As potências ocidentais e a Líbia: uma hipocrisia sem fim mesclada no grande desprezo do fraco.
Sébastien Kiwonghi Bizawu
Nossos leitores já foram bem informados pelo artigo do Frei Beto de 22/03/2011 sobre a intervenção ocidental na Líbia. É inegável que os países que declararam guerra contra Kadhafi estejam movidos por outros motivos além do aspecto econômico.
O presente artigo procura analisar os diferentes aspectos do conflito aberto entre a família Kadhafi, de um lado e o ocidente devidamente representado pelos Estados Unidos da América, França e Grã Bretanha, tutores dos opositores líbios, do outro.
A proteção dos civis em Benghazi e a promoção, defesa e tutela dos direitos humanos é uma plataforma construída pelo ocidente que esperava uma oportunidade para se vingar de Kadhafi por seus ideais sobre África com a formação dos “Estados Unidos da África”, despertando a consciência adormecida de muitos chefes de Estados africanos, convidando-os a abraçar o panafricanismo de Kwamek Nkrumah, Hailé Salessié e Patrice Lumumba e pedir indenizações à Europa pelas atrocidades cometidas durante a colonização.
Os ataques contra Kadhafi se inserem na lógica da própria história da humanidade que oscila entre a ordem e a desordem, entre a dominação dos impérios e a anarquia das guerras múltiplas, entre a estabilidade e instabilidade. (cf SOL, Chantal del . La grande méprise. Paris: La Table Ronde, p.88)
Atualmente, vivemos a era do grande desprezo das grandes potências para com os povos africanos e árabes, agredindo militarmente um dos seus dirigentes em exercício em nome de uma democracia sem valores éticos nem princípios de direito internacional sob a chancela da Organização das Nações Unidas (ONU), vista como a caixa de ressonância da estratégia dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Os ataques à Líbia também nos fazem lembrar a estratégia hegemônica do governo Bush que, em nome da Segurança Nacional, “declarava ser seu direito de recorrer à força para eliminar qualquer ameaça detectada contra a hegemonia global americana, prevista para ser permanente.”(CHOMSKY, Noam. O império americano: hegemonia ou sobrevivência. Trad.Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevir, 2004, p.8-9)
O que é preocupante para a humanidade é que a estratégia consiste em escolher aquele que incomoda e que se torna ameaça às pretensões ocidentais de dominar permanentemente o mundo. Kadhafi entendeu muito bem o jogo do ocidente e se tornou uma ameaça por ter humilhado várias vezes os Estados europeus e os EUA. Vale lembrar os bombardeios da era Reagan contra Tripoli, matando uma filha de Kadhafi e as humilhações que sofreu a Suiça, ao prender o filho de Kadhafi, o atentado contra o avião da Pan Am em Lockerbie (Escócia) com 259 passageiros e a visita de Kadhafi na Itália em 28 de agosto de 2010, obrigando esta última a assinar um memorando de amizade em que a Líbia receberia 5 bilhões de dólares para compensar os 31 anos de colonização (1911-1942) e a construção de 1.700 Km de estradas, mais a concessão de bolsas de estudos aos estudantes líbios e a cooperação nos setores de pesquisa, ensino superior e técnico. Ao aquecimento das relações bilaterais, acrescentam-se os investimentos na Líbia do grupo italiano ENI no valor de 25 bilhões de euros. Para o Patrono desta empresa, Paolo Scaroni, a Líbia é “a pupila de seus olhos.”(sic) Não se pode olvidar que a Itália é o terceiro maior Estado europeu investidor na Líbia.
Vale ressaltar os investimentos da França naquele país. Em 2007, após a soltura das enfermeiras búlgaras, Nicolas Sarkozy em visita oficial na Líbia (a segunda de um chefe de Estado francês após a de Chirac em 2004), escreveu no livro de Ouro as seguintes palavras: “Estou feliz por estar em seu país para falar do futuro.” (www. Saphirnews.com de 26/07/2007).
E hoje, pode-se indagar, de que futuro falava Sarkozy? Um futuro tenebroso para Kadhafi e a Líbia ou um futuro radiante de cooperação econômica, social e cultural? Obviamente, tratava-se de cooperação econômica entre os dois Estados porque, na ocasião, o memorando preconizava o fornecimento à Líbia de um reator nuclear para uso civil e a venda de armas e a caças “Rafale”.
Com o início das hostilidades, um dos filhos de Kadhafi, Saïf Al-Islam, fez revelações bombásticas à Euronews de que a Líbia havia financiado a campanha presidencial de Sarkozy. Em palavras claras, Sarkozy chegou à presidência graça ao dinheiro de Kadhafi que, hoje, ele procura derrubar. Por que verticalizar as relações internacionais entre Estados? O porquê da imperatividade categórica das relações entre ocidente e o resto do mundo? Sarkozy tornou-se um novo Bush à procura da credibilidade perdida na França. A ascensão da Marine Le Pen de FN comprova as fraquezas de Sarkozy internamente. É preciso reconquistar a popularidade de um presidente firme nas decisões e de uma França protetora de direitos humanos. Kadhafi não é a principal ameaça da democracia na África ou no mundo árabe.
