quinta-feira, 3 de novembro de 2011

785- Quebrar o Totem - Coluna do professor Virgilio


QUEBRAR O TOTEM
  Virgílio de Mattos


Em mais um esforço da Coordenação de Saúde Mental do Município de Belo Horizonte, dirigida pela competente psicóloga e pensadora Rosemeire Aparecida Silva, uma das pérolas mais preciosas existente nesse serviço – que é o melhor do nosso país, graças a pessoas como ela -; assistimos ao filme Quebrando Tabus, no auditório do Instituto de Educação, na última segunda-feira. Fazia um final de tarde com vento ameno e temperatura civilizada abaixo dos 20٥, nada mal para essa quente primavera. Quente em todos os sentidos. Quanta maldade. Passam as estações, sejam elas marcadas ou não, e a maldade segue acelerando na contramão.
Fiquei pensando durante o filme todo porque eu não estava gostando do que via. Na verdade detestei o filme, mas Rosi disse no debate que para ver o filme a gente tem que acabar com nossos preconceitos.
Não sei se o meu problema foi uma questão de pré ou de pós conceito. Mas confesso que não me conforta ver desfilar na tela uma chusma de canalhas da pior espécie. Entre mortos e vivos não quero destacar ninguém, embora o canastrão Reagan mereça um lugar de realce.
A idiota conversa de narcotráfico, quando se fala em combater cocaína e crack, que não são narcóticos e se tenta passar que todo mundo é bacana, em especial o protagonista de um arrependimento patético e hipócrita, que faz seu mea culpa em relação a war on drugs que sempre apoiou nos seus oito anos de (mau) governo.
FHC, o ex-presidente de triste memória é o autor do argumento, personagem principal e fazendo pose de intelectual, que esqueceu de que pedira que esquecessem o que escreveu e tem gente – assim como eu – que não se esqueceu do pedido, atormenta a gente durante mais de uma hora, posando de bacana e progressista. Quanta empáfia, parece que o fracasso lhe subiu à cabeça.
Mas me incomodava durante a projeção ver o que ali faziam com ele os seus chegados Gaviria, Clinton, Bush Senior e Dráusio Varela, o médico proibicionista da Rede Globo, que aparece durante todo o tempo com seus repórteres do jabá e seus apresentadores ancorados no mundo da lama; como o produtor do filme, lembram do playboy que perdeu o rolex pro correria e disse tanta merda que teve que ser chamado à responsa pelo Ferréz, na Revista Caros Amigos? Quem não viu, confira. Vale a pena.
O ex-imperador Fernando II passeia pela Europa, envergando belos sobretudos e cachecóis e um cabotino ar de “dono do carrinho de caldo de cana” irritantes. Quem não o conhece se engana. Se não é um observador atento e viu a peça pela primeira vez, obviamente.
Mas isso não é o pior. Há até alguns depoimentos de gente inteligente e hilariantes imagens de época do subliminar discurso proibicionista ou minimalistamente progressista que é o de não prende, não. Vamos internar pra tratar...
Eu fiquei puto de verdade foi com essa conversa mole que o usuário de drogas deve ser internado compulsoriamente para tratamento. De preferência em clínicas privadas, antigos campos de concentração psiquiátrica de início da década de 1970.
O que me irritou profundamente no filme talvez tenha sido isso: esse salto mortal para o passado, rumo a um metafórico filme que todos nós já vimos, criticamos e sabemos bem que é uma merda.
Talvez o escatológico adjetivo o resuma: o filme é uma merda!
Entretanto, o debate depois dele foi uma coisa interessantíssima, de uma riqueza sem preço. Um psicólogo e psicanalista do Centro Mineiro de Toxicomanias, Oscar; a Coordenadora de Saúde Mental do Município de Belo Horizonte, Rosi e a representante da Pedreira Prado Lopes, Marisa, comunidade que abraçou o Consultório de Rua e pede paz mais à polícia do que aos bandidos, nessa ordem de importuno.
Aprendi muito no debate e irritou-me também a fala de um jovem defender a comunidade terapêutica em que trabalha, falar mal do sistema de saúde pública e depois não ficar para ouvir as respostas que pulularam. Essa gente é mesmo assim: canhestra. Quando não é canhestra é plena de má-fé.
Um jovem da Pedreira Prado Lopes me emocionou. Disse que tenta se tratar do vício no CAPS-ad e pergunta o que a geração dele está fazendo, o que sobrou pra geração dele em comparação às anteriores.
Perguntávamo-nos isso o tempo todo, quem se lembra? Nossa geração foi precedida por uma multidão de mortos da resistência armada à ditadura militar, e nos inquietávamos com o que havia sobrado pra nós que quebrávamos os tabus e, de inconformismo em inconformismo acabamos fazendo dessa terra um país, defenestrando esse antigo imperador ex-presidente e a gangue que ele representava, que nos venderam no atacado e no varejo, recebendo o preço que o comprador quis pagar.
Passada a hora de quebrarmos o totem.

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