Transfobia e escola por Rogerio Diniz Junqueira
A transfobia, que costuma ser a manifestação mais letal da homofobia e do heterossexismo, na escola encontra maneiras bastante perversas para se manifestar, negar a humanidade e excluir.
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O preconceito, a discriminação e a violência, que na escola atingem lésbicas, gays e bissexuais e lhes restringem direitos básicos de cidadania, se agravam enormemente em relação a travestis e transexuais. Essas pessoas, ao construírem seus corpos, suas maneiras de ser, expressar-se e agir em nítida dissidência em relação às normas de gênero, não passam incógnitas, pois elas, mais do que ninguém, não tendem a se conformar à pedagogia do armário. Não raro, ficam sujeitas às piores formas de desprezo, abuso e violência. Por estarem situadas nos patamares inferiores da “estratificação sexual”, seus direitos são sistematicamente negados e violados sob a indiferença geral.
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Não por acaso, diversas pesquisas têm revelado que as travestis constituem a parcela com maiores dificuldades de permanência na escola e de inserção no mercado de trabalho. Os preconceitos e as discriminações a que estão cotidianamente submetidas incidem diretamente na constituição de seus perfis sociais, educacionais e econômicos, os quais, por sua vez, serão usados como elementos legitimadores de ulteriores discriminações e violências contra elas. A sua exclusão da escola passa, inclusive, pelo silenciamento curricular em torno delas.
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Privadas do acolhimento afetivo, em face das suas experiências de expulsões e abandonos por parte de seus familiares e amigos, são alvo de inúmeras formas de violência por parte de vizinhos, conhecidos, desconhecidos e instituições. Com suas bases emocionais fragilizadas, travestis e transexuais, na escola, têm que encontrar forças para lidar com o estigma e a discriminação sistemática e ostensiva por parte de colegas, professores/as, dirigentes e servidores/as escolares. As experiências de chacota, ridicularização e humilhação, as diversas formas de opressão e os processos de segregação e guetização a que estão expostas as arrasta como uma “rede de exclusão” que vai se fortalecendo, na ausência de ações de enfrentamento ao estigma e ao preconceito, assim como de políticas públicas que contemplem suas necessidades básicas, como o direito de acesso aos estudos, à profissionalização e a bens e serviços de qualidade em saúde, habitação e segurança.
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Como os relatos ilustram, nas escolas elas tendem a enfrentar obstáculos para se matricular, participar das atividades pedagógicas, ter suas identidades minimamente respeitadas, fazer uso das estruturas das escolas (os banheiros, por exemplo) e conseguir preservar sua integridade física. Por que pode ser tão difícil e perturbador reconhecer o direito de uma pessoa ser tratada da forma em que ela se sente confortável? O nome social não é um apelido e representa o resgate da dignidade humana, o reconhecimento político da legitimidade de sua identidade social.
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Não raro, o currículo em ação eclode e se explicita nas atitudes dos/as professores/as frente à diferença. Com efeito, um/a docente, ao se recusar a chamar uma estudante travesti pelo seu nome social, está ensinando e estimulando os/as demais a adotarem atitudes hostis em relação tanto a ela quanto à diferença/diversidade sexual em geral. Trata-se de um dos meios mais eficazes de se traduzir a pedagogia do insulto e o currículo em ação em processos de desumanização e exclusão.
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Ao lado disso, é preciso sublinhar que a espacialização é um dos procedimentos cruciais dos dispositivos de poder. Bem por isso, é um dos aspectos centrais do currículo, que se verifica na esteira dos processos de divisão, distinção e classificação que este continuamente opera. A violação do direito ao acesso ao banheiro é um exemplo que mostra que os processos de espacialização são acompanhados de naturalizações extremamente sutis, que se desdobram em interdições e segregações.
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Uma aluna travesti dificilmente poderá, em segurança, arrumar-se diante do espelho em um banheiro masculino. Pesquisas trazem depoimentos de travestis que relatam episódios frequentes de agressões e estupros nos banheiros masculinos, em que elas acabaram punidas e não os agressores. Na escola, negar o direito do uso do banheiro conforme a identidade de gênero de alguém (e não necessariamente segundo seu sexo biológico) corresponde a negar-lhe o direito à educação. Quem não pode ir ao banheiro não pode permanecer na escola.
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Para que as pessoas transgênero (especialmente travestis ou transexuais) tenham seus direitos de cidadania assegurados (entre eles o de receber uma educação de qualidade), é indispensável garantir-lhes o direito de serem tratadas em conformidade com suas identidades de gênero. O reconhecimento da legitimidade da transgeneridade é decisivo para assegurar-lhes direito à autodeterminação de gênero e dignidade humana.
E o que normalmente passa despercebido é que a transfobia, em todas as suas manifestações, ao negar a humanidade de travestis e transexuais, reduz a humanidade de todos/as, compromete a dignidade de cada pessoa e, na educação, não apenas impede o acesso e a permanência de travestis e transexuais na escola, mas representa um real obstáculo à qualidade da educação.
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A diversidade é pedagógica, e todos/as temos direito a uma educação não-sexista, não-homofóbica, não-racista, não-classista. No entanto, uma escola que permite e cultiva preconceitos e que ensina a discriminar não tem como oferecer educação de qualidade. Ao contrário, uma escola que reconhece a diversidade e que vê como legítima a expressão da diferença sexual, de gênero e de raça é uma escola melhor para todas as pessoas.
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por Rogerio Diniz Junqueira