COMUNIDADES AMEAÇADAS DE DESALOJAMENTO NA REGIONAL BARREIRO
1. Comunidade Camilo Torres (140 famílias na Vila Santa Rita no Vale do Jatobá)
O imóvel objeto da contenda pertencia ao Estado de Minas Gerais, através da Companhia de Distritos Industriais, atual CODEMIG. Em 1992, a CDI transfere para a Borvultex Comércio e Indústria Ltda, terreno localizado na Avenida Perimetral, nº 347, Bairro Vila Santa Rita, nesta Capital, com suposta área de 12230m². Cerca de 9450 m² de área privada e, aproximadamente, 2770 m² de área pertencente ao Município de Belo Horizonte.
Borvutex assumiu o encargo de ali se construir um empreendimento industrial no prazo de 24 meses. A área restou em completo abandono.
Em 2004, sem contar com a anuência da Codemig, a Borvutex promete vender à Victor Pneus o referido imóvel. Por força do contrato, a posse do imóvel seria repassada para a Victor Pneus. De se ressaltar que o valor desta transação foi de apenas R$ 15 mil reais, quando somente o IPTU da área indicava o valor venal de R$ 250 mil reais.
O terreno continuou no mais completo abandono, sem que a Codemig fizesse algo para reverter ao patrimônio público o imóvel, considerando o não cumprimento do encargo.
Neste contexto, famílias sem-casa foram ocupando a área. Em abril de 2008, um contingente maior ocupou as áreas ainda remanescentes. O suficiente para a Victor Pneus ingressar em juízo com Ação de Reintegração de Posse.
O juiz da 10ª Vara Cível de Belo Horizonte não concedeu a liminar de reintegração de posse, Esta foi concedida em sede de Agravo de Instrumento, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.( Autos do Processo n.º 0024 08 969 846-8).
Na petição inicial da Vitor Pneus a referência à área é vaga. Não se atende aos requisitos legais de perfeita individualização da área a ser reintegrada na posse.
Sequer croqui da área fora juntado com a inicial. Impossível, pois, o cumprimento do Mandado de Reintegração de Posse sem a presença deste requisito.
A área que fora repassada pela Borvutex para o Município de Belo Horizonte, também restou em completo abandono. Após sua ocupação por famílias pobres, o Município postulou a reintegração de posse na área, tendo conseguido liminar.
Atualmente a comunidade Camilo Torres se vê na iminência de desalojamento forçado, vez que Mandado de Reintegração de Posse já foi expedido em seu desfavor.
Uma moradora da comunidade Camilo Torres opôs Embargos de Terceiro perante o juiz da 10ª Vara Cível da Capital. Juntou farta documentação, dando conta da irregularidade presente na transferência do imóvel da Codemig para aBorvutex e, desta, para a Vitor Pneus. Requereu a intervenção do Ministério Público no feito.
O promotor Heleno Rosas, ao invés de se manifestar sobre a matéria, deu parecer favorável à reintegração de posse da Vitor Pneus, postulada em outro processo. Permaneceu silente sobre as irregularidades relativas ao patrimônio público.( Processo nº 0024.08.181.421-2).
Em meados de 2009 a comunidade Representou junto à Promotoria do Patrimônio Público, denunciando os fatos acima descritos. Em fevereiro de 2011 aquela Promotoria ajuizou Ação Civil Pública em que reconhece a irregularidade denunciada. Falta de licitação, descumprimento do encargo e improbidade. Pede a reversão do imóvel para a Codemig (autos de nº 0445251-81.2011.8.13.0024, que tramitam perante o d. Juízo da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Estadual).
O Ministério Público Federal, através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, tendo presente a iminência do cumprimento dos mandados de reintegração de posse, oficiou ao Comandante da Polícia Militar, responsável por dar cobertura ao Sr Oficial de Justiça. Em referido ofício, requisita informações sobre as medidas tomadas pelo Poder Público para que, no caso de desalojamento forçado de comunidades, sejam respeitados os Direitos Humanos assegurados na Constituição da República e nos Tratados Internacionais firmados pelo Brasil
O governo do Estado, por inúmeras vias, foi procurado para buscar uma solução menos traumática para o problema. Quem deu causa a tal problema, fundamentalmente, foi o Estado de Minas Gerais, através da Codemig. Também pela ausência de uma política do Estado para a população de baixa renda que vive em Belo Horizonte. Nos últimos 20 anos uma casa sequer foi construída pelo Estado de Minas Gerais para os pobres que moram em Belo Horizonte.
Em reuniões promovidas pela Polícia Militar, visando o cumprimento da ordem judicial, a empresa Vítor Pneus e o Município de Belo Horizonte têm se mostrado intransigentes. Pleiteam o desalojamento das famílias, sem que se ofereça abrigo para as crianças, idosos e enfermos ali vivendo. Asseguram, temporariamente, depósito para os bens móveis.
2.Comunidade Irmã Dorothy (120 famílias na Vila Santa Rita no Vale do Jatobá)
O imóvel objeto da contenda pertencia ao Estado de Minas Gerais, através da Companhia de Distritos Industriais, atual CODEMIG.
Em dezembro de 2001 a CDI-MG – Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais celebrou contrato com a empresa PARR PARTICIPAÇÕES LTDA, com sede em São João Nepomuceno, pelo qual o imóvel constituído pelo lote 26 – vinte e seis – do quarteirão 155 – cento e cinqüenta e cinco – do Bairro Jatobá – Distrito Industrial seria transferido para referida empresa, SOB A CONDIÇÃO DE, NO PRAZO DE VINTE MESES, SER REALIZADO NO LOCAL UM empreendimento industrial, gerando empregos na região.
