sexta-feira, 29 de abril de 2011

307- Artigos - Direito a paz e ao meio ambiente - por José Luiz Quadros de Magalhaes e Tatiana Ribeiro de Souza

DO DIREITO À PAZ E AO MEIO AMBIENTE

José Luiz Quadros de Magalhães
Tatiana Ribeiro de Souza

Introdução. 1- Uma abordagem conceitual. 2- Guerra e meio-ambiente. 3- A Construção da Modernidade: A Era Européia. 4- A guerra como necessidade para a expansão econômica. 5- A ideologia substitui a guerra? 6- Capitalismo e a privatização da guerra. Conclusão e Referências.

INTRODUÇÃO

Paz e meio ambiente são dois temas igualmente amplos, razão pela qual poderiam ser tratados separadamente e sob diversas perspectivas. Neste texto tentaremos demonstrar a relação entre paz e meio ambiente a partir da idéia de que a preservação de ambos está fortemente comprometida pelo sistema econômico vigente. A nossa idéia central é de que tanto a paz como o meio ambiente ecologicamente equilibrado são incompatíveis com as práticas econômicas contemporâneas.

A economia de mercado predominante deste a expansão das grandes navegações no Século XVI é sustentada pela exploração incessante de recursos naturais e por conflitos violentos. Tanto a exploração ambiental, quanto os conflitos foram se tornando cada vez mais intensos e sofisticados, ao ponto de nos preocuparmos com a garantia de dois direitos fundamentais: os direitos à paz e ao meio ambiente. Todavia, apenas a preocupação e a garantia formal a esses direitos, não são suficientes para torná-los preservados para a presente e as futuras gerações.

Para falarmos de paz e meio ambiente optamos pela técnica da oposição, isto é, demonstraremos a interdependência entre os dois temas analisando a relação entre a guerra e a degradação ambiental. Para isto faremos um passeio pela história enumerando alguns episódios indicativos da relação promíscua entre o sistema econômico vigente e a destruição do meio ambiente e do ser humano.

1- UMA ABORDAGEM CONCEITUAL

Preliminarmente discutiremos o que compreendemos por paz e meio ambiente, considerando que toda palavra, enquanto um significante, pode apresentar diversos significados, conforme a tradição teórica que se esteja levando em conta.

1.1. A paz positiva

Em sentido amplo entendemos como paz(1) a ausência de conflito entre indivíduos ou grupos, tema que interessa tanto aos estudiosos da moral quanto do direito. Para o nosso trabalho interessa a idéia de paz associada à chamada “peace research”, que se tem desenvolvido nos últimos anos, vale dizer, a paz que põe termo ao tipo de conflito particular que é a guerra, em todas as suas acepções(2). Não se trata apenas de uma das formas de se utilizar a palavra paz, mas da forma mais usual como ela é empregada, antônima de guerra.

Uma observação que deve ser feita em relação ao binômio “guerra e paz” é que apenas a paz é oposição em relação à guerra, mas o contrário não acontece. Encontramos um bom exemplo disso em Bobbio(3), quando fala que repouso (ausência de movimento) e movimento (ausência de repouso) só podem ser compreendidos por oposição, o que não acontece com “paz e guerra”, pois se a paz pode ser considerada como ausência de guerra, o mesmo não se pode dizer da guerra, que tem elementos muito mais complexos do que a simples ausência de paz. Por esta razão “guerra” é considerado o termo forte (positivo, isto é, tem um sentido próprio), enquanto “paz” é considerado o termo fraco nesta relação (tem sentido negativo: apenas não-guerra)(4). Talvez isto explique por que a filosofia política se dedica tanto ao tema da guerra enquanto pouco se tem escrito sobre a paz.

Como vimos só é possível entendermos paz a partir da noção do que seja a guerra. Para efeitos deste estudo consideraremos que a guerra é uma espécie de conflito entre grupos considerados independentes cuja solução é confiada ao uso organizado e durável da violência. Isto faz com que reconheçamos a possibilidade de que haja conflito sem que dois ou mais grupos esteja necessariamente em estado de guerra.

