Homenagem à professora Miracy de
Souza Gustin na abertura do II Congresso Internacional "Constitucionalismo
e Democracia" da Rede de constitucionalismo democrático, lida pelo
professor José Luiz Quadros de Magalhães no dia 30 de Novembro de 2012.
Quando
começamos a organizar o segundo congresso internacional
"Constitucionalismo e democracia" da rede pelo constitucionalismo
democrático, rede que congrega mais de 300 constitucionalistas e pesquisadores
e estudiosos de temas afins, pensamos, nesta oportunidade, reconhecer, conhecer
e homenagear uma pessoa que pudesse representar as ideias que sustentam este
novo constitucionalismo.
Mas,
quais são as ideias e ideais, práticas e lutas que se manifestam e sustentam
este "novo constitucionalismo" latino-americano. Este era o primeiro
passo para se encontrar um nome que nos inspirasse na empreitada de realização
deste encontro de pensamento, estudo, reflexão e transformação.
A
primeira palavra que ganha destaque nos movimentos sociais, nos processos de
transformação e revolução na América Latina é "diversidade".
Diversidade é mais que diferença. Começamos a falar na Bolívia, Equador,
México, Colômbia e pelo mundo, em construção de uma sociedade plural, em um estado
plurinacional, em uma sociedade onde a diversidade seja comemorada, festejada,
onde o outro seja aquele que representa para nós uma oportunidade única e
imperdível de aprender com o novo, com o diverso. Construir uma sociedade onde
a diversidade seja o valor fundante, desafio que Bolívia e Equador
constitucionalizaram, é o desafio hoje. O outro não mais representará o
inferior; o estranho; a ameaça; aquele que deve ser "civilizado";
aculturado; exterminado, mas ao contrario, o outro será aquele que permitirá a
minha transformação, o aprendizado, a expansão para a descoberta do que estava
oculto. Não se trata de um direito à diferença onde tolero o "outro"
diferente do padrão do bom (esta é a marca moderna). Não, não se trata de um
direito à diferença, onde grupos hegemônicos continuam ditando padrões. O
direito a diversidade implica em construção de uma sociedade sem hegemonias, na
criação efetiva de espaços de diálogo e construção de consensos não hegemônicos
e não permanentes. Consensos que não sejam um mera vitória de um pretenso e
perigoso melhor argumento, mas sim a construção de algo novo a partir do
diálogo.
Assim,
esta pessoa que queremos homenagear deve ser uma pessoa que festeje a
diversidade; que esteja disposta sempre a aprender com o outro; uma pessoa que
rejeite hegemonias, arrogâncias e prepotências. Uma pessoa aberta ao diálogo.
Vejo
nossa homenageada sentada à mesa, escrevendo, lendo, pacientemente conversando,
ensinando e aprendendo com o seus alunos, colegas, pesquisadores, ativistas
pela luta por direitos na cidade e em todos os outros espaços que podemos
habitar.
Uma
outra ideia que nosso congresso trás é a ideia de constituição. E o que
representa constituição¿ Não quero lembrar as origens da constituição, não tem
muito a ver com nossa homenageada nem com o espírito que nos moveu na
realização deste congresso. Estamos justamente propondo a superação da ideia de
constituição enquanto segurança; proteção à propriedade de alguns homens,
brancos, proprietários, o que marcou a hegemonia moderna europeia na construção
de uma era androcentrica, racista e excludente. Nossa convidada representa a
negação disto. Uma mulher de uma fortaleza impressionante em um corpo que por
vezes se mostra frágil. Esta fortaleza feminina rejeita um passado constitucional
uniformizador e reativo a mudanças. Esta força feminina está ao nosso lado na
construção de uma nova constituição. Uma constituição de todos, plural, não
uniformizadora, uma constituição que no lugar de reagir às mudanças não
permitidas, age a favor das transformações, de todas as transformações
democráticas. Radicalmente democráticas.
Chegamos
assim a uma outra ideia que fundamenta nosso congresso: a democracia.
O
que é democracia¿ Efetivamente, democracia não pode ser apenas a vontade da
maioria. Já vi nossa homenageada lutando, com muitos de nós, e inspirando
muitos de nós na luta contra falsas maiorias manipuladas, artificiais, forjadas
em meio a discursos estratégicos, da má fé de uma falsa liberdade dos
proprietários da mídia.
E
assim volto a imagem de nossa professora dialogando pacientemente com todos.
Democracia é diálogo, é construção de consensos não hegemônicos, é a superação
de hegemonias; democracia é a possibilidade de discutir tudo, todo o tempo, sem
deixar ninguém de fora.
Finalmente,
ainda uma ideia, mas, mais que um idéia, uma luta: Justiça;
A
partir desta palavra o perfil de nossa homenageada estava completo pois toda
sua vida é uma luta por justiça. Uma justiça plural, que não represente a
vontade de um Juiz detentor de um poder saber exercido ao modo do império
romano: "Roma locuta, causa finita". Não é dessa falsa justiça que
estamos falando. Andaram sequestrando algumas palavras, e entre elas, as
maiores vitimas destes sequestros foram as palavras liberdade, democracia e justiça.
Precisamos libertar estas palavras e trazê-las para o livre uso de todos nós e
cada um nós. A justiça não pode continuar encarcerada por falsos heróis
vingadores de capas pretas, que em nome de um equivocado direito punitivo
destroem por vezes direitos e garantias que foram frutos de muitas lutas. A
"justiça" não é justa se ignora a história e a legítima luta por
dignidade, por moradia, por terra, por respeito. Ao contrário da arrogância de
algumas pessoas, que se julgam donas do direito, da constituição, contra a
história das lutas diárias por justiça;
vestindo togas pretas medievais até o calcanhar; e enclausuradas em palácios da
"justiça"; nossa homenageada tem para mostrar a sua história, o seu
rosto e a sua palavra.
Nossa homenageada é a professora
Miracy Barbosa de Sousa Gustin.
José Luiz Quadros de Magalhães
Ouro Preto, Dezembro de 2012
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