As teorias enquanto
simplificações coerentes sistematizadas do real observado constroem códigos
próprios que passam a ser instrumentos não só de compreensão mas também de
limitação do campo de compreensão e muitas vezes como exercício de poder de
grupos sobre outros grupos. Ou seja, se o conhecimento pode ter o condão de
libertar, pode também, um conhecimento elitizado, escondido em códigos
secretos, ou labirintos lingüísticos, tornar-se fator de dominação ideológica,
dominação esta fundamental para a legitimação de poderes excludentes.
Simplificando e procurando
simplificar a saída do labirinto, podemos pensar que o conhecimento científico,
organizado e sistemático, construído sobre bases metodológicas, explica e
reorganiza práticas que têm seu método e coerência própria, ou em outras
palavras: o conhecimento popular e as práticas sociais não se resumem às
manifestações tradicionais não reflexivas, fundamentos religiosos e
preconceitos enquanto que, a ciência moderna, impregnou-se de preconceitos,
novas sacralizações e verdades formais arrogantes e pré-potentes. Sem negar um
e outro, ou sem escolher um ou o outro, a história pode nos ensinar que por
meio de uma racionalização podemos organizar a produção de um conhecimento
construído no cotidiano, retirando os preconceitos e tradições não reflexivas
do que chamamos “senso comum”, desde que a ciência também não construa
preconceitos sofisticados e novas sacralizações para uma nova prática religiosa;
ou: muitas pessoas em muitos momentos da história acharam que inventaram a
roda, e muitos ainda continuam inventando, de novo e de novo...
Um outro problema decorre
destas reflexões e se refletem diretamente no Direito moderno: a crença no
individuo como unidade desconectada do entorno, como uma pretensão de soberania
de vontade que permanece no tempo e como uma pessoa que permanece
essencialmente a mesma. Em outras palavras uma identidade individual
permanente. Esta ficção liberal pretende atribuir aos indivíduos criações,
construções, invenções, inovações que são construções históricas permanentes e
logo não podem ser apropriadas pelo individuo. Assim, em algum momento, a
partir de uma construção histórica coletiva, alguém chega a um resultado, uma
nova teoria, uma descoberta científica, uma inovação tecnológica, uma obra
artística, etc. A lógica individualista leva a que esta pessoa se aproprie de
anos, décadas, séculos de construção. Assim aprendemos que fulano inventou
isto, cicrano descobriu aquilo outro e assim por diante. Essa pretensão nos
retira a nossa compreensão de pessoas singulares e coletivas que somos, sempre
fruto da vivencia com os outros, assim como recorta processos criativos criando
mitos. Marx não produziu sua teoria do nada, assim como Santos Dumont não
partiu do zero para a construção de seu 14 Bis, e assim por diante. Tudo é
fruto de processos coletivos de construção permanente, inclusive nós mesmos. A
genialidade de algumas pessoas nos faz visualizar uma espécie de pescador:
alguém que sem esforço encontra melodias, pesca sinfonias, e como que uma
antena aberta ao universo é capaz de visualizar obras magistrais. Outros de nós
são sistematizadores, capazes de captar séculos de construção e sintetizá-los
em uma criação útil. Mas o que é fundamental para compreensão do complexo
processo de transformação por que passamos, é a percepção de uma dinâmica e complexa
unidade de uma história que se constrói permanentemente.
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