Mesmo considerando que o conceito usual de paz seja o do seu sentido negativo (não-guerra), podemos identificar avanços no sentido de se construir uma definição positiva de paz, que pode variar de uma área do conhecimento para a outra. Para o Direito Internacional a paz é considerada como algo mais do que o estado de não-guerra, significa “um estado de coisas juridicamente ordenado, com tendências a uma certa estabilidade”(5), isto é, a conclusão juridicamente regulada de uma guerra. Por outro lado, a teologia e a filosofia levam em conta, para o conceito positivo de paz, a idéia de justiça. Uma boa referência da relação entre paz e justiça, presente na concepção teológico-filosófica do termo pode se ler em um trecho da Gaudium et spes do Vaticano II (nº 78), in verbis:

“A paz não é ausência de guerra; nem se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta duma dominação despótica. Com toda a exactidão e propriedade ela é chamada «obra da justiça» (Is. 32, 7). É um fruto da ordem que o divino Criador estabeleceu para a sociedade humana, e que deve ser realizada pelos homens, sempre anelantes por uma mais perfeita justiça.” (...)(6)

Como se pode ver, no sentido teologico-filosófico, a paz positiva é mais que um conceito afirmativo, é um valor a ser perseguido e está condicionado aos imperativos da justiça. Por outro lado, o conceito positivo de paz para o Direito Internacional é estritamente técnico e nada tem a ver com a idéia de justiça. Aliás, na medida em que a paz expressa a conclusão juridicamente regulada de uma guerra, ela representa o prevalecimento de um poder superior (militar ou político) e não a conquista dos valores mais virtuosos. Neste sentido, quem está em situação de maior poder na sociedade internacional quer a paz (manutenção do status quo), enquanto quem está em condição desfavorável, quer justiça (seja por meio da guerra ou não).

A filosofia política de Hobbes parte do estado de natureza, considerado como estado de guerra universal e perpétua, em oposição ao estado de paz, que corresponde à sociedade civilizada. Na linha do pensamento hobesiano, que influenciou toda a filosofia política posterior, guerra e paz são compreendidos, respectivamente, como mal e bem absolutos. No entanto, podemos identificar no pensamento político dos últimos séculos duas tendências: 1- a de considerar que nem toda guerra é injusta, assim como nem toda paz é justa; e 2- nem a guerra nem a paz são valores absolutos ou intrínsecos, mas relativos e extrínsecos, vale dizer, o valor do meio depende do valor do fim, de modo que uma guerra pode ser boa, se o fim a que se destina é bom, assim como uma paz pode ser ruim, quando se destina a um resultado de valores duvidosos. O maior problema deste pensamento político é que “qualquer grupo político tende a considerar justa a guerra que faz e injusta a paz que é obrigado a suportar. E quanto ao tribunal da história, seu critério de julgamento não é a justiça ou a injustiça, mas o sucesso.”(7)

1.2. Meio Ambiente

Como prometemos no início deste tópico, faremos também uma abordagem acerca da expressão “meio ambiente” e seus possíveis significados. A primeira observação que podemos fazer é que se trata de mais uma daquelas expressões que caem no gosto popular, virando modismo, e passam a ser utilizadas recorrentemente e muitas vezes até de forma equivocada. Isto se explica, em certa medida, por ser uma expressão relativamente simples e que reforça seu próprio sentido, pois é constituída por duas palavras (meio e ambiente) que expressam o mesmo significado: lugar onde se vive.

A origem da expressão é atribuída ao naturalista francês Geoffroy de Sain Hilaire, que teria usado pela primeira vez a expressão “milieu ambient” em sua obra Études progressives d’um neturaliste, de 1835.(8) Em termos gerais, “meio ambiente” pode ser traduzido como a combinação de toda a complexidade em torno de um indivíduo ou comunidade que esteja sendo analisada, ou mesmo como o lugar onde se desenvolve um ecossistema(9). Dada a sua importância, o meio ambiente torna-se objeto de estudo científico, resultando inicialmente em um ramo das ciências biológicas (a ecologia) e aos poucos vai ganhando contornos de objeto interdisciplinar, passando a ser compartilhada pelas mais diversas áreas do conhecimento científico.

Para as ciências jurídicas a expressão meio ambiente cresce em importância na medida em que passa a ser reconhecida como objeto, e como tal, um bem a ser tutelado. Considerando os aspectos físicos dos lugares onde vivem as sociedade contemporâneas, não há como negar a convergência de dois meios com características muito distintas: o meio natural e o meio artificial. Desta forma, podemos encontrar nos estudos jurídicos a expressão “meio ambiente natural” (constituído pelo solo, água, ar, energia, fauna e flora) e o “meio ambiente artificial” (formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidas pelo ser humano).

