domingo, 23 de dezembro de 2012

1278- Sobre a corrupção, drogas, bullying, ataques em escolas e outras violências - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães

Sobre a corrupção, drogas, bullying, ataques em escolas e outras violências.

Jose Luiz Quadros de Magalhães



           
            O filósofo esloveno Slavoj Zizek em sua obra "Sobre la violencia: seis reflexiones marginales"[2] desenvolve três conceitos de violência que são importantes para entendermos os equívocos das políticas de encarceramento e aumento das penas e controle sobre as pessoas. Zizek nos fala de três formas de violência:
            a) Uma violência subjetiva que representa a decisão, vontade, de praticar um ato violento. A violência subjetiva representa a quebra de uma situação de (aparente) não violência por um ato violento. A normalidade seria a não violência, a paz e o respeito às normas (normalidade) que é interrompida por um ato de vontade violento.
            b) A violência objetiva, diferente da violência subjetiva é permanente. A violência objetiva são as estruturas sociais e econômicas, as permanentes relações que se reproduzem em uma sociedade hierarquizada, excludente, desigual, opressiva e repressiva.
            c) A violência simbólica é também permanente. Esta violência se reproduz na linguagem, na gramática, na arquitetura, no urbanismo, na arte, na moda, e outras formas de representação. Para entendermos melhor, podemos exemplificar a violência simbólica presente na gramática: em diversos idiomas os sobrenomes se referem exclusivamente ao pai ou ainda, o plural, no idioma português, por exemplo, sempre vai para o masculino. Assim, se estiverem em uma sala 40 mulheres e um homem, diremos: "eles estão na sala". O plural para uma mulher passeando com um cachorro será: "eles estão passeando". A violência simbólica, assim como a violência estrutural, objetiva, atuam permanentemente.
            Assim, de nada adianta construirmos políticas públicas de combate à violência subjetiva sem mudarmos as estruturas socioeconômicas opressivas e desiguais (violentas) ou todo o universo de significações e representações que reproduzem a desigualdade, a opressão e a exclusão do "outro" diferente, subalternizado, inferiorizado.
            Um exemplo interessante: a escola moderna é um importante aparelho ideológico[3], reproduzindo a mão de obra necessária para ocupar os postos de trabalho que permitirão o funcionamento do sistema socioeconômico assim como reproduzindo os valores e justificativas necessárias para que as pessoas se adequem e não questionem seriamente o seu lugar no sistema social (e no sistema de produção e reprodução). A escola, portanto, tem a fundamental função de uniformizar valores e comportamentos. O recado da escola moderna é: adeque-se; conforme-se; este é o seu lugar no sistema.
            Simbolicamente, a escola moderna diz diariamente isso aos seus alunos, por meio do uniforme. Sem o uniforme, a meia, a calça, a camisa e os sapatos da mesma cor, o aluno não pode assistir a aula. Durante muito tempo, e ainda hoje em algumas escolas uniformiza-se os cabelos, o andar, o sentar, e claro mas um monte de outras coisas mais profundas como o pensar, o desejar e o gostar. A criança desde cedo deve se vestir da mesma forma, se comportar da mesma maneira, palavras mágicas, sem as quais as portas não se abrem. Pois bem, vamos ao problema: a criança, mesmo que não seja dito por meio da palavra (o que também ocorre), simbolicamente percebe, diariamente, todo o tempo, que não há lugar para quem não se normaliza, uniformiza. O recado muito claro da escola moderna é: o uniformizado é o bom; não há lugar para o diferente (não uniformizado); para o que se comporta diferente, se veste diferente, ou de alguma forma não se enquadra no padrão. É claro que esta criança, processando o recado permanente (dito e repetido de várias formas) irá compreender que o padrão é bom e o diferente do padrão é ruim. No seu universo de significados em processo de construção, o diferente deve ser excluído, afastado, punido, uma vez que o que foge ao padrão não pode assistir a aula, não pode sequer permanecer na escola. Logo, quando esta criança percebe alguém ou algo em alguém que para ela, é diferente do padrão (o cabelo; uma roupa; a cor; a forma do corpo; da fala; do olhar) esta criança irá de alguma forma reagir a ameaça do diferente, excluindo e punindo o diferente "ruim".
            Em outras palavras, a escola moderna ensina diariamente a criança a praticar o "bullying". Vejamos então a ineficiência das políticas de combate à violência, à discriminação, à corrupção que padecem, todas, deste mal. No exemplo descrito acima, a escola, o estado, os governos, criam políticas públicas pontuais de combate ao "bullying" (a tortura mental e agressão física decorrente da discriminação do "diferente") ao mesmo tempo que mantém uma estrutura simbólica que ensina a discriminação (o "bullying").
            Voltamos aos conceitos de violência: toda política de combate à violência; às drogas; à corrupção, serão sempre ineficazes se não se transformarem as estruturas sociais e econômicas que permanentemente criam as condições para que esta violência subjetiva se reproduza, assim como o sistema simbólico que continua, da mesma forma reproduzindo a violência. Para acabar com a violência subjetiva só há uma maneira: acabar com a violência simbólica e objetiva. Para acabar com o "bulling" na escola só mudando as estruturas uniformizadoras e excludentes presentes diariamente na escola; para acabar com a corrupção só transformando o sistema social e econômico e de valores (condições objetivas e simbólicas) que reproduzem as condições para que esta (a corrupção) se torne parte da estrutura social e econômica vigente.
            De nada adiantarão as constantes políticas públicas pontuais e superficiais de combate a corrupção, criminalidade, drogas (álcool e direção por exemplo), bullying e outros problemas, se estas políticas atacarem apenas os efeitos de forma repressiva e (ainda pior) com o direito penal, o aumento do controle e da punição. Os resultados serão enganosos, sempre, se não respondermos algumas perguntas: porque a corrupção? Quais são os elementos estruturais e simbólicos em nossa sociedade que reproduzem as condições para a corrupção, a discriminação, o alcoolismo e várias formas de violências diária?

3 comentários:

  1. José Luiz, excelente reflexão. Já levei algumas dessas questões a escolas por onde meu filho passou. Existe uma "normalização" cruel que se dá pelo poder econômico, social e racial entre grupos de alunos dentro e fora da escola, suportada e ratificada pela estrutura "pedagógica".
    Texto extremamente lúcido e oportuno! Ótima forma de se abrir esse debate e de se levantar o tapete da educação!!! Parabéns!!!

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  2. Problema é que se as escolas deixarem os alunos usarem as roupas que quiserem no lugar dos uniformes, as minorias serão discriminadas pela maioria que segue uma tendência. Essa discriminacão em escala simbólica precisa ser relativizada tbm.

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  3. Prezado Anônimo. Porque a escola deve encobrir o que está claro quando a criança ou o adolescente sai da escola. Adianta alguma coisa a criança rica e pobre, ou remediada, classe média etc, estar com a mesma roupa e sapato dentro da escola se quando saem da escola um BMW ou um ônibus a espera? Isto pode ser uma hipocrisia que não serve de nada. Para que ocultar? Por que a escola deve mentir? Muito melhor enfrentar na escola, também, as brutais diferenças fora dos seus muros.

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