A seguir um texto da jornalista Janaina da Mata sobre o Estado Plurinacional, construído na Bolivia a partir de processo democrático popular e que mostra ao mundo a possibilidade de construção de um novo paradigma democrático, plural e igualitário.
O Estado plurinacional também está previsto na Constituição de 2009 do Equador e já é mencionado na Consituição da Colombia de 1991.
Bolívia: uma nação de nações
Por Janaina da Mata*
Estado Plurinacional da Bolívia, esse é o nome oficial do país vizinho ao Brasil, que nos últimos anos mudou não apenas seu nome, mas sua Constituição e toda a sua concepção de Estado. Poucos conhecem essa nova realidade situada no coração da América do Sul, inédita e que não foi construída dentro das universidades ou nas esferas governamentais, mas no seio da sociedade.
Cansada das tentativas frustradas de desenvolvimento por meio de modelos capitalistas e neoliberais, em 2000, a população se insurge contra o sistema político e econômico, questionando as estruturas de poder da sociedade. Novos movimentos sociais são organizados, desvinculados de instituições partidárias ou mesmo de entidades tradicionais, como os sindicatos.
A estrutura de mobilização é indígena-popular, liderada por pessoas que sofrem na pele os resultados de políticas privatizantes, que atingem do saneamento ao gás natural. Não são as lideranças políticas que encabeçam o movimento, mas a própria sociedade auto-organizada que reivindica mudanças profundas no país e busca uma nova forma de organização e a recuperação das empresas estatais e de seus recursos naturais.
“Nunca mais a Bolívia sem os povos indígenas”. O lema pautou todo o movimento social e levou à instalação de uma Assembleia Constituinte em 2006. O comum na história dos países é que a solicitação de reformas constitucionais seja feita por parlamentares e aconteça, de maneira fechada, dentro do parlamento. Na Bolívia foi diferente, a proposta de uma nova Constituição partiu da população e a sua elaboração foi realizada pelos próprios cidadãos. De que maneira? Reincorporando o que era importante para cada povo que compõem o país,
“VOTEMOS POR NÓS MESMOS” – Mais do que indicar aos representantes seus anseios, o cidadão boliviano passa a ter um papel mais ativo na política do país. Por meio de novas concepções de democracia e de forma representativa (voto secreto e universal) todos querem exercer diretamente seu direito político. Um momento de intensa politização, onde ninguém quer ser visto como “ovelha” e delegar seu poder pelo voto, mas fazer parte de uma democracia participativa.
Foi assim que, em um processo de pouco mais de uma década, a Bolívia implantou uma forma de governo onde as diferenças não são apenas respeitadas, mas amplamente valorizadas. No Estado Plurinacional, foi incluída e reconhecida a igualdade de todos os povos e culturas existentes no país.
A nova Constituição Política do Estado, aprovada pelo povo boliviano no dia 25 de janeiro de 2009 mediante um referendo nacional constituinte, prevê que o país tem 36 nacionalidades e povos. O idioma oficial é o Espanhol, o Guarani, o Quechua e todos os outros idiomas das nações e povos indígenas originários. Mas os avanços do Estado Plurinacional não se atêm à redução das diferenças identitárias e ao reconhecimento da colcha de nações que formam a sua nacionalidade.
A Bolívia tem avançado na construção de um paradigma novo de Estado, como alternativa ao Estado Moderno, vivenciando um processo de democracia ampla, intensa e horizontalizada. Diferente de muitos países democráticos, a participação dos cidadãos bolivianos não se limita ao voto que elege seus representantes políticos, em diversas oportunidades, eles são chamados a opinar diretamente sobre os rumos do país, seja através de referendos ou por meio das assembleias deliberativas da sua comunidade. Mediante voto, a população pode, inclusive, determinar se um governante termina ou não o seu mandato.
OUTRA FORMA DE FAZER POLÍTICA – O povo boliviano não construiu apenas uma nova Constituição, mas outra lógica de organização política, que está se acomodando com a prática e sendo negociada não nos gabinetes do governo, mas nos debates públicos, nos espaços deliberativos e nas assembleias regionais e municipais com autoridade reconhecida legalmente. O texto constitucional está em aberto e alguns temas serão trabalhados em nível de lei.
Uma política construída por meio de uma democracia comunitária, feita da base para o topo e não imposta pelos governantes. Onde as lideranças são eleitas por consenso para representar o povo que as escolheu. Com a garantia constitucional das autonomias estaduais, regionais e indígenas, visto que, alguns povos estão distribuídos geograficamente em diferentes municípios e Estados. Com respeito pelas minorias em todas as instâncias, inclusive nas cerimônias oficiais, onde os representantes de cada povo podem fazer uso das roupas, crenças, costumes e língua que identificam a sua nação indígena. Enfim, um sistema de governo pluriétnico, multicultural, capaz de conviver e de se beneficiar das suas diferenças, que dá exemplo ao resto do mundo por comprovar que é possível construir um modelo baseado em suas raízes históricas e nas diversidades culturais.
Essa outra realidade vivida pelo país vizinho, foi apresentada pela Cônsul Geral da Bolívia no Brasil, Shirley Orozco Ramírez, a professores e alunos universitários, em visita a Belo Horizonte. Mostrando uma outra Bolívia, bem diferente daquela que aparece na mídia brasileira, que, infelizmente, prefere dar espaço à atuação do presidente boliviano Evo Morales nos gramados de futebol, do que a experiências positivas envolvendo toda a sociedade boliviana.
Jornalista Profissional – janainadamata@gmail.com
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