Diante das diversas possibilidades de compreensão da expressão meio ambiente, o Direito brasileiro estabeleceu uma referência conceitual na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº6.938/81), considerando-o como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”(10). Esta foi uma maneira encontrada pelo legislador brasileiro de afastar as ambigüidades da expressão meio ambiente e, ao mesmo tempo, utilizar uma definição suficientemente ampla para permitir a regulação dos fatores capazes de afetar a vida. Mesmo que este conceito não atenda a todos os grupos de interesse na questão do meio ambiente, é no mínimo esclarecedor.

Quando nos colocamos diante da tarefa de refletir sobre o direito ao meio ambiente e à paz, precisamos transpor aos conceitos tradicionais de meio ambiente e acrescentar ao seu significado o atributo de “ecologicamente equilibrado”, pois até mesmo um espaço significativamente degradado pode ser um meio ambiente. A grande questão envolvida na relação entre o meio ambiente e a paz é: “qual meio ambiente?”.

2- GUERRA E MEIO AMBIENTE

Podemos fazer uma ligação imediata entre paz e meio ambiente lembrando diversas passagens de conflitos armados em tempos diferentes da história, e como gradualmente estes conflitos levaram às devastações ambientais crescentes, desde a queima de florestas, contaminação da água dos rios (como na guerra do Paraguai), destruição de plantações, a utilização de armas de destruição em larga escala, até chegarmos à ameaça final da guerra nuclear, passando pelas guerras químicas e biológicas.

As devastações do campo e das cidades comprometem o meio ambiente. Os bombardeios em larga escala desde a Segunda Guerra Mundial até as guerras do Iraque e Afeganistão no século XXI trouxeram, em muitos casos prejuízos irreparáveis. Como exemplos recentes, podemos citar a destruição sádica de Dresden (Alemanha - Segunda Guerra Mundial); de Yroshima e Nagasaki (no Japão, onde pessoas ainda morriam em razão da bomba décadas depois da detonação); a destruição de Bagdá e de um acervo histórico de valor incalculável para humanidade, entre outros episódios lamentáveis.

Entretanto, não é apenas esta a conexão que podemos fazer. Podemos buscar uma conexão menos aparente para o público em geral, mas de capacidade de destruição contínua, pois se trata da necessidade da guerra para a sobrevivência do sistema econômico que vivemos na modernidade.

Respeitando as dimensões deste texto precisamos delimitar a questão da paz, da guerra, do meio ambiente e do sistema econômico aos séculos XX e XXI, ou seja, a construção da sociedade de consumo em que vivemos que nos mergulha em valores que comprometem a vida humana no planeta, e não o planeta como muitos ressaltam.

Parece cada vez mais claro que uma sociedade global fundada em valores individualistas; egoístas; competitivos e materialistas, em uma relação de consumo e de apropriação de tudo (o que é contraditório na essência), não pode prosperar muito tempo (mesmo porque a idéia de prosperidade desta sociedade é material e quantitativa, portanto, inviável do ponto de vista ambiental e humano). Ou mudamos estes valores que hoje sustentam nossas sociedades ou acabamos.

Importante lembrar sempre, que estes valores não são naturais, são históricos. O individualismo, o egoísmo e a apropriação desenfreada são construções históricas capazes de gerar subjetividades que podem e são normalmente naturalizadas. Exemplo disto é a afirmação ainda hoje de direitos naturais, como, por exemplo, o direito de propriedade. O sentimento de propriedade ou a necessidade de apropriação são criações culturais históricas. A nossa percepção da nossa condição de seres históricos é fundamental para enfrentarmos o desafio de construirmos novas percepções do mundo, uma nova subjetividade, desafio fundamental para a preservação da humanidade.

Para compreendermos a relação entre sistema econômico e guerra precisamos relembrar alguns conceitos importantes da Teoria do Estado. Ao recordarmos estes conceitos pretendemos oferecer ao leitor elementos de análise crítica que possam permitir não apenas estabelecer a conexão lógica de um sistema moderno que se alimenta essencialmente da guerra, como também, a necessidade de construção de uma nova sociedade política, que permita a construção de relações internacionais fundadas no diálogo e na diversidade cultural.

Assim, a paz capaz de preservar o meio ambiente é um caminho a ser construído na superação do paradigma moderno.

3- A CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE: A ERA EUROPÉIA

Uma data simbólica nos ajuda a compreender a construção da modernidade européia: 1492. Por que esta data? São dois os fatos históricos marcantes que inauguram a modernidade, sendo o primeiro deles a chegada de Colombo, em 1492, à América. Neste momento começa o processo de expansão militar, conquista e exploração sistemática dos que os europeus passaram a chamar de “recursos naturais”, reduzindo esta idéia aos recursos necessários para alimentar a expansão econômica européia. Esta concepção do ser humano separado da natureza e da natureza como fonte de recursos para este ser racional (o único) nos acompanhara até hoje. Esta idéia fundamenta a acelerada e contínua degradação ambiental que hoje, mesmo após todos os alertas sobre as suas conseqüências, continua em ritmo cada vez maior.

Esta invasão que se iniciou na América se estendeu aos outros continentes nos 500 anos de hegemonia militar e cultural européia.(11)

Naquele momento, quando europeus tomavam terras de uso comum de inúmeras comunidades originárias, assistíamos ao primeiro grande genocídio humano com milhões de indígenas assassinados, culturas extintas e o inicio de uma devastação ambiental com precedente na mesma Europa de onde vinham os invasores (que se diziam civilizadores).

O segundo fato histórico importante no ano de 1492 foi a expulsão dos mouros (muçulmanos) e dos judeus da Península Ibérica. Este é o marco para o início da formação do Estado Moderno e do seu direito territorial uniformizador, normalizador e hegemônico.

A fundação do Estado nacional e a expansão européia fundam o universalismo europeu(12) com o qual começamos a romper, lentamente e pontualmente, na contemporaneidade.

Os mitos modernos começam a ajudar a compreender as bases das sociedades de exploração de recursos e pessoas que se constrói a partir de então. Boaventura de Souza Santos(13) menciona os seguintes mitos: o selvagem; o oriental e a natureza separada do ser humano. Como visto, destes mitos, que sustentam a exploração da riqueza das Américas pelos invasores europeus que não consideram os selvagens (os povos originários) como pessoas, a separação do homem da natureza é um dos fundamentos ideológicos do sistema que perdura até hoje: a natureza, vista como algo separado de nós “racionais” serve para ser explorada pelos homens, abastecendo a sociedade humana e sua indústria de todos os recursos que estes necessitarem.

Uma característica essencial do Estado Moderno que deve ser levada em consideração para a compreensão do sistema é o fato deste Estado se constituir a partir da afirmação do poder do Rei diante de dois poderes que ocupam espaços territoriais distintos: o império com grande dimensão territorial e o poder local dos senhores feudais. A lógica que sustenta a idéia de soberania externa (independência) e soberania interna (supremacia de poder) tem uma característica hegemônica uniformizadora que sustenta a extinção de diversos povos e diversas culturas, assim como a submissão (temporária ao que parece) de diversas outras culturas.

Para que o poder do Estado nacional seja reconhecido ele necessita da uniformização de comportamentos da sua população. O Estado Moderno expulsa os mais diferentes(14) e uniformiza valores e comportamentos dos menos diferentes. Assim, para que todos os grupos étnicos do nascente Estado Espanhol reconheçam a autoridade do Rei, este não pode se identificar diretamente com nenhum destes grupos.

O Estado moderno que surge na Europa se pretende hegemônico (superior) em relação ao outro (estrangeiro) e reproduz internamente a lógica hegemônica e intolerante com o diferente uma vez que há sempre a dominação de um grupo étnico sobre os demais.(15)

A lógica que permanece deste Estado e do Direito por ele produzido é logo hegemônica e uniformizadora, subordinando pela força e pela ideologia todos que resistirem à sua supremacia. A ordem internacional também seguiu este modelo o que aparece expresso no Tratado de Versalhes e na Carta das Nações Unidas, no caso desta última quando se refere ao Conselho de Tutela(16). Da mesma forma o Direito Comunitário (que seria uma novidade do pós-guerra) também reproduz o mesmo modelo hegemônico ao impor um sistema econômico específico, fundado em um direito de propriedade uniformizador que ignora as imensas diversidades dos diversos grupos étnicos que habitam o continente europeu.

Em síntese, o processo de proliferação das guerras e de devastação ambiental segue a seguinte lógica:

a) O Estado Moderno, hegemônico e uniformizador é essencialmente violento;

b) Este Estado depende das forças armadas e da polícia para sobreviver, instituições que seguiram sendo desenvolvidas e profissionalizadas nos mais de 500 anos que sucederam à formação do Estado;

c) O modelo hegemônico interno cria as bases da economia capitalista: a moeda nacional, os bancos nacionais e o aparato repressivo do Estado, que sustentam a economia interna; e

d) Este Estado reproduz externamente a lógica hegemônica interna, enquanto a economia interna ultrapassa suas fronteiras em busca de recursos naturais e humanos e consumidores, por meio da conquista militar.

