sexta-feira, 14 de outubro de 2011

758- Carta resposta ao Estado de Minas

Belo Horizonte, 11 de outubro de 2011.

À redação do Jornal Estado de Minas
Belo Horizonte, MG

Ref: Carta resposta à publicação da reportagem “A cidade dos sem-endereço” , no dia 05 de outubro de 2011, pelo Jornal Estado de Minas.

Ilmo Sr. Josemar Gimenez
Diretor de Redação do Jornal Estado de Minas

Gostaríamos de fazer algumas considerações a respeito da reportagem “A Cidade dos Sem-endereço” que trata dos moradores de rua, publicada neste Jornal. Entendemos e concordamos com a importância do tema para a sociedade. É preciso que todos saibam e discutam a situação dos moradores de rua de Belo Horizonte.
Nesse sentido, reconhecemos a atenção dada a essa questão tão dramática pelo Jornal Estado de Minas, principalmente quando se denuncia a não apuração dos crimes e o abandono dos inquéritos, o que dá margem para a ocorrência de mais delitos contra os moradores de rua. Outro apontamento de grande relevância feito pela reportagem é em relação à denúncia da insuficiência e precariedade dos equipamentos públicos. Sabemos que a realidade dos moradores de rua não seria tão dura se houvesse investimentos nesses equipamentos, o que não ocorre há muitos anos na cidade.
No entanto, a falta de dados oficiais atualizados e o desconhecimento das diferentes perspectivas envolvidas no problema fazem com que essa população fique cada vez mais marginalizada. A começar, a linguagem utilizada na reportagem em questão nos parece bastante preconceituosa ao tratar dos moradores de rua. Ao apresentar as condições de vida dessa população, o vocabulário utilizado mostra-se ofensivo e inferiorizante, tratando-os como seres menos humanos, o que ofende a dignidade humana.
Os moradores de rua sofrem repressão sistemática à sua permanência nas áreas centrais da cidade. Assim, eles buscam áreas fora do centro para fugir da intervenção e da coação sobre si e sobre seus pertences, que é uma rotina em sua vida, e parte do processo de higienização do centro da cidade, de ocultamento dos problemas sociais, numa tentativa de dar invisibilidade a essa população. Exemplo claro da violação que essa população vem sofrendo é a resistência e a negativa do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) em atender moradores de rua que passam mal e com isso privá-las do direito básico de atendimento médico emergencial.
A Prefeitura afirma não fazer abordagens violentas contra os moradores de rua. Entretanto, os diversos órgãos de apoio a essa população - Pastoral de Rua, Centro de Defesa dos Direitos Humanos, Programa Pólos de Cidadania, Comitê de Acompanhamento de Políticas para a
População de Rua, dentre outras instituições - têm recebido sistematicamente denúncias dos próprios moradores e de outras pessoas que presenciam tais abordagens violentas e abusivas.
Devemos ressaltar que a dispersão dos moradores de rua não se resume à questão do crack, como consta da reportagem. Aliás, o problema do crack não se resume à situação dos moradores de rua. Trata-se de uma questão bem mais ampla que envolve o tráfico, a criminalidade, a falta de acompanhamento, as milícias, a dissolução de vínculos sociais e familiares, dentre outros.
Cabe ressaltar que os problemas dos moradores de rua e a “multiplicação” deles, como referido na reportagem, não se resolvem através de medidas como “espalhar pedras sob viadutos e passarelas”, mas sim por meio de medidas eficazes de prevenção que evitem que pessoas cheguem a situações tão degradantes, juntamente com medidas de proteção, que lhes garantam direitos e os incluam na sociedade.
Cientes do compromisso do Jornal Estado de Minas com a realização de um jornalismo imparcial e competente, o Programa Pólos de Cidadania, em nome de todos os moradores em situação de rua que atende diariamente, pede, à direção do referido jornal, que uma nova matéria sobre o tema seja realizada, enfocando os temas tratados no corpo desse ofício.
Cordialmente,
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Programa Pólos de Cidadania
Faculdade de Direito da UFMG

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