domingo, 10 de junho de 2012

1192- A questão urbana - Somos todos Eliana Silva - Coluna do Frei Gilvander - texto de Leonardo Péricles


“Somos todos Eliana Silva”
Leonardo Péricles[1]

20 dias. Esse foi o tempo de duração de uma das mais organizadas ocupações que Belo Horizonte já tinha visto. A ocupação Eliana Silva, formada na região do Barreiro desde o dia 21 de abril, contava com 350 famílias, que lá estavam organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB e ocuparam um terreno que estava abandonado há mais de 40 anos. Nesses dias em que durou a ocupação, muitos avanços foram alcançados pelos seus moradores que tinham no mínimo 3 refeições ao dia (as crianças chegavam a ter até 4 refeições), todas as decisões principais referentes a organização da comunidade eram decididas em assembleias realizadas todos os dias, era proibido o uso de drogas e até mesmo uma creche foi organizada, que atendia dezenas de crianças. Todo esse exemplo de organização e disciplina incomodaram os poderosos da cidade, em especial, o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda e o governador do estado de Minas Gerais, Antônio Anastasia. Cedendo a pressão desses “governantes”, a juíza da 6ª Vara da Fazenda Municipal, Dra. Luzia Divina, concedeu a reintegração de posse a favor da prefeitura de BH, sem que o Município tivesse sequer comprovado a propriedade ou a posse sobre o terreno. Mas essa foi apenas uma das enormes arbitrariedades que foram cometidas contra as famílias trabalhadoras. Apesar do gigantesco deficit habitacional, que segundo o IBGE chega a 120 mil famílias(1), nenhuma delas é beneficiária do programa “Minha casa, minha vida”. Segundo dados da própria prefeitura, em 2008, se inscreveram para o Programa “Minha Casa Minha Vida” 198 mil famílias, o que equivale a cerca de um milhão de pessoas em Belo Horizonte, um terço da população da capital mineira. Considerando que a PBH constrói apenas mil casas por ano, serão necessários duzentos anos para zerar o déficit habitacional atual; somamos a isso os mais de 70 mil imóveis ociosos na cidade e que continuam dessa forma porque a prefeitura não se utiliza das leis vigentes, para nesse caso, enfrentar a especulação imobiliária e dar destinação social aos imóveis. Mesmo com tamanha omissão, a prefeitura e o governo do estado, prepararam a reintegração para pegar as famílias de surpresa e dificultar a resistência.

Caveirão para os pobres em BH
Rasgando a própria constituição, foi realizada no dia 10 de abril, uma reunião clandestina entre a juíza, a Polícia Militar, a prefeitura, o governo do estado e o Ministério Público. Na manhã do dia 11 de maio, sem nenhuma notificação prévia de um oficial de justiça às famílias, um aparato militar de fazer inveja à ditadura militar, composto por mais de 450 homens fortemente armados com escopetas, spray de pimenta, cacetetes, escudos, e demais armas de diversos calibres, cães, cavalaria, helicóptero e até um “Caveirão” (tanque de guerra da PM), foram voltados para reprimir as famílias da ocupação. Agressões e demais violências tanto do ponto de vista físico como do ponto de vista psicológico foram cometidas contra crianças, mulheres grávidas e idosos, houve espancamento de companheiros, mães foram impedidas por até 39 horas de poder amamentar seus filhos e diversos pertences pessoais das famílias foram roubados pela polícia e pelos fiscais da prefeitura. Foi voltado todo esse aparato militar para destruir as barracas de lona em que as famílias moravam e tentar atemorizar o povo que ousa levantar a cabeça e lutar. Apesar da resistência das famílias, que enfrentaram como podiam esse crime contra o povo trabalhador, toda a infra-estrutura da ocupação foi destruída. Mesmo com toda essa truculência, a PM não conseguiu retirar as famílias do terreno que ali ainda permaneceram até o outro dia às 16h, quando em assembleia, decidiram sair por vontade própria de cabeça erguida e com a certeza que a luta deve continuar. Importante destacarmos que, enquanto acontecia a desocupação, milhares de pessoas das comunidades do em torno (Camilo Torres, Irmã Dorothy, das Vilas Santa Rita, Corumbiara, Vila Pinho etc.) tentaram furar o bloqueio para ir em solidariedade a ocupação Eliana Silva e foram também fortemente reprimidas, com cassetetes, spray de pimenta e cavalaria. A professora aposentada da UFMG conseguiu furar o bloqueio e entrar na ocupação, mas sofreu diversas escoriações por todo o corpo.