Ou seja, a economia de exploração da natureza e das pessoas ocorrida nos últimos quinhentos anos se baseou na conquista e ocupação militar de todo o planeta pelos europeus. A guerra permitiu a conquista de territórios de onde foram extraídos (e ainda são) os recursos naturais que permitem toda a expansão industrial e tecnológica da Europa. Desde o ouro, a madeira e a prata das Américas, ao coltan(17) da África, o sistema exploratório de recursos naturais por meio da guerra continua em ação, em larga escala.

4- A GUERRA COMO NECESSIDADE PARA A EXPANSÃO ECONÔMICA

A expansão econômica da Europa, iniciada no Século XVI, necessitou (e obviamente ainda necessita) da guerra e da dominação ideológica, para sua expansão.

São vários os exemplos históricos que comprovam a hipótese levantada. Entre eles podemos citar:

a) A exploração da prata, do cobre e do ouro nas Américas Central e do Sul para o financiamento do Império espanhol;

b) A formação do território dos Estados Unidos da América, com a invasão das terras dos povos originários no Norte e a invasão e anexação de parte do território mexicano (rico em petróleo);

c) A exploração do ouro de Minas Gerais enviado para Portugal, que ajudou a financiar a revolução industrial na Inglaterra;

d) A expansão territorial alemã, em busca de recursos naturais negados àquele país e aos seus industriais pelo tratado de Versalhes;

e) A expansão territorial japonesa sobre a Coréia e China, em busca de espaço e recursos naturais para sua indústria;

f) A invasão e repartição da África em muitos Estados artificiais, para a exploração de seus enormes recursos naturais;

g) A invasão e repartição do Oriente Médio em diversos Estados artificiais, títeres da exploração contínua dos seus recursos naturais; e

h) Mais recentemente, a invasão do Iraque em busca do petróleo (que trouxe um enorme peso ambiental com a queima de reservas de óleo).

Poderíamos aqui citar páginas e páginas de relatos de fatos ocorridos nos últimos quinhentos anos de hegemonia européia, que trouxeram consigo a economia capitalista e a acelerada degradação ambiental. Contudo, analisemos pontualmente algumas conseqüências militares da expansão econômica decorrente da Revolução Industrial. Esta expansão não proporcionou uma melhoria uniforme do nível de vida da população. Enormes diferenças sociais criaram cidades industriais inchadas e desiguais. O fruto da expansão foi apropriado por poucos, os mesmos poucos que se utilizaram da estrutura do Estado para garantir a segurança de sua riqueza acumulada, e que agora necessitam do aparato militar estatal para expandir seus negócios (em busca de mão-de-obra barata, novos mercados e recursos naturais). Podemos considerar as Guerras Mundiais do Século passado como resultados da expansão econômica do século XIX, onde as potências econômicas competiam por espaço. Como reflexo desta competição por espaço podemos citar experiências impactantes, tais como o nazismo e o fascismo italiano, bem como seus similares em outros países, especialmente no Japão.

Podemos perceber no início do século XX uma clara competição por espaço entre as seis grandes economias nacionais do planeta (e obvio as empresas nacionais destes países). De um lado Estado Unidos, Reino Unido e França, com muito espaço para exploração de recursos naturais, mão-de-obra e mercados (nas suas muitas colônias), e do outro lado potências industriais importantes, Alemanha (segunda maior economia industrial em 1910), Japão e Itália, em busca do mesmo espaço.

A Primeira e a Segunda Guerra Mundial foram frutos do imperialismo do Século XIX e da acomodação de áreas de influência e exploração das grandes potências industriais. Assim, Alemanha, Inglaterra e Japão (representados pelos interesses de seus empresários e de sua elite política a estes ligados) buscavam os espaços que, por sua vez, Estados Unidos, Reino Unido e França já haviam tomado.(18) Este conflito entre potências industriais capitalistas em nível global é provisoriamente resolvido com o cenário pós Segunda Guerra, aonde “tornou-se necessária” uma Europa ocidental unida, sob o domínio norte-americano, para barrar a expansão do socialismo no leste europeu sob a influência soviética.

