quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

206- Artigo - História do Direito Brasileiro: raízes portuguesas - Og Almeida Campos

Disciplina: História do Direito e Direito Romano
Professor Doutor Dimas Ferreira Lopes


Og Almeida Campos
(3º período – turno noturno)


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho surgiu de um estudo que buscasse a elaboração da história do direito brasileiro a partir das raízes diretamente portuguesas, perpassando por diversas subtemáticas, necessárias para uma abordagem mais completa e holista do tema. No entanto, esta elaboração não se pretendeu, devido à extensão do tema e da complexidade do estudo, realizar-se de forma exaustiva, completa, nem original sobre os assuntos, considerando-se satisfeita se houver alcançado alguma unidade de pensamento.

Dentro dessas perspectivas, o texto também não procurou prolongamentos sobre as especificidades de nenhum dos subtemas requeridos, pois este tentou evitar com isso um processo de compilação de autores, que, sem dúvidas, possuem maior autoridade e perspicácia para dispor sobre os mesmos. O que se procurou foi, de forma concisa e modesta, dissertar sobre o assunto possibilitando um texto passível de leitura e que demonstre algum entendimento e algumas críticas gerais sobre o tema, podendo incorrer, e nisto já nos mostramos dispostos a colher como resultados, acertos e equívocos. Entendemos serem os equívocos inerentes ao processo de conhecimento, sendo esses decorrentes da realização de um trabalho escrito com autoria própria, embora sempre balizado por autores competentes para a sistematização científica do assunto, pois houve, desde o início, o esforço e a tentativa de concretizar tal empresa.

Por outro lado, queremos colher críticas textuais ou acerca da construção de estudos temáticos como o agora empreendido, para que se faça possível a reestruturação e o aprimoramento das pesquisas e estudos.

Procurou-se, também, o máximo quanto nos foi possível, conectar o presente trabalho com outras disciplinas cursadas por este autor no curso de Direito dessa Universidade Católica, objetivando uma interdisciplinaridade e dialogicidade fundamentais para a construção de uma graduação completa e não fracionada. Então, parte das considerações feitas são referências diretas a disciplinas cursadas ou em curso.



2. HISTÓRIA DO DIREITO BRASILEIRO

Nossa abordagem acerca do direito português considerará sua codificação e sua decorrência na elaboração de um direito propriamente brasileiro.

Entender a configuração do direito português significa considerar que este país fora pioneiro na unificação e formação de seu Estado, na elaboração de técnicas de navegação pela escola de Sagres e o acesso aos mares e novos continentes.

De fato, tal unificação se deu pela favorável conjuntura que levou Portugal a sair do período medieval e adentrar no período moderno. Como referencia o próprio termo, unificação (citação verbal) (1), requer que o Estado elabore políticas e ordenações diretivas que consigam organizar suas dimensões e multiplicidades sob uma égide comum capaz de dar sustentação e corporificar uma idéia de nação. No caso em questão, faremos menção às Ordenações Filipinas, as quais nascem das Ordenações Manuelinas, que advém das Ordenações Afonsinas, que por sua vez, originam do direito romano e do direito canônico (2), no sentido de tentativa (3), mesmo que mal sucedida, de uma codificação homogeneizadora do direito no reino de Portugal, Brasil e Algarves.

O que nos importa aqui é a idéia da necessidade de homogeneizar o direito no Reino de Portugal, do que decorrerá a codificação em Portugal e no Brasil.

Por um lado, estamos no período presente e posterior ao século XVI, mais precisamente como fim do período medieval e princípio do moderno, por outro, estamos em momento de grandes adversidades e conflitos continentais referentes a abastecimento, a conflitos territoriais, efervescência da oposição reforma e contrarreforma, necessidade de se encontrar novos mercados para fomentar o que será designado mercantilismo. Esses caracteres aferidos nos conduzem à assertiva da importância de se estabelecer, pelo menos entre os territórios compostos por população de culturas afins, um controle das relações que possibilite, por sua vez, coordenar as relações com os territórios externos (4). Parece-nos demasiado claro que a todo período histórico de instabilidade decorra a flexão de forças para a promoção da segurança territorial, política e jurídica.

