terça-feira, 6 de setembro de 2011

665- Libertos dos Portugueses? - Coluna do professor Virgilio de Mattos


         LIBERTOS DOS PORTUGUESES?
                        Virgílio de Mattos

      De onde Pedro Américo tirou essa tropa de puros-sangues-inglêses?
A história conta que Pedro I, teria jurado solenemente ser ‘a última besta da família’ e não podemos afirmar ainda hoje que tivesse ele “logrado êxito”, como se escreve nos boletins de ocorrências policiais.
O atavismo da besta parece influenciar de modo indelével nosso país, exceto, obviamente, no ufanismo dos locutores de futebol e dos apresentadores de TV, essa praga que não tem nenhuma relação com a literalidade lusitana.
Conta-se ainda, e é a mais pura verdade, que os tanques dos revoltosos, agora já estamos em 1974 (ficou tonto?), paravam nos semáforos de Lisboa a respeitar a ordem, a mínima ordem até mesmo nas revoluções.
Herança difícil essa nossa, além da sífilis essa obsessão pela ordem e, concedo, um certo progresso positivista.
Vamos voltar a 1822 e você, leitor paciente, mantenha a calma, por favor. Nada de enjoar, nem de passar mal, viu?!
Obviamente que a última besta da família real não estava montada no belo puro-sangue-inglês que Pedro Américo pintou. Ótimo que não tenhamos o cheiro desses europeus encardidos e fedidos, na maior parte do tempo por opção, a fazer o longo trecho Santos/Rio montados em mulas e não em fogosos PSIs de muita raça e nenhuma possibilidade fática de enfrentar a longa jornada, nem se fossem carregados às costas da besta imperial.
Nélson Rodrigues, o pai do valoroso guerrilheiro Prancha, dizia que tínhamos complexo de vira-lata. Equívoco do brilhante escritor. Temos complexo de pangaré. Não conseguimos sequer enxergar o quão valorosas podem ser as mulas, até mesmo na história.
Independência ou morte?
Acho que morremos. Afinal, independentes nem dos portugueses conseguimos ficar. Lembra-se da luta contra a estupidez? Pois então...






segunda-feira, 5 de setembro de 2011

664- Greve dos professores de Minas: marco histórico - Coluna do Frei Gilvander


Greve dos professores de Minas: marco histórico.
Gilvander Moreira(1)

Vejam o salário dos trabalhadores que fizeram a colheita nos campos de vocês: retido por vocês, esse salário clama, e os protestos dos trabalhadores chegaram aos ouvidos do Deus da vida... Vocês condenaram e mataram o justo.” (Carta de Tiago 5,4.6).

Dia 31 de agosto de 2011, acompanhei mais uma grande Assembleia Geral das/os Professoras/res da Rede Estadual de Educação do Estado de Minas Gerais, que estão em greve, desde o dia 08 de junho, há quase 90 dias. Foi emocionante e inesquecível e ao mesmo tempo provocou profunda indignação.. Mais de 9 mil educadores e centenas de trabalhadores de várias outras categorias, representantes de muitos sindicatos e movimentos populares transformaram a ante-Praça da Assembleia Legislativa de Minas em palco de luta. Mais quantos dias de greve serão necessários para que o Governador de Minas, Sr. Antonio Anastasia (PSDB + DEM), ouça os clamores dos educadores da Rede pública de Educação? Os clamores já estão sendo ouvidos em todo o Brasil, pelo mundo afora e chegou aos céus.
Somente após 84 dias de greve, o Governo Anastasia apresentou proposta de elevar o Piso salarial de R$369,89 para R$712, a partir de janeiro de 2012, desconsiderando o tempo de carreira e o grau de escolaridade. Os professores rejeitaram essa proposta e votaram, por unanimidade, a continuidade da greve por tempo indeterminado. A direção do Sind-UTE(2) disse: “A proposta nada mais é que o achatamento da carreira, não está aplicada a tabela de vencimento básico vigente e ela contemplaria apenas o professor, excluiria outras categorias de educadores. O Governo não apresentou proposta para os cargos de suporte à docência e por isso, também não cumpre a Lei Federal 11.738/08 que prescreve Piso Salarial Nacional.”
Em 2011, em educação pública, o Brasil ficou em 88º lugar, no ranking de educação da UNESCO. Há sete anos professora, a pedagoga Alzira de Sete Lagoas, mostrando seu contracheque com vencimento básico de apenas R$369,89 bradou: “Só retornarei para a sala de aula após o governador Anastasia começar a pagar o Piso Salarial Nacional, instituído pela Lei Federal 11.738/2008”. Os milhares de educadores, em Assembleia, gritaram: “É greve, é greve, é greve, até que o Anastasia pague o que nos deve” – o Piso Nacional, hoje, segundo o Ministério da Educação é R$ 1.187,00. Em 06 de abril de 2011, o STF(3), na ADIN 4167, definiu que piso é o vencimento básico. Acórdão sobre essa decisão do STF foi publicado em 24/08/2011, o que legitimou mais ainda a greve e as reivindicações dos educadores.
O governo estadual de Minas Gerais teve três anos para adequar o orçamento à exigência da Lei Federal 11.738, mas, na contramão do que reivindicam os professores, insiste em não pagar o piso salarial nacional e tenta justificar o injustificável. Os professores não aceitam mais subsídio, porque isso significa a morte da carreira. Logo, o governo estadual age na ilegalidade, com atuação imoral. Relatório técnico do Tribunal de Contas do Estado comprovou que o Governo de Minas não investe o percentual constitucional de 25% (4) em educação pública. Em 2009, por exemplo, o investimento foi de apenas 20,15%.
De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE – o Piso Salarial Nacional para 24 horas semanais deveria corresponder, hoje, a R$1.597,87, pois a Lei 11.738 estabelece reajustes anuais para o piso. Como o valor do piso em 2008 era de R$950,00, aplicados os reajustes de 2009, 2010 e 2011, o piso hoje teria que ser R$1.597,87. Contudo, em 2009, o Governo Federal não concedeu o reajuste.

Um levantamento elaborado pelo Sindifisco-MG(5) para avaliar o investimento dos Estados brasileiros com a educação em relação à Receita Corrente Líquida de cada Estado, Minas Gerais é o penúltimo colocado. Há um déficit em Minas Gerais de 1 milhão e meio de vagas na educação básica. A preocupação que o Governo diz ter com o ENEM não é sincera pelos seguintes motivos: a) o Governo estadual não oferece aos estudantes toda a matriz curricular do ensino médio; b) autorizou a contratação de pessoas sem formação em magistério e licenciatura para ser professor; c) não cumpre a Lei Federal 11.738, o que poria fim à greve.
Um processo de empobrecimento dos educadores da rede pública em Minas se aprofundou desde que o Aécio Neves assumiu o governo. O tão badalado “Choque de Gestão” - que está na terceira fase -, uma política neoliberal que marginaliza os trabalhadores da educação, os servidores públicos e toda a sociedade.
Em Minas, o vencimento básico hoje de um professor de nível médio é de R$ 369 e  professor/a que tem licenciatura plena é R$ 550. Logo, o governo de Minas Gerais paga como vencimento básico quase só o salário mínimo para professor/a tem um curso universitário. Alegar que o Estado não tem condições de pagar o Piso nacional não justifica pelo seguinte: a) O vencimento básico da polícia civil é R$2.041,00; b) Minério, celulose, café e muitos outros produtos primários são exportados com isenção de impostos (Lei Kandir); c) Há dinheiro para grandes obras “como a  COPA”, construção da Cidade Administrativa, aumento exorbitante do aparelho de repressão – grandes penitenciárias, milhares de policiais, milhares de viaturas etc.
Assino embaixo do que disse Leonardo Boff, em mensagem aos professores: “Estou estarrecido face à insensibilidade do Governador Anastasia face a uma greve dos professores e professoras por tanto tempo. Ele não ama as crianças, não respeita seus pais, despreza uma classe de trabalhadores e trabalhadoras das mais dignas da sociedade.” Acrescento: Ele não respeita a sociedade que diz representar. Somente as/os trabalhadoras/os que lutam pelos seus direitos tem dignidade para ensinar cidadania.
Que beleza o apoio de Dom Tomás Balduíno aos professores, ao dizer: “Orgulho-me pela greve de vocês. Vejo neste acontecimento um dos esperançosos sinais dos tempos, semelhante ao que está acontecendo no Chile. Vocês, com seu sofrimento e angústia, estão sendo os instrumentos de Deus na construção do Brasil que queremos, a Pátria dos nossos sonhos. Por isso uno-me solidário com vocês e com todos e todas que lhes dão apoio.”
Com Cora Coralina, digo: “Propõe-se a ensinar aquele que é bom de espírito, aquele que se orgulha quando o aluno o supera. Aquele que, cotidianamente, motiva o aluno, sem esquecer-se de que um dia o foi... É aquele que, “Feliz, transfere o que sabe e aprende o que ensina.” Vejo isso nos professores que estão em greve em Minas e em muitos outros estados.
Essa greve, a mais longa da história de Minas, será um marco histórico na luta pela educação pública e de qualidade, em Minas. Que cada professor/a desenvolva pedagogias que ajudem na compreensão da vida concreta, isto é, a matemática da fome, o português da violência, a geografia e a história da exploração e dos problemas sociais, a ciência da história da vida real das pessoas.
A greve das/os professoras/res de Minas Gerais está sendo uma verdadeira escola libertadora. Quem disse que as/os professoras/es não estão ensinando? As/os educadoras/res estão nas ruas, ensinando uma verdadeira lição de cidadania, de quem não se deixa oprimir, de quem busca na luta, dignidade e justiça social pelo valor à educação, um dos maiores patrimônios que o Estado tem a obrigação de cuidar.
Atenção, Anastasia, a greve só será interrompida quando a justa, legal e legítima reivindicação da categoria for atendida: o Piso Salarial Nacional, um valor pífio e insignificante.
Enfim, benditas/os as/os educadoras/os e todos os que apoiam a luta pela educação pública e de qualidade e, assim, lutam pela transformação da sociedade.