Os supostos grupos inimigos da Segunda Guerra se encontram até hoje unidos no grupo dos sete grandes. Exatamente os mesmos: Estados Unidos; Reino Unido; França; Alemanha; Itália e Japão, acrescentando o Canadá que na época era formalmente colônia britânica.

Capitalismo, guerra e degradação ambiental na era européia andam juntos e inseparáveis. A paz parece impossível no sistema vigente. Mesmo que os conflitos tradicionais de guerras entre Estados nacionais, com exércitos fardados, tendam a desaparecer, dando lugar a outras formas de guerra, tais como: guerras civis (como na Colômbia); movimentos guerrilheiros (movimento Zapatista no México); ações terroristas (Al Qaeda); guerrilha urbana e conflitos religiosos (Iraque); guerra não convencional (Afeganistão); conflitos urbanos, tráfico de drogas e criminalidade organizada ou não organizada (nas metrópoles do mundo).

Se a mundialização do sistema capitalista sustentada por uma questionável democracia representativa liberal vai tornando desnecessária a guerra por recursos naturais entre Estados nacionais, o sistema econômico global, pela engrenagem demonstrada, necessita do conflito armado para manter os recursos conquistados, obter novos e manter sob controle qualquer indivíduo ou grupo que comprometam seus interesses.

6- A IDEOLOGIA SUBSTITUI A GUERRA?

Como dito acima, os conflitos armados convencionais (entre Estados nacionais) parecem vir diminuindo, contudo, não ocorre o mesmo com a violência (por recursos e poder) no interior dos Estados, o que se explica, em parte, pela expansão da democracia liberal e a globalização da economia. O fato é que, a guerra entre Estados nacionais de democracia liberal e economia capitalista foi substituída por um eficiente controle ideológico fundado na legitimidade de democracias representativas liberais comprometidas pelo financiamento privado de campanha; corrupção generalizada e desinformação gerada por uma imprensa concentrada nas mãos de conglomerados econômicos. As decisões são aparentemente democráticas porque tomadas por governos eleitos que governam com maioria da opinião pública.

Luis Barrios(19) cita dois exemplos entre vários que ilustram o que dissemos acima. O pesquisador aborda no seu artigo a exportação de riscos ambientais para os países economicamente mais frágeis e com democracias liberais representativas, enquanto os vultosos lucros permanecem nos países hegemônicos (especialmente Europa ocidental e o ocidente americano – EUA e Canadá).

O primeiro caso ocorre no Uruguai a partir de 1998. Seguindo o que vem ocorrendo no Chile, Brasil, Paraguai e Argentina, o governo eleito do Uruguai admite receber investimentos de empresas européias (no caso a ENCE espanhola e a METSÄ-BOTNIA finlandesa) para reflorestamento com fins de produção de papel. Entre os argumentos que fundamentam a propaganda, capaz de ganhar a simpatia da opinião pública sustentando assim a tomada de decisão do governo, estão os tratados de proteção de investimentos e o comércio do carbono instalado sob a proteção dos “mecanismo de desenvolvimento limpo” do protocolo de Kyoto. Estes tratados de proteção de investimento, segundo no informa Luis Barrios, tem a força de neutralizar a mobilização social que ocorre com o deslocamento de culturas tradicionais e expulsão de comunidades étnicas para naquelas terras plantar eucaliptos e pinhos. O mais absurdo é o fato destas plantações serem certificadas como bosques pelo Conselho de Manejo Florestal (Forest Stewardship Council), gerando, portanto, autorizações para continuar emitindo gases estufa nos países de origem dos donos das plantações. Em 2005 uma empresa Sueca (STORA-ENSO) iniciou a formação de seu parque florestal no Uruguai com a pretensão de comprar 90.000 hectares para plantar pinho e eucalipto e instalar uma fábrica de papel às margens de um dos principais afluentes do Rio Uruguai.

