quinta-feira, 30 de setembro de 2010

68- Teoria da Constituição 16

Reforma no Direito Comparado
Jose Luiz Quadros de Magalhães

5.5 Itália

O art. 138 da Constituição italiana prevê que as leis de revisão da Constituição e as outras leis constitucionais são adotadas mediante aprovação na Câmara de Deputados e no Senado com duas deliberações sucessivas em cada uma, com intervalo não inferior a três meses, sendo aprovadas por maioria absoluta. Uma vez aprovadas, serão submetidas a referendo popular quando no prazo de três meses a partir da publicação, 1/5 dos membros de um Câmara ou 500 mil eleitores ou cinco Conselhos regionais solicitarem. A lei submetida a referendo não é promulgada senão depois da aprovada pela maioria dos votos válidos no referendo. Não se procederá a referendo se a lei for aprovada na segunda votação por cada Câmara, à maioria de 2/3.
Observa o pesquisador Rafael Jardim Goulart de Andrade que as leis constitucionais são aquelas previstas direta ou indiretamente pela Constituição, referindo-se a matérias de particular relevância.16 Nesse sentido, observa Paolo Biscaretti de Rufia quando menciona o art. 137 como exemplo, quando dispõe que uma lei constitucional estabelece as condições, formas, prazos, apresentação dos julgamentos de legitimidade constitucional e as garantias de independência dos juízes da Corte.17 As leis constitucionais são uma espécie de lei complementar no Brasil.
A Constituição da Itália estabelece expressamente uma cláusula imodificável: a forma republicana.


5.6 França

As primeiras Constituições francesas do período revolucionário (1791-93-95) trazem toda a riqueza do nascente constitucionalismo moderno, sendo a década de 1790 marcante para a história moderna. De certa forma, essa década trouxe um pouco da história política da modernidade. A tensão entre a tentativa da burguesia em parar o processo revolucionário no estágio de seu interesse e, de outro lado, a pressão por continuidade da revolução são correntes na modernidade. O terceiro Estado não era homogêneo, estando ali representados interesses conflitantes dos sans coulottes, os mais pobres, os jacobinos pequenos burgueses e, a alta, burguesia, que assumem o processo e tem seus interesses representados pelos girondinos. A Constituição de 1791 é uma típica Constituição burguesa, não democrática, e que procura estacionar o processo revolucionário no estágio liberal conservador. De outra forma, a Constituição de 1793 foi a tentativa de fazer avançar o processo, uma Constituição jacobina com o Legislativo muito forte controlando o Executivo. A Constituição de 1795 representa a reação burguesa, o retorno ao estágio anterior, a tentativa de paralisar o processo, de mandar o povo para a casa retornando ao discurso liberal-conservador.
O processo de reforma previsto nessas Constituições reflete os interesses por elas defendidos. A Constituição de 1791, na tentativa de paralisar o processo, consagrou a crença na permanência do seu texto, na sua quase imutabilidade, prevendo o início da revisão após decorridos dezoito anos da deliberação que inaugurava o longo percurso da Assembléia de Revisão, intercalado por período de abstinência deliberativa em matéria constitucional para reflexão e amadurecimento da reforma. Essa concepção conservadora retorna após a tentativa de avanços da Constituição de 1793. A Constituição de 1795 requintou as formas dilatórias, prevendo a instalação da Assembléia de Revisão nove anos depois da aprovação da proposta. A reunião da Assembléia deveria ser em local afastado da sede do Poder Legislativo18. Nada disso, entretanto, foi capaz de parar a História.
As Constituições seguintes representam um período de fechamento e endurecimento do regime: a habitual aliança entre a burguesia e os militares sempre que seu interesse se vê ameaçado; em 1799, uma Constituição cesarista que conferia poder ao general do momento (Napoleão Bonaparte integrando o triunvirato); em 1802 transforma Napoleão em cônsul e 1804 instaura o império. Nenhuma dessas Constituições especialmente autoritárias previa reforma de seus textos.
A Constituição da restauração da monarquia de 1814 não previa sua reforma. Em 1830, entretanto, um pacto entre o rei e a Câmara de Deputados permitiu a revisão da Constituição de 1814.
Em 1848, uma nova revolução popular e uma Constituição que representava esse novo momento democrático tinha maior flexibilidade. Entretanto, outra ruptura reacionária, e a Constituição de 1852 reproduziu a Constituição de 1799, restaurando o Império e colocando Napoleão III no poder.
Em 1870 houve uma evolução parlamentar, e em 1875 a Republica chegou para ficar na França, seguindo-se as Constituições republicanas de 1946 e de 1958, em vigor.
A Constituição em vigor, que marca o início da V República francesa, nasceu de forma atípica, polêmica e com legitimidade questionável. Entretanto, legitimizou-se no decorrer de sua vigência.
Em 1958, o parlamento francês modificou o processo de revisão previsto no art. 90 da Constituição de 1946, conferindo poderes constituintes para o general De Gaulle. O mesmo procedimento estranho à Constituição ocorreu em 1940 com o Marechal Petain. Podemos verificar que o processo de democratização e de fortalecimento da Constituição ocorreu lentamente no decorrer dos séculos XIX e XX. A teoria contemporânea não reconhece legitimidade a este estranho processo ocorrido na França, assim como não reconhece legitimidade aos processos autoritários que ocorreram no Brasil nas décadas de 1930 e 1960. Entretanto, a tensão entre democracia e constitucio¬nalismo é uma equação que ainda está distante de ser resolvida.
Com a Constituição de 1958, o regime excepcional não cessou. De Gaulle permaneceu com poderes excepcionais durante os quatro primeiros meses de vigência da Constituição de 1958, o que deu origem ao regime semipresidencial a partir da revisão constitucional de 1962. Importante ressaltar que o procedimento adotado para modificar a Constituição de 58 em 1962 não era previsto no texto, o que demonstra outra grave quebra da ordem constitucional. De Gaulle recorreu a consultas populares para alterar a Constituição de forma não prevista. Foram quatro as consultas populares para procurar legitimar a mudança da Constituição não prevista no texto: 8 de janeiro de 1961 8 de abril de 1962; 28 de outubro de 1962 e 27 de abril de 1969. O plebiscito de 1969 foi uma busca de confirmação de poder, uma estratégia bonapartista fundada sobre o voto e o prestigio pessoal de um personagem, histórico especial. A derrota no plebiscito levou De Gaulle à derrota e marcou o inicio de um período de construção de uma democracia constitucional estável.
Os períodos conturbados por que passa a França e o mundo nesse período podem explicar apelos a recursos extraconstitucionais, mas não legitimam esse processo. A historia republicana francesa pôde, posteriormente, com a afirmação e evolução da democracia, especialmente na era Mitterrand a partir de 1981, legitimar a Constituição para o futuro, mas não para o seu passado.
A reforma da Constituição francesa esta prevista no art. 89. A iniciativa da reforma da Constituição pertence ao Presidente da República sob a proposta do Primeiro-Ministro e aos membros do parlamento. O projeto ou a proposta de reforma deverá ser votada pela Câmara de Deputados e pelo Senado em termos idênticos. A reforma será definitiva depois de aprovada por referendo. O projeto de reforma não será submetido a referendo se o Presidente da República decidir submetê-lo ao Parlamento convocado em Congresso (sessão unicameral). Nesse caso, a aprovação dependerá de maioria de três quintos dos votos. A mesa do Congresso nesta ocasião será a mesma das Assembléia Nacional (deputados). É vedada reforma da Constituição quando houver atentado à integridade territorial (limite circunstancial), sendo também vedada modificação da forma republicana (limite material explicito).

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