quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

130- Coluna de Virgilio de Mattos

Belíssimo texto de meu amigo poeta Virgilio


CONTRA A ESTUPIDEZ NÃO HÁ PREVENÇÃO POSSÍVEL

Virgílio de Mattos
Nós do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade de Minas Gerais temos uma dívida de gratidão com um instituto metodista de ensino de Belo Horizonte, que raramente se pode pagar: é que ali conseguimos bolsas de estudos integrais, nos mais variados cursos ali oferecidos, para presas do Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, corria o anno domini de 2006.
Todas as alunas que prestaram o vestibular naquela oportunidade, e aqui registre-se a corajosa “aposta” feita pelo então juiz de execução da capital, o hoje desembargador Herbert Carneiro, portaram-se de forma exemplar, sendo que apenas uma delas não foi aprovada.
Dessas, uma foi presa novamente. E as demais estudam até hoje. Mas aquele instituto de ensino ainda proporcionou-nos, aos movimentos sociais, 40 (quarenta) bolsas integrais e com elas vários familiares e amigos de pessoas em privação de liberdade puderam realizar o sonho de cursar a universidade.
Mas hoje compartilhamos a dor da perda de um professor esfaqueado por um aluno. Aquele instituto foi o palco da tragédia. Isso merece reflexão. Contra a estupidez não há prevenção possível.
A mídia com as mãos sujas de sangue por certo fará do caso algo que repercutirá bastante. Que o autor do homicídio seria portador de sofrimento mental, um “cara esquisito”; que seria usuário de drogas; alguma ex-namorada irá falar mal dele; antigos professores dirão que era mesmo um monstro e por aí vamos. Sabemos bem que a mídia com as mãos sujas de sangue “adora” casos como este. O senso comum pedirá neutralização para sempre, via medida de segurança.
Talvez haja uma nota do Sindicato dos Professores, ou mesmo alguma manifestação. Com uma dose de sorte o colega morto poderá vir a ser nome de biblioteca. Seus filhos pequenos sofrerão privações e medo, talvez não nessa ordem. Sua viúva chorará a perda que luto algum conseguirá ultrapassar. Contra a estupidez, além de não haver prevenção possível também rara é a cura.
Poderia deslizar este texto para o sucateamento da profissão de professor, sua parca remuneração, seu reconhecimento precário na escala social, mas nada disso consolaria a viúva do colega morto, nem seus filhos. Muito menos os colegas que estão vivos e que veem na profissão uma tarefa a ser cumprida, a luta maior da história que é a luta de classes. Contra a estupidez só mesmo o alívio do conhecimento.
Leciono desde o longínquo 1984, com gosto. Bem verdade que percebo o nível das turmas despencar semestre a semestre em todas as instituições de ensino superior pelas quais tenho passado, não importando o estado da União. É triste, mas é real. O traço da vulgaridade permeia a maioria (toda generalização é injusta) daqueles que creem estar em espécie de “consórcio” de ensino superior em 60 meses e que pagando as prestações receberiam ao final seu título universitário. É triste, mas é real.
Solidarizo-me com as famílias de todos os que perderam. E nessa tragédia todos perdem. A do colega morto desejo que consigam superar isso, algum dia, de algum modo. Vai ser difícil, eu sei. A do autor do homicídio, cujo sofrimento está apenas começando, desejo que não o abandonem. Poucas coisas são piores do que um preso abandonado pela família. À família dos alunos, trabalhadores e de docentes do instituto metodista, que tentem avançar e superar essa tragédia. Contra a estupidez nenhuma razoabilidade é possível.