Fascismo e perseguição.
No dia 13 de maio, o rapper paulistano Emicida, foi preso após um show em um festival de Hip Hop realizado na região do Barreiro, sob a alegação de “desacato a autoridade”. No início da música “Dedo na ferida”, dedicada às vítimas do atentado fascista do governo tucano de São Paulo contra as famílias do Pinheirinho, Emicida afirmou que: “Somos todos Eliana Silva”, e convocou o público a levantar o dedo do meio contra a polícia que desocupa as famílias mais humildes e contra os políticos que não respeitam a população.
Outro caso preocupante foi o relativo às perseguições sofridas pelo Frei Carmelita Gilvander Luís Moreira, assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT e grande aliado da ocupação. No dia 15 de maio, os freis Adailson Quintino e João Paulo (que moram na mesma casa) ao chegarem, se depararam com um automóvel Fiat Uno, branco, estacionado no portão da casa, com as quatro portas abertas e com quatro homens de pé fora do automóvel, um com um cacete grande na mão, em atitude ameaçadora, num horário que Frei Gilvander deveria ter chegado. Já estava escuro na hora e chovia uma chuva fina. No dia 16 uma das advogadas do movimento enquanto voltava para casa foi perseguida por uma moto por quatro bairros. Essas denúncias já foram apresentadas à Polícia Civil, à Comissão dos Direitos Humanos da ALEMG, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Imprensa. No dia 21 nova agressão a Frei Gilvander, dessa vez seu site foi atacado e os vídeos que denunciam os despejos e injustiças contra as ocupações no estado de MG, foram retirados do ar.

A luta continua.
Dois dias após o despejo, mais de duzentas famílias acamparam na porta da prefeitura de BH e lá permaneceram durante dois dias. A reação do prefeito foi a já esperada, não foi feito nenhum diálogo que resultasse em solução do problema. Mas novamente houve uma enorme repercussão em toda a imprensa da cidade. Na quarta-feira dia 16 de maio, as famílias desocuparam a entrada da prefeitura e saíram em passeata até a Assembleia Legislativa onde lotaram o plenário para a realização de uma audiência pública sobre a ocupação. Essa audiência, dentre outros encaminhamentos, decidiu enviar uma carta para o prefeito de Belo Horizonte cobrando do mesmo para que um terreno seja desapropriado para que as famílias possam construir suas moradias.
O Fórum permanente de Solidariedade às ocupações em Belo Horizonte vem fazendo reuniões periódicas e as entidades e demais participantes vêm desenvolvendo diversas atividades de solidariedade. Além do rapper Emicida, outros artistas também vêm prestando solidariedade a ocupação, como são os casos da banda Graviola e Lixo Polifônico, do grupo 4 Instrumental, dos rappers do Duelo de MC’s, dentre outros. Nos sábados 19 e 26 foram realizadas plenárias com as famílias para decidir sobre a continuidade da luta. Destaque para a plenária do dia 26 que contou com a presença de várias entidades e até do vice-prefeito de Belo Horizonte, Roberto Carvalho, que disse ser contrário a política que Márcio Lacerda vem implementando e principalmente que é contrário ao despejo das famílias de Eliana Silva e se comprometeu na plenária a ir até a presidente Dilma durante a próxima semana para buscar solução para o problema e que retornará posteriormente as famílias para apresentar o resultado da conversa. Além disso, todos esses dias, centenas de pessoas espontaneamente vêm se mobilizando no sentido de ajudar as famílias, com doações de roupas, cobertores, colchões, alimentos, apoio político etc, reforçando ainda mais a vontade de vencer das famílias. Para mais informações sobre a ocupação Eliana Silva, acesse: http://www.ocupacaoelianasilva.blogspot.com.br/.

Leonardo Péricles, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Da Coordenação da Ocupação Eliana Silva e membro da coordenação Nacional do Movimento de Luta nos Bairros, vilas e favelas – MLB.
Matéria publicada no Jornal A Verdade – nº 139 - Junho de 2012. www.averdade.org.br



[1] Da Coordenação da Ocupação Eliana Silva e membro da coordenação Nacional do Movimento de Luta nos Bairros, vilas e favelas – MLB. Matéria publicada no Jornal A Verdade, nº 139 - Junho de 2012, p. 8. cf. www.averdade.org.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário