NO TEMPO EM QUE EU ERA CRIANÇA
Meu pai subia a rampa que seguia subindo até o céu
que minha vista alcançava, obviamente
assoviando a música tema do Bat Masterson
e todos nós esperávamos por ele e o pilantra moralista
do Bat Masterson, o que é uma contradição em termos
para começar o jantar.
Não podia entrar no tanque
utilizado para armazenar água
na precária distribuição que havia na minha cidade
o calor da minha cidade continua
sem precariedade alguma
não sei se a falta d’água teve fim, tomara que sim.
Íamos à praia aos domingos sempre.
As ondas pareciam enormes e eu tão pequeno.
Havia golfinhos e um trampolim em Icaraí.
Tinha medo das praias oceânicas.
Meu pai dizia: aqui não entra que você se fode.
Eu obedecia: nelas eu não entrava e nem me fodia.
Lembro da gente brincando o dia inteirinho
e grande parte da noite também na Travessa Fani
até sermos vencidos pela exaustão.
Presentes havia no natal e nos aniversários.
Não tinha esse compra, compra, compra
e nem gritinhos histéricos das crionças.
A coisa mais parecida com um xóping era a Mesbla
uma loja gigantesca – pra mim - perto das Barcas
que vendia as coisas a prestação.
Lá, num longínquo natal de início da década de 1960,
Tia Elim me deu uma bicicleta azul e dobrável
que me acompanhou por mais de uma década.
Na verdade me acompanharam.
Eu serei sempre aquele garoto pedalando aquela bicicleta
nas ruas de areia de Pontes dos Leites
já achando um absurdo a jornada de trabalho
daqueles velhos sob o sol arrumando montes de sal
dentro de grandes quadrados separados por montes de sal
a exploração boiava nas águas mornas da Lagoa de Araruama
eu remoia uma reles indignação mirim
acho que começa assim.
Virgílio de Mattos
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