A grandiosa estratégia do ocidente é a mesma do Bush, encarnado em Sarkozy: em primeiro lugar, escolher o alvo fraco, em seguida fazê-lo desacreditar na opinião mundial (comunidade internacional) e mais tarde atacá-lo após justificativas mentirosas. Percebe-se que, mais uma vez, Os Estados Unidos, a França e Grã-Bretanha, montaram o palco do circo para fazer desacreditar Kadhafi denominado ditador, 42 anos no poder (discurso endossado pela mídia internacional sem questionar porque sobreviveu durante todo este tempo).
A realidade é que Kadhafi incomoda o ocidente e se tornou perigoso por criar uma consciência africana de resistência e de lutas contra a Europa e os EUA, desde a criação da União Africana em Syrte, sua cidade, e por financiar inúmeros projetos em vários países africanos que, antigamente, se humilhavam para receber migalhas financeiras da Europa sob condições de promover a democracia, a boa governança e o desenvolvimento com respeito aos direitos humanos. Com Kadhafi, muitos Estados africanos foram beneficiados. É o caso do Mali com várias ações de Kadhafi nas regiões de Tombouctou, de Gao e de Kidal. Houve financiamento na construção da cidade administrativa de Bamako, da grande mesquita de Ségou e da TV nacional (cf www.maliweb.net)
Nota-se também a presença das empresas líbias no Mali, por exemplo, a LAP (Libyan Arab Portofilo), mediante Oilibya, Malibya, Laïco investindo na agricultura, hoteleria e hidrocarbure.
São numerosas as ações panafricanistas da Líbia sem contar com a contribuição de Kadhafi no orçamento da manutenção da Sede da União Africana (UA) em Adis Abeba (Etiópia) cerca de 80 %. Quantas pessoas perderão empregos na Sede da UA com a derrubada do único grande benfeitor que injetava dinheiro naquela instituição por acreditar na implementação dos “Estados Unidos da África”? Seria a volta dos colonizadores para reduzir de novo os dirigentes africanos à perpétua mendicância em troca de recursos naturais?
Kadhafi perturba por ter oferecido mercado petrolífero à China, deixando para trás a União Européia e os EUA, e, nos tempos remotos, por ter financiado, na visão ocidental, o terrorismo num mundo bipolarizado, com a bandeira de socialismo. Kadhafi ama África e tem ajudado muitos dirigentes africanos indexados pela União Européia (EU), mas que sobrevivem graça à ajuda da Líbia. Evidentemente, tal atitude desagrada aos EUA e aliados.
Sem embargo, a meta ocidental é derrubar o benfeitor dos pobres e o idealizador de uma África unida que negaria a Corte Penal Internacional, considerada seletiva, assimétrica e discriminatória.
Outro fato relevante é que a Europa não perdoa a Kadhafi por ter humilhado a Suiça, preconizando o desaparecimento da mesma ou do seu desmembramento em duas regiões: uma ficaria com a Itália e a outra com a França. Para o “guia da revolução líbia”, a Suiça é um Estado mafioso, financiador e garantidor da lavagem de dinheiro e do terrorismo interno.
Considera-se também Kadhafi perigoso no âmbito religioso. Para ele, o Islã deve se tornar a religião de toda a Europa. (cf Visita na Itália em 28 de agosto de 2010). “A Europa deve se converter a Islã.
Outro ponto de divergência para derrubar Kadhafi é o seu desentendimento com a Liga dos Estados Árabes que ele considera “vassalos a serviço dos Estados Unidos.” Suficiente declaração para atrair a raiva daqueles que lhe dariam apoio no plano internacional. O que justifica a aprovação pela Liga da resolução 1973, autorizando a zona de exclusão aérea na Líbia.
Sem dúvida, Kadhafi revolucionou a Líbia e merece um reconhecimento. Assentar a intervenção militar nos 42 anos de ditadura não é motivo suficiente porque ainda está de pé a monarquia ditatorial da Arábia Saudita, grande aliada dos EUA e EU para atacar o Iraque.
O que garante o advento da democracia com os opositores apoiados pela coalizão ocidental? Quantas rebeliões o ocidente apoiou e que se tornaram em ditadura ou regimes sanguinários? A história nos dirá a verdade.
Um espaço para pensar e discutir política, direito, arte e qualquer outro assunto que nos permita buscar desocultar o que querem insistentemente esconder.
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Parabéns Professor por essa grande iniciativa!
ResponderExcluirEssa sua ideia é de grande valia para todos aqueles que almejam receber conhecimentos plurais.
Agora seu blog é roteiro obrigatório de minhas leituras diárias.
Deivide Júlio
Boa noite!
ResponderExcluirSou estudante de Direito em Barra Mansa e venho agradecer pelo seu artigo que é de extrema valia, posto que na minha visão o SR está corretíssimo com sua pesquisa.Espero que sempre poste, para que assim possamos ser beneficiados com tamanha inteligência e sabedoria.
Getúlio Ferreira Oliveira