Esta prática de exportação de risco ambiental transferindo para os países considerados “subdesenvolvidos econômicos” (e para os europeus subdesenvolvidos sociais, culturais e políticos) os processos mais danosos de produção do papel não é o único exemplo:

“Os danos causados pelas explorações mineiras a céu aberto no Peru, Chile e Argentina; a instalação de industrias químicas que lançam seus dejetos contaminadores em rios e terras ou os armazenam na próprias fábricas; a invasão de culturas transgênicas no Brasil, Paraguai e Argentina, seguidas das correspondentes propagandas de presentes de semeadoras de segunda geração; o assédio das reservas de água doce, em particular as do lenços subterrâneo Guarani; a privatização de reservas naturais com o objetivo de criar novas espécies geradoras de patentes nanotecnológicas; a exportação de lixo tóxico de origens distintas. Enfim, uma lista interminável de decisões de risco e de perigosos empreendimentos em curso.”(20)

Todas estas ações são tomadas hoje por governos eleitos que se sustentam em uma opinião pública tomada pela ideologia (crença) de que a prosperidade do mercado com os investimentos estrangeiros impulsionarão a equidade social, proteção ambiental e segurança coletiva.(21) A silenciosa aceitação da opinião pública de constantes ações tomadas por governos eleitos contra os interesses dos eleitores é tema que necessita ser pesquisado e minuciosamente analisado. Os exemplos são muitos.

“Entre 1998 e 1999, 600 toneladas de sementes de algodão contaminadas, uns 4.000 KG de pesticidas e quantidades indeterminadas de uma bactéria fungicida, tudo fora de uso, foram jogadas em uma localidade próxima à cidade de Ybicuí, distante 120 Km da capital do Paraguai. Os dejetos tóxicos provinham dos Estados Unidos e pertenciam à empresa industrial química DELTA & PINE LAND Co. O caso foi relatado e documentado pelo jornalista Carlos Amorim, 2003, “As sementes da morte”. Desde novembro de 1998, o Paraguai era signatário da Convenção de Rotterdam. Além da óbvia toxidade de todo o carregamento, algumas das substâncias trazidas e jogadas nas proximidades de Ybicuí estavam explicitamente na lista de circulação controlada (PIC). O tratamento abertamente cúmplice que as autoridades paraguaias deram ao ilícito depois da primeira morte causada pelos dejetos é revelador da falta de defesa em que se encontram as populações do mundo subdesenvolvido quando se trata de enfrentar ilícitos por contaminação de poderosas tansnacionais que negociam, diretamente com os governos e com particulares sem escrúpulos.”

Importante notar que o Paraguai era, nesta ocasião, mais uma recente democracia liberal representativa com meios de comunicação concentrados como ocorre em muitos outros exemplos.

7- CAPITALISMO E A PRIVATIZAÇÃO DA GUERRA.

A guerra hoje não é apenas uma necessidade do sistema econômico em busca de recursos naturais e de sua manutenção. A indústria armamentista se tornou um grande negócio que se alimenta da guerra. A engrenagem se tornou mais complexa uma vez que a guerra não é apenas uma necessidade para possibilitar acesso a recursos, mas mesmo que não se necessite de recursos, mesmo que estes recursos estejam militarmente ou ideologicamente assegurados, a guerra se justifica pela necessidade de venda de produtos para a guerra. É a guerra pela guerra.

Não só a indústria armamentista se alimenta da guerra, mas todo um setor de serviços privados foi criado para possibilitar a guerra. Neste momento a engrenagem se ajusta: ações militares em busca de recursos; ações militares para manutenção dos recursos conquistados; ações militares para reprimir os excluídos do sistema econômico; ações militares para gastar os produtos da indústria bélica e finalmente ações militares para empregar os serviços privados de guerra.

Os exemplos também são fartos e basta prestar atenção aos jornais diários especialmente nos conflitos constantes no continente africano.


CITAÇÕES:

1 Não nos interessa aqui fazer qualquer abordagem sobre a idéia de paz interna (e sua oposição à paz externa), uma vez que ela está relacionada a conflitos no interior do indivíduo, tem natureza comportamental e não corresponde ao nosso objeto de estudo.

2 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PAQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol 2. 10ª ed. Brasília: Editora UnB, 1997. p. 911.

3 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PAQUINO, Gianfranco. Ob. cit. p. 911

4 Nem sempre o termo forte é o positivo e o fraco o negativo. Por exemplo, o binômio “ordem e desordem” tem como termo forte a “ordem”, que é o assunto de interesse dos estudiosos do Estado. Possivelmente a explicação para a diferença entre os dois binômios (paz/guerra e ordem/desordem) seja a prevalência de cada um dos termos em uma esfera das sociedades políticas: enquanto as sociedades estatais se caracterizam por uma pretensa “ordem”, a sociedade internacional se caracteriza (para a maior parte dos autores) pela anarquia, que se traduz potencialmente em estado de guerra. Logo, a ordem é o termo forte para o estudo do Estado e a guerra o termo forte para o estudo das relações entre os Estados.

