DELÍRIO
por José Luiz
Quadros de Magalhães
Temos discutido, em vários textos, o
significado diverso da palavra "ideologia", que ganha contornos distintos
em diversos autores. Um dos primeiros a tratar o termo com um significado
negativo de distorção e encobrimento foi Karl Marx. Marx utilizou inicialmente
a palavra "inversão" conceito que o filósofo constrói em contraponto
à ideia de "inversão" em Hegel. Para Hegel, "inversão"
seria a passagem (ou conversão) do subjetivo para a objetivo e vice-versa: "o
estado prussiano surge como autorrealização da Ideia[1], como o 'universal
absoluto' que determina a sociedade civil, em lugar de ser por ela determinado."
Para
Marx, a fonte da inversão ideológica é uma inversão da própria realidade. Marx
aceita inicialmente o principio básico de Feuerbach de que o ser humano cria a
ideia de religião e de deus, e que a ideia de que deus criou o ser humano é uma
"inversão". Marx, entretanto, vai muito além. Para Marx isto não é
apenas uma ilusão ou uma alienação filosófica, isto é produto de uma
"inversão" que está presente na realidade das relações de poder. A
única maneira de eliminar este ocultamento, estas inversões, é, para Marx, a
mudança da realidade social. Assim Marx afirma no seu texto "Critica da
filosofia do direito de Hegel: introdução" que o estado e a sociedade criam,
inventam, a religião, "que é uma consciência invertida do mundo porque o
próprio estado e sociedade estão invertidos[2]. O mundo está de cabeça
para baixo (sensação que se amplia a cada dia) e não basta a filosofia para
desvirá-lo, é necessário a transformação da realidade social e econômica.
Nos
seus escritos Marx nos sugere uma ideologia negativa (a partir do conceito
marxiano de inversão) enquanto distorção e encobrimento e no texto, "A
ideologia alemã", podemos pensar em uma ideologia no sentido positivo,
enquanto um sistema de ideias. Neste texto Marx chama a atenção sobre a impossibilidade
de uma "ideologia positiva" (Marx não usa esta expressão isto sou eu)
acabar com uma "ideologia negativa" (também não usa esta expressão -
mas a ideia geral pode ser encontrada nos textos). A única forma de acabar com
a ideologia no sentido negativo (inversão) é transformando a realidade
invertida, ou melhor, revolucionando a realidade social e econômica. Esta é uma
inspiração fundamental em Marx: uma filosofia engajada na transformação social.
Convido
o leitor a ler Marx, assim como ler um livro de Slavoj Zizek "Um mapa da
ideologia", publicado no Brasil pela editora Contraponto, em 2010, no Rio
de Janeiro. Leiam também os textos e vídeos sobre ideologia publicados no blog
(www.joseluizquadrosdemagalhaes.blogspo.com).
Compreendendo
o processo ideológico de encobrimento uma questão se apresenta neste inicio de
século. O problema contemporâneo está em uma radicalização do processo de
alienação. Os discursos não mais guardam contato com qualquer traço do real. Como
cantaria Cazuza, "suas ideias não correspondem aos fatos", e
lembrando Zizek, as palavras não mais correspondem aos seus conceitos historicamente
construídos e transformados, ou seja, se afastam do caminho histórico
conceitual de seus significados. Citando Zizek: "a luta pela hegemonia ideológico-política
é por consequência, sempre a luta pela apropriação dos termos 'espontaneamente'
experimentados como 'apolíticos', como que transcendendo as clivagens
políticas."[3]
Não
há mais uma preocupação mínima com qualquer coerência ou construção lógica do
discurso ideológico. A ideologia (a distorção, alienação e encobrimento) se
apresenta de forma pura, desavergonhada e brutal. As ações não se sustentam em
argumentos. Estes resistem pouco e rapidamente se transformam em raiva, no
rebaixamento do outro e na desqualificação do seu argumento.
Um
exemplo interessante se apresenta na Argentina, final de 2012: o jornal "O
Clarin" detém mais de 250 licenças de rádio e televisão. Uma nova lei aprovada
pela Câmara e Senado argentinos e sancionada pela presidenta da República, limita
a propriedade dos meios de comunicação seguindo orientação da Unesco, o que
permitirá que a pessoas possam ter acesso a mais meios, que representem
interesses diversos, compreensões distintas, e assim possam formar livremente
seu pensamento. Entretanto, os proprietários privados do "Clarin"
defendem seu monopólio fundamentando seus argumentos na liberdade de expressão
e na liberdade de consciência. Como¿ Como é possível alguém defender a
liberdade de expressão, de imprensa e de consciência defendendo um monopólio,
seja ele governamental ou privado? Como confundir o direito das pessoas, dos
jornalistas, dos diversos grupos de interesses presentes em uma sociedade
expressarem suas ideias com o fato (posto como direito) do exercício individual
do proprietário ou proprietários de uma mídia, expressar suas convicções
individuais em um meio monopolizado ou oligopolizado. Como é possível sustentar,
que é liberdade de imprensa, o fato de um pequeno grupo de proprietários
ocuparem 60% do espaço da mídia para dizer suas convicções, sua visão de mundo
e defender seus interesses. Esta impossibilidade lógica se choca com a
possibilidade de exercício de poder real, concreto, capaz de desestabilizar um
governo democraticamente eleito.
Este
uso radical e brutal da ideologia (enquanto distorção) ultrapassa uma
argumentação jurídica, política ou econômica: entramos no espaço das ciências "psi"
(psicanálise, psicologia e psiquiatria). As pessoas no poder e mais um grupo de
seguidores crentes estão DELIRANDO.
É
o comportamento de torcida de futebol aplicado à política.
As
pessoas que se encontram no poder, acumularam tanto poder que estão delirando.
Os seus argumentos são delirantes tal o absurdo do poder que acumularam. E a
torcida destes grupos deliram coletivamente, com o agravante que ainda defendem
interesses que não são os seus, e mais, são contra os seus.
No
dicionário Aurélio encontramos no verbete para "delírio": "Distúrbio
de julgamento devido a alteração global da consciência da realidade e que, em
face de um raciocínio correto, não se modifica, ou pouco se modifica." O
delírio ainda causa (e é fácil identificar os delirantes) "imoderada
excitação do espírito; agitação, desvairamento".
[1]
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista, Editora Jorge Zahar, Rio de
Janeiro, 2001, pag. 184.
[2]
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista, Editora Jorge Zahar, Rio de
Janeiro, 2001, pag. 184.
[3]
ZIZEK, Slavoj. Padoyaer en faveur de l'intolerance, Ed. Climats,
Castelnau-le-Lez, 2004, pag.19.
Abaixo, artigo de Jonathan Cook
Internacional| 29/12/2012 | Copyleft 


O sistema político dos EUA sob comando de Rupert Murdoch
Uma conversa gravada mostra que, no primeiro semestre de 2011, Murdoch pediu a Roger Ailes, chefe da Fox News, que fosse ao Afeganistão persuadir o general David Petraeus, antigo comandante das forças militares norte-americanas, a concorrer à presidência como candidato do Partido Republicano nas eleições deste ano. Murdoch prometeu financiar a campanha de Petraeus e apoiar o general com o aparato midiático da Fox News. O caso é perturbador para a imprensa porque desmonta a fachada democrática da política norte-americana. O artigo é de Jonathan Cook.
Jonathan Cook - Commondreams
Uma conversa gravada mostra que, no primeiro semestre de 2011, Murdoch pediu a Roger Ailes, chefe da Fox News, que fosse ao Afeganistão persuadir o general David Petraeus, antigo comandante das forças militares norte-americanas, a concorrer à presidência como candidato do Partido Republicano nas eleições deste ano. Murdoch prometeu financiar a campanha de Petraeus e apoiar o general com o aparato midiático da Fox News.
Os esforços de Murdoch não adiantaram porque Petraus não quis concorrer. “Diga a Ailes que se um dia eu concorrer”, diz Petraeus na gravação, “apesar de que não vou, mas se um dia eu concorrer a proposta será aceita”.
O caso de Petraeus é perturbador para a imprensa justamente porque desmonta a fachada democrática da política norte-americana, uma imagem construida cuidadosamente para que o eleitorado estadunidense se convença de que decide sobre o futuro político do país.
Bernstein está corretamente horrorizado não só com o ataque frontal à democracia mas com a atitude do Washington Post na publicação da matéria. O furo jornalístico foi enterrado na seção de Estilo do jornal e a editora do Post disse que a reportagem, apesar de “barulhenta”, não “justificaria uma primeira página”.
Alinhando-se à editora, o resto da grande mídia norte-americana ignorou ou menosprezou a reportagem.
Nós podemos assumir que Bernstein escreveu seu artigo sob pedido de Woodward, que assim demonstraria de forma encoberta o ultraje a que foi sujeito por seu jornal. A reportagem, com efeito, deveria causar um escândalo político. A dupla presumivelmente esperava que a história incitasse audiências no Congresso sobre o abuso de poder cometido por Murdoch, assim como aconteceu na Grã-Bretanha, onde investigações revelaram como o magnata controlava os políticos e a polícia britânicos.
Como observa Bernstein, “a corrupção por Murdoch de instituições democráticas fundamentais em ambos os lados do Atlântico é um dos casos de maior importância e alcance político e cultural dos últimos 30 anos, uma narrativa em curso sem igual.”
Bernstein só é incapaz de compreender porque os manda-chuvas da mídia não vêem as coisas como ele vê. Ele demonstra grande desalento perante “a falta de interesse da imprensa e dos políticos norte-americanos sobre o ocorrido. Não se sabe se o desinteresse é causado por medo do poderio de Murdoch e Ailes ou da pouca surpresa que traz a postura dos magnatas da mídia.”
Na verdade, nenhuma das explicações de Bernstein para tamanha falha é convincente.
Uma razão bastante mais provável para a aversão ao caso Ailes/Petraeus por parte da mídia norte-americana é que o caso oferece perigo à barreira construida pela mesma mídia que, com sucesso, oculta a cômoda relação entre as corporações (possuidoras da mídia) e os políticos do país.
O caso de Petraeus é perturbador para a imprensa justamente porque desmonta a fachada democrática da política norte-americana, uma imagem construida cuidadosamente para que o eleitorado estadunidense se convença de que decide o futuro político do país.
O caso revela a charada da disputa eleitoral. Poderosas elites manipulam o sistema com dinheiro e a mídia que eles comandam reduzem a escolha dos eleitores a dois candidatos quase idênticos. Esses candidatos sustentam as mesmas opiniões em 80% das questões. Mesmo as diferenças são resolvidas por trás dos panos pelas elites, seja por meio de lobistas, da mídia ou de Wall Street.
A reportagem de Woodward não prova que Murdoch ameaça a democracia. Ela revela a absoluta dominação do sistema político norte-americano pelas grandes corporações. Essas corporações controlam o que vemos e ouvimos e incluem, obviamente, os donos do Washington Post.
Triste é notar que os jornalistas da mídia corporativa são incapazes de enxergar além dos parâmetros que os donos da mídia impõem. E isso inclui mesmo os mais talentosos da categoria: Woodward e Bernstein.
(*) Jonathan Cook venceu o prêmio de jornalismo Martha Gellhorn em 2011. Seus dois últimos livros são sobre a Palestina. Seu novo website éhttp://www.jonathan-cook.net.
Tradução de André Cristi
Nenhum comentário:
Postar um comentário