sexta-feira, 15 de abril de 2011

278- Coluna do professor Virgilio de Mattos - CHEGAM OS BOLETOS DA CONTA DE PORTUGAL

CHEGAM OS BOLETOS DA CONTA DE PORTUGAL

Virgílio de Mattos

Você que já pagou o IPVA, o IPTU, agora se prepare para pagar o IPPOR, isso mesmo: o imposto sobre Portugal. A colônia volta a socorrer a metrópole.
Que crise é essa em que Portugal se meteu?
Boaventura de Sousa Santos publicou um interessante artigo na sexta-feira última, sustentando que a receita do Fundo Monetário Internacional (e todo brasileiro sabe quão amarga ela é) só irá aprofundar ainda mais a crise em que anda metido Portugal.
Que crise é essa em que Portugal sem meteu?
Com a ironia e agudeza que o tornam genial, embora se apresente, modestamente, como Diretor do Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado, da Universidade de Coimbra, Boaventura é o mais inteligente crítico da atual situação portuguesa e descreve o “itinerário” da intervenção: a) o FMI faz declarações solenes de que a situação do país é muito mais grave do que se tem dito; b) passa-se à privatização do que ainda resta do setor empresarial e financeiro do Estado, com o corte de subsídios públicos e a máxima precarização do trabalho, dispensas no serviço público, cortes nas aposentadorias e salários. Só assim se consegue o seal of approval do sinistro fundo.
O fundamental não é o pagamento da dívida externa portuguesa, sabidamente impagável, mas o pagamento do serviço da dívida, seus juros e, sobretudo, que o país seja refém daquela nefasta política econômica.
Há, entretanto, algumas questões que o FMI não regula, e nem pode, fiel servidor dos interesses financeiros estadunidenses: garantir as rendas financeiras excessivas, fazer com que os outros paguem os boletos da última crise do escândalo das hipotecas duplas.
Boaventura tem razão em quase tudo.

Diz o sábio sociólogo que ‘pode haver complicadores’, com o que também concordamos, “os portugueses podem revoltar-se”. Sinceramente não creio nisso.
Sabemos, por experiência própria, a dificuldade em se realizar uma auditoria da dívida externa, reduzindo-a a sua real proporção. Também nós pagamos várias vezes por uma dívida que não contraímos e fizemos isso sem nos revoltarmos, o que é a mesma história.
O emergencial é que Portugal consiga empréstimos – sem as condições draconianas do FMI – e Boaventura sugere que sejam procurados a China, o Brasil e, quem diria, Angola.
Boaventura propõe o diálogo Sul-Sul e “refundar o projeto europeu, já que o atual está morto”. E, de longe a ideia mais fácil quanto importante: “Promover a criação de um mercado de integração regional transcontinental, tendo como base a CPLP (Comunidade dos países de língua portuguesa) e como carros-chefes Brasil, Angola e Portugal. Usar como recurso estratégico nessa integração a requalificação da nossa especialização industrial em função do extraordinário avanço do país nos últimos anos nos domínios da formação avançada e da pesquisa científica”.
Depois da Grécia, da Irlanda, a bola da vez é mesmo Portugal.
Que crise é essa em que Portugal se meteu?
O governo demissionário funciona apenas mantendo a forma e as aparências, para que não se instale a anomia, as eleições de 5 de junho é que darão o tom do futuro? Inclusive sobre como se pagará os 80 bilhões de euros que se pede, ou que se aproxima do tamanho do rombo?
Já vimos esse filme no passado. Na ficção é terrível. Na prática só pode mesmo dar errado.
Talvez uma volta àquilo que essa nossa terra já foi: um imenso Portugal.
Oxalá o atlântico não se transforme em um vale de lágrimas... portuguesas, nós que já choramos vários atlânticos pagando o serviço da dívida. Pelo menos um par de gerações dos nossos.
Quando o remédio é pior do que a doença nenhuma esperança parece haver o paciente.
Ou talvez Boaventura tenha razão nisso também: pode o povo português revoltar-se, como já fez uma vez e à guerra colonial preferiu cravos vermelhos. E, em vez de pagar o boleto do FMI, rasgar todas as contas e desatar todos os nós.
Que crise é essa em que Portugal sem meteu?
É a crise do capitalismo. Não a mais recente, a desse estelionato das duplas hipotecas estadunidenses, de 2008. É a crise estrutural, a final.
Vai me dizer que não é uma possibilidade?


- Do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade. Do Fórum Mineiro de Saúde Mental. Autor de Crime e Psiquiatria – Preliminares para a Desconstrução das Medidas de Segurança, A visibilidade do Invisível e De uniforme diferente – o livro das agentes, dentre outros. Advogado criminalista. virgilio@portugalemattos.com.br

2 comentários:

  1. Sim meu amigo Virgilio. É uma possibilidade, é uma grande possibilidade e sem dúvida uma necessidade. Este sistema é inviável!

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  2. É o velho espiral da história trocando de figurinos, tempo mas com os mesmos personagens...

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