5 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PAQUINO, Gianfranco. Ob. cit. p. 912

6 http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Acesso em 17/02/2010.

7 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PAQUINO, Gianfranco. Ob. cit. p. 914

8 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: RT, 2000, p.52

9 Compreendido como conjunto de interações entre a flora, fauna e microorganismos de um dado lugar, bem como o seu equilíbrio.

10 Lei nº6.938/81, art.3º, I.

11 Quando nos referimos a Europa hegemônica hoje nos referimos ao ocidente ou a OTAN: Europa ocidental, Estados Unidos e Canadá.

12 WALERNSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu: a retórica do poder. São Paulo: Editora Boitempo, 2008.

13 SOUZA SANTOS, Boaventura de. A Gramática do Tempo – para uma nova cultura política. São Paulo: Editora Cortez, 2006, p. 181-190.

14 Tomando como exemplo a Espanha os mais diferentes expulsos são os muçulmanos e judeus e os menos diferentes uniformizados são os diversos grupos étnicos cristãos ibéricos.

15 São vários os exemplos ainda hoje: castelhanos sobre bascos, catalães, galegos e andaluzes, na Espanha; ingleses sobre escoceses, galeses e irlandeses, no Reino Unido. Seguindo-se esta lógica em vários outros Estados (Itália, França, etc). Alguns Estados onde a hegemonia é menos clara as tensões também existem. A Bélgica, tenta solucionar, as hegemonias históricas de franceses e flamengos, com um federalismo assimétrico de grande complexidade.

16 Sobre o tema conferir: SOUZA, Tatiana Ribeiro de. Capítulo XIII – Conselho de Tutela. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (org.). Comentário à Carta das Nações Unidas. Belo Horizonte: CEDIN, 2008. p. 1067 a 1096.

17 Mistura dos minerais: Columbita (de onde se extrai o nióbio) e Tantalita (de onde se extrai o tântalo), O interesse em torno desta combinação mineral se deve às suas propriedades, necessárias na maioria dos eletrônicos portáteis (celulares, notebooks, computadores automotivos de bordo). A República do Congo abriga as maiores reservas de tantalita (na forma COLTAN, ou seja, junto com a columbita) e por esta e outras razões (étnicas, territoriais e políticas) se desenrola uma guerra civil há anos em torno da posse das minas. De acordo com a ONU já morreram mais 4 milhões de pessoas na dispusta pelo "ouro azul". Outro dado impressionante é o faturamento de mais de US$250 milhões que teve o Exército de Ruanda, no comércio do caro mineral, sendo que não há mineração de Coltan neste país vizinho do Congo. A falta de medidas protetivas ao meio ambiente, associada às dificuldades de extração destes minerais caros e raros na natureza), vem tornando a mineração de columbita-tantalita complexa, e de alto custo humano e ambiental.

18 http://pt.wikipedia.org/wiki/Coltan

19 Obviamente não ignoramos as potências medianas que também participaram da divisão global dos recursos com força diferenciada em momentos diferentes como Portugal, Espanha, Holanda e Bélgica, entre outros.

20 BARRIOS, Luis. “O difícil diálogo entre estratificação social e a sociedade do risco”. In: VARELLA, Marcelo Dias (org.) Direito, Sociedade e Riscos – a sociedade contemporânea vista a partir da idéia de risco. Brasília: Uniceub e Unitar, 2006.

21 BARRIOS, Luis. ob. Cit. p. 235-236.

22 Trabalhei em diversos textos de minha autoria a questão da ideologia e do encobrimento do real.


REFERÊNCIAS:

BARRIOS, Luis. “O difícil diálogo entre estratificação social e a sociedade do risco”. In: VARELLA, Marcelo Dias (org.) Direito, Sociedade e Riscos – a sociedade contemporânea vista a partir da idéia de risco. Brasília: Uniceub e Unitar, 2006.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PAQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol 2. 10ª ed. Brasília: Editora UnB, 1997.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: RT, 2000.

WALERNSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu: a retórica do poder. São Paulo: Editora Boitempo, 2008.

SOUZA SANTOS, Boaventura de. A Gramática do Tempo – para uma nova cultura política. São Paulo: Editora Cortez, 2006. p. 181-190.

Lei nº6.938/81, art.3º, I.

http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Acesso em: 17/02/2010.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Coltan. Acesso em: 17/02/2010

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