Crucifixos
nos Tribunais?
Alexandre
Bahia
Em 2007 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
decidindo vários “Pedidos de Providências” a respeito da presença de símbolos
religiosos em Tribunais, decidiu manter os mesmos, pois que, para aquele, sua presença
em órgãos públicos judiciários não ofende a Laicidade do Estado. Para o CNJ, “o uso de tais símbolos constitui um
traço cultural da sociedade brasileira e ‘em nada agridem a liberdade da
sociedade, ao contrário, só a afirmam’”. E ainda,
que a presença do crucifixo seria uma necessidade jurídica, porque “[t]rata-se
de representação, ainda que religiosa, do respeito devido àquele local”.
Há algumas questões a serem pensadas sobre o
caso.
Primeiramente, para quem não conhece, o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi um órgão criado em 2004 para servir de
“controle externo” do Poder Judiciário. Na verdade, a maioria dos seus membros
é advinda da própria magistratura, o que torna a ideia de controle “externo”
algo singular. De toda forma, o CNJ tem, entre outras funções, zelar pelo
correto funcionamento do Judiciário, daí a razão dele haver sido acionado.
Quanto à decisão, apenas podemos lamentar a
mesma. Quando o CNJ diz que o uso do símbolo religioso de uma certa religião
representa “a cultura” brasileira, esquece-se que somos uma sociedade plural e
diversificada. Que aquele símbolo, para alguém que não professa tal religião
nada lhe diz, não podendo se falar, pois, que inspire respeito ou algo do tipo.
Aliás, se o CNJ diz que a presença dos símbolos não influencia os juízes, por que
iria influenciar as pessoas que adentram no Tribunal?
Ao contrário do nosso CNJ, a Corte
Constitucional Alemã, tratando do mesmo tema teve decisão que reputamos muito
mais adequada: a coerção de participar de uma
lide sob a cruz, contrariando as convicções religiosas ou ideológicas do
litigante, caracteriza uma intervenção na liberdade de crença do mesmo, que
acabou por enxergar ali uma identificação do Estado com a fé cristã (cf.
BverfGE 35, 366[375])”[1]. Numa decisão posterior – sobre a presença de símbolos religiosos em
escolas públicas, decidiu a Corte: “1. A colocação de uma cruz ou de um
crucifixo nas salas de aula de uma escola pública – quando se trate de escolas
não confessionais – viola o Art. 4º, §1º da Lei Fundamental” (BVerfGE 93, 1).
Uma pena, “copiamos” tantas coisas de outros sistemas, particularmente da
Alemanha – até por termos um especialista na área entre os membros do CNJ –,
poderíamos ter aproveitado esse precedente e fazer um exercício de Direito
Comparado.
Ainda na Europa, a Itália foi condenada pela Corte Europeia de Direitos
Humanos por manter símbolos religiosos em escolas públicas. De acordo com a
decisão: “A presença do crucifixo --que era impossível não
notar nas salas de aula-- pode ser facilmente interpretadas pelos alunos de
todas as idades como um sinal religioso e eles poderiam sentir que estavam
sendo educados em um ambiente escolar com a marca de uma determinada
religião"[2].
Dezesseis anos antes daquela decisão do CNJ o Tribunal de Justiça de São
Paulo, no início dos anos 1990 já havia proferido decisão diametralmente
oposta:
Mandado de Segurança (...) Retirada de crucifixo da Sala da Presidência
da Assembleia, sem aquiescência dos deputados – Alegação de Violação ao
disposto no art. 5º, inciso VI da Constituição da República – Inadmissibilidade
– Hipótese em que a atitude do Presidente da Assembleia é inócua para violentar
a garantia constitucional, eis que a aludida sala não é local de culto
religioso – Carência decretada. Na hipótese, não ficou demonstrado que a
presença ou não de crucifixo na parede seja condição para o exercício de
mandato dos deputados ou restrição de qualquer prerrogativa (TJSP, Rel. Des.
Rebouças de Carvalho, MS. 13.405, julgado em 02/10/91).
Felizmente a tônica nos Tribunais locais tem
sido na direção apontada pelo TJSP: passados dois anos do que decidiu o CNJ, o
Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Desembargador Luiz
Zveiter, ordenou a retirada dos crucifixos espalhados pela corte no mesmo dia
em que tomou posse.
E,
após 5 anos da decisão do CNJ o Conselho de Magistratura do Rio Grande do Sul
determinou, no dia 06 de março de 2012, a retirada de símbolos religiosos do
TJRS e dos fóruns gaúchos. Segundo o Relator do caso, o Desembargador Cláudio
Baldino, "resguardar o espaço público do Judiciário para o uso somente de
símbolos oficiais do Estado é o único caminho que responde aos princípios
constitucionais republicanos de um Estado laico, devendo ser vedada a
manutenção dos crucifixos e outros símbolos religiosos em ambientes públicos dos
prédios".
Devemos atentar para o que diz a
Constituição. Em primeiro lugar, somos um Estado laico (art. 19, I), o que
significa que o Brasil nem adota (nem persegue) qualquer religião. De outro
lado, qualquer pessoa tem o direito de seguir a religião/crença que quiser,
desde que não ofenda as leis do País. Como complemento a isso, o art. 37 diz
que um dos princípios da Administração Pública é a impessoalidade, é dizer, o Estado não tem rosto. É inadmissível
que algum agente público queira usar recursos públicos para se promover, uma
vez que os bens públicos são de todos e não podem ser “privatizados” por
um/alguns. Também por isso o Estado não pode “adotar” uma certa confissão,
ainda que por tradição ou ornamento, sob pena de se estar “privatizando” um espaço,
que é público.
Apesar de algumas reações em contrário, essas
decisões regionais vêm sendo bem recebidas pela comunidade científica e pela
população em geral, o que mostra um maior amadurecimento do que se entende por
“âmbito público-estatal” numa “res plublica”; é dizer, se a laicidade do Estado
implica que este é “cego” para as religiões que seus cidadãos professam –
inclusive seus servidores, que poderão sempre portar objetos religiosos –, ao
mesmo tempo não deve, mesmo que seja por causa de uma tradição (que, se é
majoritária, não é única), manter relações com determinadas religiões, que
possam simbolizar dependência ou concordância expressa.
Quanto à “tradição”, ainda vale lembrar que
temos uma “tradição” muito maior de escravidão do que de alforria; de
subjugação da mulher frente ao homem (do que o inverso). Nem por isso alguém,
em sã consciência, irá defender a volta da escravidão ou (re)colocar a mulher
em posição jurídica inferior.
[1] Citado por VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Laicidade Estatal tomada a sério. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1830, 05/07/2008.
Disponível em: .
Acesso em: 27 mar. 2012.
[2] FOLHA DE SÃO
PAULO. Corte Europeia condena Itália por manter crucifixos em escolas. 03/11/2009.
Disponível em:
. Acesso em:
20/10/2010.
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