É nesse contexto que ocorrem as designadas Ordenações Filipinas que, apesar de serem elaboradas de forma confusa e não tão contundente quanto serão os códigos futuros, chegam a vigorar na região do Brasil e desaguar no Código Civil Brasileiro.

É fato histórico que confirma nossa tese, uma lei (sem número) de 20 de outubro de 1823, assinada por D. Pedro I, que estabelecia a observação das Ordenações nos Brasil, assim como as leis, regimentos, alvarás e resoluções vigentes em Portugal até 25 de abril de 1821 (data de fuga de D. João VI de Portugal devido ao “bloqueio continental” imposto por Napoleão Bonaparte). Esta lei imperial estabelecia que a vigência estender-se-ia até a formulação de um código civil que se verificou em 1916. O Código Civil brasileiro de 1916 no Art. 1807 dispunha sobre a revogação das Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Usos e Costumes concernentes às matérias de direito civil reguladas no Código (5).

Portanto, torna-se fundamental considerar que as Ordenações Filipinas, enquanto intento de codificação de direitos civis, subvieram como importantes princípios basilares para o projeto de codificação civil brasileiro iniciado por Augusto Teixeira de Freitas em 1855, do qual decorreu a Consolidação das Leis Civis, realizada por ele. Este influenciou não somente o Código Civil de 1916, mas também códigos do Uruguai, Paraguai, Rússia e Alemanha (6).

A codificação civil nasce do processo de secessão ocorrido na região brasileira no princípio do século XIX, a qual ocorre no momento da feitura da primeira Constituição do Reino de Portugal e que, de acordo com Miranda (7), serviria de matriz para a Constituição do Império de 1824. As Constituições têm caráter multiforme (8), com aspectos liberais, com influências francesas, inglesas e norte-americanas, mas que concentram em si algo do caráter absolutista, ao possuir um aspecto próprio, a objetivação de uma ferramenta concebida por Benjamin Constant, a saber, o Poder Moderador.

A Constituição do Império, salienta Afonso Arinos (9), possuía uma poderosa ferramenta capaz de inibir as forças progressistas brasileiras e de seu órgão legislativo, capaz de desigualar, através da deturpação da teoria de Constant, ainda mais algum possível equilíbrio dos designados Poderes (10) do Estado. Podia ainda, segundo Afonso Arinos, assim como efetivamente o fez, devido à instabilidade monárquica, dissolver as casas legislativas, mesmo a constituinte (como ocorreu), indicando e promovendo nova casa para legislar, do que ele conclui que, apesar de fiel aos próprios entendimentos e aos anseios do povo brasileiro, fora uma coadjuvante no processo legislativo originariamente brasileiro. Cabe considerar ainda que a Constituinte de 1823 concentrava as funções de legislador especial e ordinário, aspecto que, ao revés de atribuir mais força ao Legislativo originário, acabou por enfraquecê-lo, uma vez que este concentrou demasiados esforços na feitura de legislação ordinária, ao invés da elaboração da Constituição (11).

Precisamos concordar que o “Poder Moderador” desigualou ainda mais a já desigual separação de poderes, pois concentrava nas mãos do imperador duas funções, a do executivo e a do moderador, salientando-se ainda que a função legislativa era bicameral, composta por “Câmara dos Deputados (eletiva e temporária) e pelo Senado (composto por membros vitalícios designados em listas tríplices resultantes de eleição provincial)” (12), ou seja, sob influência direta do imperador.

Essa força administrativa monárquica brasileira constituirá a base de toda a governança nacional, assim como será base para fortes críticas ao presidencialismo republicano brasileiro, pois como assinalou Freyre (13) em seu artigo intitulado “Atuação do Parlamento no Império e na República” ao referir-se a crítica realizada por Diplomata estrangeiro no Brasil em artigo intitulado: “your majestad, the president” (14). A força personalista presente no fenômeno político brasileiro é tão arraigado que ainda hoje, século XXI, todo o sistema de funções aparece para a chamada “opinião pública” como uma representação das pessoas que ocupam funções estatais.

Considerado ainda dentro do prisma elaborado por Freyre, cabe sua consideração de as casas legislativas haverem sido ocupadas, em sua imensa maioria, por advogados e, em raras ocasiões, por pessoas alheias aos estudos profundamente jurídicos, mas nem por isso incompetentes nos assuntos legais. Tal fato encontrava-se acrescido da crítica de a casa composta historicamente por ímpares personalidades não terem, em muitas ocasiões, ultrapassado a posição de uma casa de discurso (15).

Voltando à elaboração sobre a Constituição do Império, embora essa se encontre disposta com características absolutistas, não deixa de ser base fundante para a instituição do direito, como pedra fundamental neste país. Não se trata somente da idéia de direito público, mas também do direito privado, como já considerado como precursor do princípio da elaboração da Consolidação das Leis Civis por Augusto Teixeira de Freitas e a posterior elaboração do Código Civil (1916).

Apesar da Constituição possuir os entraves para um processo liberal da elaboração legal, ela trás para o âmbito nacional brasileiro a responsabilidade de ser sujeito do próprio trajeto legal. A confirmação dessa afirmação virá com a proclamação da república e com o fim da monarquia ainda no século XIX. Miranda assente o impacto do movimento republicano e consequente elaboração da constituição republicana de 1891 para os processos históricos decorrentes em Portugal e sua constituição de 1911.

A proclamação da república inaugura os novos paradigmas que regerão o país a partir de então, pois vigorará o sistema constitucional de modelo norte-americano. Haverá, então, a distribuição das funções estatais entre os entes federados, a saber, a União e os Estados federados, e, ao revés de uma tendência anterior de parlamentarismo, o presidencialismo será adotado. Contanto, a função judicial caberá ao Supremo Tribunal Federal e demais Tribunais, assim como a faculdade de controle de constitucionalidade das leis.

A importação do modelo norte-americano, salienta Magalhães (citação verbal) (16), implica concretizar um modelo de origem descentralizada, pois os E.U.A. eram uma união de Estados independentes que se organizaram, enquanto no Brasil havia a ausência de Estados, e cujos territórios encontravam-se ainda muito disformes e com propensão à concentração do poder. Este aspecto incorre em consequências diversas, pois enquanto o modelo norte-americano tenderá (17) a uma concentração do direito, no Brasil deverá ocorrer o caminho inverso, ou seja, o de descentralizar o poder político, econômico e o direito. Pensar dessa forma possibilita entender que a importação dos modelos ocorreu sem a devida observância aos aspectos particularizantes presentes ao contexto histórico brasileiro e que, a nosso ver, possibilita o entendimento acima esboçado, através do texto de Freyre, de uma república federativa e presidencialista na qual se identifique o presidente com o rei.

Assim como amplamente abordado por Magalhães (citação verbal) (18), as direções perseguidas por E.U.A. e Brasil são opostas, pois, se por um lado os E.U.A. partem de territórios e povos divididos em direção à união e concentração, o Brasil, por outro, parte da concentração territorial para uma desconcentração da administração. De fato, ocorre o fenômeno do aumento das exigências no sentido de um novo pacto federativo que possibilite a promoção das políticas sejam cada vez mais realizadas pelos estados e municípios e não por monopólio do Governo Federal.

Embora a Constituição Republicana inaugure um período democrático no Brasil, “o ambiente brasileiro não era muito diverso do Império. A vida econômica e social continuava a girar em torno dos interesses das cidades e dos interesses agrícolas dos grandes proprietários. A vida política esteava-se num grande partido de governo e, em nível local, nos caciques ou “coronéis”, tão bem descritos na literatura da época” (19), decorrendo no poder das oligarquias do “café com leite”, cujas forças eram divididas entre São Paulo e Minas Gerais. Tal consideração reforça, mais uma vez, a posição expressada através das observações de Freyre e de Magalhães, pois, de fato, os poderes ainda estavam muito concentrados nas mãos de poucos, a política e o judiciário representavam ferramentas pessoais para a promoção e garantia dos chamados coronéis, a democracia era apenas um conceito não desenvolvido factualmente, e a figura central da estrutura era o presidente.

Com a constituição republicana tornava-se crucial a finalização de uma codificação que ordenasse as relações civis já iniciada por Augusto Teixeira de Freitas, ou seja, de um código civil. Tal código, o qual já estava sendo debatido desde meados do século XIX, ganha vida, sob influências diversas, do código português de 1867, considerando que até então as legislações de ambos os países caminhavam próximas. Enquanto o código português tinha influência do código civil francês, mais precisamente do código civil napoleônico, o brasileiro seguiu os moldes alemães, frisando que em ambos os casos, alemão e francês, possuem suas raízes, como não poderia deixar de ser, no direito romano.

É de interesse frisar que o Código Civil de 1916 tem caráter liberal, tendo em vista uma maior força principiológica da autonomia da vontade que da autonomia privada, precisamente por este princípio ganhar força com os paradigmas do estado social. Assevera Tavares (20) que o “princípio da autonomia da vontade se alicerçou no pressuposto liberal de que as vontades individuais fossem absolutamente autônomas, não sendo dado ao Estado poderes para a intervenção no âmbito de criação e atuação próprio dos indivíduos”.

O fato é que a autonomia da vontade possui alicerces anteriores ao liberalismo, encontra sua fonte mesmo no direito romano, mas é no liberalismo que realizará uma fixação conceitual mais ampla, não dizendo com isso mais radical (21), mesmo que penas pessoais pudessem ocorrer em decorrência de obrigações patrimoniais.

O Código de 1916, em detrimento da Constituição vigente não possuir caráter social, tinha como cânone a autonomia da vontade, pois as relações não sofriam grandes intervenções do código, senão o das formalidades e solenidades necessárias para as elaborações entre as partes. Porquanto não havia regulamentação acerca das relações de trabalho tal como só será visto a partir de Vargas (e sua constituição social - 1934), não havia a observação, hoje até exagerada, da inequidade das relações entre grandes grupos financeiros e pessoas físicas para confecção de contratos e exigência da prestação de serviços, como agora pelo Código de Defesa do Consumidor.

Caso é que, ante ao predomínio do princípio da autonomia da vontade, surgem os princípios da autonomia privada e o da boa fé que balizarão as relações obrigacionais e contratuais entre as pessoas, estabelecendo novos parâmetros e limites para a autonomia das pessoas como, por exemplo, a função social da propriedade privada, até então incólume da incidência de limitação de direito por parte dos corpos normativos.

O pano de fundo, portanto, é composto por paradigmas socializantes que permearão as constituições mexicana de 1914, a alemã (Weimar) de 1919 e a brasileira a partir de 1934, das quais advirá o paradigma do estado democrático de direito.

Visto que o Código Civil de 2002 manteve bastantes aspectos oriundos do Código Civil de 1916, houve uma ampliação e especialização de temas, assim como mudanças de paradigmas. Como já salientado, enquanto o Código anterior possuía por bases o estado liberal, com o país havendo passado por duas constituições, possuía conceitos já historicamente superados, como a supremacia do pai na chamada “pater familia”, a supressão machista das relações, não reconhecendo a igualdade entre os gêneros sexuais, assim como não possuía tanta capilaridade e incidência principiológica quanto se fará presente no de 2002. É preciso considerar que, no atinente a processos históricos, não ocorrem rupturas bruscas, senão por revolução, e mesmo assim em moldes muito específicos (22), o que não é o caso em substituições de códigos, pelo menos no referido código.

Consideremos também que o advento comunista e os mais diversos movimentos sociais históricos ocorridos durante o século XX, como o movimento feminista, as lutas sindicais, desenvolvimentos técnico-científicos, colapsos financeiros - estes golpes frontais à total autonomia das entidades e para o reconhecimento de distorções e não horizontalidade das relações entre pessoas (físicas e jurídicas) devido às diferenças financeiras -, põem em expoência a necessidade de reformulações e a instituição de novas relações no âmbito político, social e jurídico.

Todavia o Código de 1916 fora o primeiro deste país, foi substituído pelo de 1976 promulgado em 2002 sob muitas críticas, por já advir desatualizado. Reale (23) defende o código asseverando que apesar do tempo que separa o princípio de sua elaboração e sua promulgação, este não incorreu em inércia legislativa por não haver sido deixado de lado as discussões e atualizações, antes, ter havido intensos e amplos estudos para ajustá-lo a novos conflitos e, principalmente, à Constituição de 1988. Por outro lado, há aqueles (24) que o criticam sob o argumento de nascer já precisando ser reformado, por não conseguir regulamentar as relações no enredo com que elas ocorrem atualmente, como por exemplo, em decorrência da gigantesca complexidade das relações das informações possibilitadas pelo advento da internet, dentre muitos outros aspectos de possível insuficiência.

Entretanto, será com o Código de 2002 e precipuamente com a Constituição de 1988 que o Brasil avançará a patamares democráticos e de direito, ou como nas palavras de Tavares, “no Estado de Direito Democrático” (citação verbal) (25), constituição que tem seu fundamento na Constituição portuguesa de 1976.

Este novo modelo de constitucionalismo trás os fundamentos sociais do estado social, com grande incidência e elaboração acerca dos direitos sociais e direitos econômicos, além dos direitos políticos e individuais, heranças do liberalismo. Trás também o germe do estado de direito democrático, observando e facultando políticas que visem uma maior participação cidadã na construção da vida em sociedade, assim como maior aceitação e interação em tratados e políticas internacionais. Tendo em sua carta ampla menção aos direitos e garantias fundamentais, a Constituição proclama-se como o carro diretivo da ordem nacional, com caráter analítico, preconiza em seu núcleo duro – cláusulas pétreas – preceitos civis e econômicos. Inicia-se, com as diretrizes de 1988, uma ampliação dos direitos e temas, antes externos à lei máxima, como Direito Constitucional.

Encontra-se, portanto, uma constitucionalização de direitos civis e direitos econômicos e de horizontes para o futuro político do país, através das “regras programáticas”, as quais causaram extrema complexidade e conflitos para a interpretação normativa da Constituição. Ora, as normas programáticas presentes na carta de 1988 são também frutos da enorme inserção de conteúdos e da principiologização do direito. Inserem-se normas que serão denominadas de “normas de eficácia contida” (26), que ensejarão o apontamento de horizontes políticos deste país, mas que incidem em um paradoxo jurídico, pois incorrem em normas que não possuem aplicabilidade nem eficácia imediatas, o que, por sua vez, causa o problema da inexigência de tais normas no plano jurídico, além de atentar à supremacia da Constituição ao não prever um mecanismo garantidor da realização dos mesmos, por recair em ingerências entre as funções do Estado, neste caso, de uma ingerência do Judiciário perante o Legislativo e o Executivo (27).
Magalhães (28) aponta que, para além das conquistas obtidas pela Constituição de 1988, faz-se fundamental seguir para a elaboração de um direito democrático no sentido de participativo, para a realização factual do estado democrático de direito.

É mesmo diante de novas configurações e novas figurações do corpo cidadão e do próprio Estado, tendo em vista sua centralidade no controle de crises, como a econômica de 2008/2009, assim como a nova configuração internacional, havendo novas concepções como a de “Estados Plurinacionais” (29), que será testado o ordenamento jurídico brasileiro. A concepção de estado plurinacional requer o entendimento acerca de um Direito (30) que verse e busque não somente a promoção e manutenção de igualdades, mas que conceba e garanta as diferenças entre grupos diversos, uma vez que a relação, às vezes conflituosas, se dá com imenso grau de complexidade, ultrapassando as fronteiras territoriais e, em outras, ocorre dentro das próprias fronteiras. Diante de tal perspectiva é que se torna imperativo a questão sobre a atualidade de corpos normativos, como o Código Civil de 2002.

O Estado Democrático de Direito está para ser construído, pois, embora disposto em texto normativo na Constituição da República do Brasil, mostra-se mais como uma norma programática do que como uma realidade normativa de aplicabilidade imediata e eficácia plena, a qual deverá ser construída e realizada como integridade social, política, jurídica, ou seja, cidadã na inteireza de tal conceito.

Para concluir, já considerando que o presente texto não tem pretensões a resoluções, a levantamentos de questões originais ou elaborações exaustivas sobre qualquer dos temas apresentados, segue-se que o processo histórico no qual o Direito está inserido (31) aponta sempre horizontes diametralmente opostos, a saber, o passado e o futuro. Então, se estendermos o foco para o passado longínquo, veremos como de perto os conceitos gregos ou as leis e formalizações romanas fomentando-o, mas se olharmos para futuro, veremos ser sobre esse alicerce que construiremos o Direito almejado. Mesmo aceitando a afirmativa de que o direito seja um “eterno devedor da realidade” (citação verbal) (32), ou a da quase impraticidade da concepção em um mundo possível, de uma sociedade completamente justa (citação verbal) (33), é certo que passará por sua compreensão histórica e pela construção de novos pilares conceituais e práticos a manutenção deste tempo e a possibilitação do futuro.




1-Termo amplamente debatido e referenciado pela disciplina de Direitos Humanos e Fundamentais celebrada pelo professor José Luiz Quadros de Magalhães - PUC – MG (Cor. Eucarístico) 2010/2 - noite.
2-Para fundamentar tal posição, cabe considerar a existência de uma espécie de “enciclopédia jurídica” de orientação canônico-romana, conhecida em Portugal por “Lei das Sete Partidas” (em referência a estrutura organizadora do normativo, dividida em 7 livros). Esta Consolidação, que teve vigência em Portugal, foi trazida da Espanha pelo Rei D. Diniz (que reinou em Portugual entre 1279-1325).
3-Usamos o termo “tentativa” em alusão ao termo “intento” utilizado por Fernando H. Mendes de Almeida em seus comentários às Ordenações Filipinas (in PORTUGAL, Leis, 1957).
4-Designo por território externo as regiões dominadas por povos de outras línguas, culturas, etc.
5-Informações gentilmente prestadas pelo professor Dimas Ferreira Lopes na disciplina História do Direito e Direito Romano, ofertada na PUC – MG (Campus Cor. Eucarístico), 2010/2 – noite, e que deu origem ao presente trabalho.
6-Conforme Gama, 2002.
7-Miranda, 1990.
8-Designada híbrida por Bonavides, 1989.
9-Franco, Afonso Arino de Melo História das idéias no Parlamento, em O Poder Legislativo no Brasil, 1975.
10-Considerando que o “poder moderador” teria a função de garantir o equilíbrio entre as funções do Estado Liberal.
11-Bonavides, 1989.
12-Miranda, 1990.
13-Freyre, Gilberto. Atuação do Parlamento no Império e na República, em O Poder Legislativo no Brasil, 1975.
14A crítica está contida no próprio título: “vossa majestade, o presidente” (tradução do autor).
15Esta assertiva trata-se de uma interpretação de nosso trabalho acerca do texto de Freyre, e não do próprio texto, pois o autor fora bem mais comedido em suas palavras do que as nossas.
16-Magalhães defende tais idéias tanto na disciplina dada no curso de Direito da PUC MG (vide rodapé 1) como em textos de sua autoria dispostos em seu blog joseluizquadrosdemagalhaes.blogspot.com .
17- “Tenderá”, se considerados os aspectos histórico-jurídicos desde seu início até os dias atuais, ou seja, de que nos E.U.A ocorre um fenômeno de centralização do poder político e jurídico no Estado Federal, através de uma maior concentração das decisões políticas e jurídicas nas mãos do Presidente e da Suprema Corte, respectivamente. Por outro lado, no Brasil ocorre demanda inversa, embora a União, figurada através do Presidente, Congresso Nacional e STF-STJ ainda detenham as decisões em suas mãos, tem-se mostrado intensa a pressão por um pacto federativo que reveja a distribuição das atuações políticas pelos Estados e Municípios, como adiante será tratado.
18-Em sua disciplina na PUC-MG em textos disponíveis em seu blog referido na bibliografia.
19-Miranda, 1990.
20-Tavares, 2000.
21-Radical por ter em vista que há momentos históricos, mesmo em Roma, nos quais o cumprimento das obrigações ultrapassava o âmbito patrimonial atingindo a própria pessoa devedora, podendo essa até sofrer danos físicos para liquidação do débito.
22-Tendo em vista a concepção de Hannah Arendt sobre o tema em “Da revolução”.
23-Reale, 2002.
24-Gama, 2002.
25-Professor Fernando Horta Tavares no curso de Teoria das Constituições oferecido em 2010/2 pela PUC-MG - noite.
26-Silva, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo, 1968.
27-Críticas realizadas por Bonavides às normas programáticas (Bonavides, Paulo. Direito Constitucional. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1986).
28-Curso de Direitos Humanos e Fundamentais, PUC-MG 2010/2 - noite.
29-Magalhães, José Luiz Quadros de. El Estado Plurinacional como referencia teórica para La construcción de un Estado de Derecho Internacional, publicado em seu blog, mencionado na bibliografia.
30-Aliás, refere-se a Direitos múltiplos dentro de um mesmo Estado.
31-Entendendo-se que à revelia de um entendimento naturalístico ou positivista do direito, este se dará e só se realizará no mundo, pois mesmo que, hipoteticamente, o elaboremos sobre um edifício ético universal ou sobre concepções costumeiras e convencionais, o direito é espécie “mundana que precisa ser ente no mundo” (compreendendo a total redundância da formulação conceitual, embora crucial para a elaboração teórica em questão).
32-Crítica apresentada pelo Professor Rafael Faria Basile no curso de Introdução ao Estudo do Direito II ofertado na PUC-MG em 2010/1 - noite.
33-Elaboração conceitual realizada por Francis Wolff (ex-professor de filosofia da USP, atual professor na Universidade de Paris e na Escola Normal Superior de Paris) -, no ciclo de palestras Mutações, sobre tema “Vida, Vício, Virtude” e subtema “Justiça”: -Casa Fiat de Cultura, Belo Horizonte - MG, 17/04/2008. O autor intenta elaborar, a partir dos modelos de justiça aristotélico, platônico e rawlsiano, uma sociedade hipoteticamente justa, para, a partir de tal elaboração, concluir se a justiça seria uma virtude ou vício. Sem conseguir concretizar sua elaboração, arremata: “um mundo justo pode até ser irrealizável, mas um sem justiça é, sem dúvida, o pior dos mundos” ( citação verbal).



4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BESSONE, Darcy, de Oliveira Andrade. Do Contrato: teoria geral. 3 ed. Rio de Janeiro, 1987.

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Brasília, 1989.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22ªed. São Paulo: Malheiros, 2008.

BONAVIDES, Paulo. Direito constitucional. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1986.

BRASIL, Congresso Nacional. O poder legislativo no Brasil. Brasília, 1975.

GAMA, Ricardo Rodrigues. Algumas considerações sobre o novo código civil brasileiro. Revista de Direito Privado, São Paulo, v.3, n.9, p. 18-35, jan./mar. 2002.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Textos sobre Teoria do Estado de 1 a 7 e 12, postados no segundo semestre de 2010. Disponível em:

MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da constituição. Coimbra: Coimbra Ed. Limitada, 1990.

PORTUGAL, Leis. Ordenações Filipinas: ordenações do reino de Portugal recopiladas por mandato d’el Rei D. Filipe, o primeiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 1957.

REALE, Miguel. Visão geral do novo código civil. Revista de Direito Privado, São Paulo, n.9, p. 9-17, jan./mar. 2002.

TAVARES, Fernando Horta. Novos paradigmas dos contratos, o declínio do princípio da autonomia da vontade e a proteção contra cláusulas abusivas. Revista Mineira de Direito. V. 3 nº5 e 6 – 1° e 2° semestres de 2000.

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4. SOBRE O AUTOR

Og Almeida Campos é natural de São Paulo – SP, nascido em 15/02/1982. É graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – 2004/2 e graduando do 4º período de Direito da PUC - Minas, turno noturno, Campus Coração Eucarístico – Belo Horizonte, Capital.