Exatos cinco meses após a celebração do referido contrato a empresa PARR Participações Ltda., contando com a anuência da CDI-MG, transfere o imóvel para o Banco Rural S/A, como dação em pagamento.
Da CDI (atual CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais), dita empresa adquiriu o imóvel pelo valor de R$ 121.000,00 e o repassou para o Banco Rural, cinco meses depois, por R$ 600.000,00. Mais do que 500% acima do valor pelo qual o Estado, por meio da CDI, repassou o imóvel ao particular.
O encargo da implantação de um empreendimento industrial na área, outrora pública, foi remetido ao esquecimento. Assim, matreira e astutamente, um BEM PÚBLICO é transferido para o particular, sem que a sua destinação seja alcançada.
Transcorridos os vinte meses estabelecidos na cláusula nada foi feito no local, e os anos se passaram desde então sem que fosse dada nenhuma destinação ao imóvel. Seis anos depois, sem que o encargo tenha sido cumprido, a mencionada CODEMIG, sucessora da CDI, permaneceu inerte. Nada fez para reverter ao patrimônio público o imóvel em questão.
Pois bem, embora assentado em explícita ilegalidade, o Banco Rural S/A celebra, em 2007, Contrato Particular de Compra e Venda com a empresa TRAMMM LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS LTDA e outras pessoas físicas pelo valor de R$ 180.000,00. Três anos se passaram sem que sequer a Escritura de Compra e Venda tenha sido providenciada. O imóvel, por mais de dez anos, restou em completo abandono. O local servia unicamente para bota-fora de resíduos sólidos.
Fica o registro no fato do Banco Rural ter recebido o imóvel pelo valor de 600 mil reais e o ter prometido em venda por apenas 180 mil reais.
Em fevereiro de 2010, a empresa Tramm e outras pessoas físicas, sem que proprietários fossem do imóvel, celebram Contrato de Promessa de Compra e Venda com ASACORP EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇOES S/A, pelo valor de R$ 580.000,00. Também esta nova empresa sequer uma estaca implanta no local. O terreno continua, em parte sendo depósito de entulhos. Em outra parte, passou a abrigar famílias que ali se foram se instalando como extensão da comunidade Camilo Torres. A esta extensão da comunidade se passou a chamar Comunidade Irmã Dorothy.
A ASACORP EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇOES S/A ingressou, junto ao Município de belo Horizonte, com pedido de aprovação de projeto habitacional a ser financiado pela Caixa Econômica Federal.
Contudo, em ofício endereçado ao Ministério Público Federal, através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, a Caixa Econômica Federal comunica a retirada da ASA Corp do empreendimento e de qualquer negócio com TrAMm e outros.
Por outro lado, de se sublinhar que o a região em que se encontra o imóvel é destinada a indústria e não a residência, conforme Plano Diretor do Município de Belo Horizonte.
Em julho de 2010, a comunidade Ir Dorothy Representou ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais, noticiando a irregularidade na transferência do bem público para particular. A Representação foi recebida pessoalmente pelo Sr Procurador Geral de Justiça. Até a presente data, porém, não se tem informações sobre as medidas tomadas pelo Ministério Público relativas à matéria.
Ainda em julho de 2010, a comunidade Representou ao Ministério Público Federal, noticiando as mesmas irregularidades. Foi instaurado um Inquérito Civil Público, a fim de apurar os fatos e, inclusive, a ocorrência do crime de lavagem de dinheiro.
A empresa Tramm e outros ingressaram com Ação de Reintegração de Posse em desfavor da comunidade Ir Dorothy. O juiz da 3ª Vara Cível do Fórum Regional do Barreiro concedeu a liminar. O mandado de reintegração de posse já foi expedido(Autos do Processo n.º 0056753-19.2010.8.13.0024
Embargos de Terceiro foram opostos por parte de moradores da comunidade Ir Dorothy. O Ministério Público deu parecer favorável à suspensão do processo principal e, por conseguinte, da liminar de reintegração de posse. O juiz da 3º Vara Cível do Fórum Regional Barreiro, porém, indeferiu a inicial, de plano, e extinguiu o processo.
Sublinhe-se que os recursos interpostos não transitaram em julgado. A decisão de primeiro grau de jurisdição diz respeito apenas a liminar, O mérito da existência ou não de posse da empresa ainda não foi enfrentado.
O Ministério Publico Federal, através da Procuradoria Regional do Direitos do Cidadão, oficiou à Polícia Militar, requisitando informações sobre as medidas tomadas pelo Poder Público para o caso de desalojamento forçado de inteira comunidade. Visa, assim, que sejam preservados os Direitos Humanos assegurados na Constituição da república e nos Tratados Internacionais firmados pelo Brasil.
Proposta das Comunidades
1. Que o Estado de Minas Gerais tome todas as medidas cabíveis e urgentes para reverter ao patrimônio público referidas áreas. E que se busque, junto ao Poder Judiciário a suspensão de toda e qualquer medida liminar de reintegração de posse, até que as medidas a serem tomadas pelo Estado cheguem a seu termo, inclusive com a participação do Ministério Público.
2. No caso de serem construídas unidades habitacionais no local, financiadas pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, que sejam as famílias das comunidades contempladas com referidas unidades habitacionais.
3. Que se constitua uma Comissão de Negociação, formada com representantes do Estado de Minas Gerais, da Prefeitura de Belo Horizonte, da Arquidiocese de Belo Horizonte e das Comunidades Camilo Torres e Irmã Dorothy, com o fim de, pelo diálogo, se buscar uma solução viável para o problema.
Belo Horizonte, 21 de março de 2011
Prof. Fábio Alves dos Santos
Serviço de Assistência Judiciária da PUC Minas
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