes, ladrões e não incomodam ninguém, a não ser pelo fato de serem bêbados, feios, pobres, sujos e mal vestidos. O policial se incomoda pelo fato de eu parar e observar. Não ligo, continuo parado, observando a abordagem. Minutos depois, chega um camburão, que leva os dois bêbados (aqueles que permaneciam acordados) à força, sabe-se lá para onde. O bêbado desmaiado permanece no chão. Pergunto ao policial, que atende pelo nome de "Eurico", se o Samu virá buscá-lo. Ele afirma que não sabe, que "o Samu tem outras prioridades, mas que, se deus quiser, na época da Copa essas pessoas terão aonde ir". Todos os policiais vão embora e eu fico esperando o Samu, que nunca chegou. Vinte minutos depois, o bêbado desmaiado acordou, notou que seus dois amigos não estavam mais com ele e foi embora, sabe-se lá para onde. Se alguém tiver curiosidade, o número do chamado feito ao Samu e nunca atendido foi o 5263878. Mas eu sei que ninguém terá curiosidade...

    A placa da viatura: HDN-6862. A placa do camburão: HNH-1298. Data e horário do fato: entre 19:15 e 19:40 do dia 4 de outubro de 2011."

    ResponderExcluir