Belo Horizonte, 04 de setembro de 2011



1-Mestre em Exegese Bíblica, professor, frei e padre carmelita, assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis
2-Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de Minas Gerais.
3-Supremo Tribunal Federal.
4-Cf. Constituição Federal, art. 212.
5-Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais.

sábado, 3 de setembro de 2011

663- Cinema

Wristcutters ou "Paixão suicida" é um filme diferente, inteligente, estranho, sobre o amor em condições adversas, radicais. Pode-se amar em qualquer lugar e o filme de Goran Dukic - os cineastas Iugoslavos são espetaculares - ( http://en.wikipedia.org/wiki/Goran_Duki%C4%87 ) mostra o amor em um espaço criado para os suicidas (depois de suicidarem). Um conto de amor bizarro, uma experiencia muito interessante. O filme é baseado em um conto de Etgar Keret http://pt.wikipedia.org/wiki/Etgar_Keret ("Kneller's happy Campers")
Vejam o filme:


 Outro filme fantástico, inteligente, que fala de amor em lugares improváveis. Agora o lugar não é um lugar em uma dimensão paralela ao que chamamos real, mas é uma dimensão surreal do real, absurda: a cadeia.


Finalmente um filme com a fantástica atriz Asia Argento sobre um amor em situação improvável. Será amor?

Boa diversão, boa reflexão.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

662- 15 Romaria da Águas e da Terra de Minas Gerais - Coluna do Frei Gilvander


15ª Romaria das Águas e da Terra de Minas Gerais

Edivaldo Ferreira Lopes(1), Maria do Rosário Carneiro(2) e Gilvander Moreira(3)

1. Em clima de encontro.
Em um dia de clima fresco, com algumas nuvens encobrindo o sol, depois de uma semana de missões – com mais de 100 missionárias/os - e de uma bonita noite cultural, na cidade de Almenara, no Vale do Jequitinhonha, sob a liderança da Comissão Pastoral da Terra – CPT – e da Diocese de Almenara, aconteceu a 15ª Romaria das águas e da terra do estado de Minas Gerais. Com o tema “Terra e Água: dádiva de Deus garantia de vida” e com o lemaLutas populares a serviço da vida no campo!”, cerca de 20 mil romeiras/os de muitos cantos e recantos das Minas e dos Gerais, das 6:00h às 6:30h, do dia 28 de agosto de 2011, se acolheram mutuamente e tomaram café da manhã, servido carinhosamente a todos, em uma verdadeira partilhar dos pães. Foram mais de 80 ônibus que trouxeram as pessoas das comunidades mais distantes de Almenara, com a graça do Deus da vida, sem acidentes.
No meio da imensa multidão de romeiras/os estavam freiras, freis, seminaristas, uns 20 padres e três bispos, também romeiros/as. Dom Hugo Maria Van Steekelenburg, bispo da Diocese de Almenara, acolheu o povo como um anfitrião que recebe com alegria os convidados em sua casa. Estavam presentes também, dom José Alberto Moura, arcebispo da arquidiocese de Montes Claros, MG e dom Aloísio Vitral, bispo da Diocese de Teófilo Otoni.
Na abertura da Romaria, após o delicioso café partilhado, todas/os romeiras/os foram calorosamente acolhidos/as. Irmã Letícia proclamou: “Deus salve a caminhada, Deus salve o povo em romaria! Salve os pés romeiros que pisam com ternura e sente a força geradora de vida da mãe terra. Salve os ouvidos romeiros que escutam o clamor da águas, das nascentes, rios, córregos e riachos. Salve a teimosia profética das vozes que clamam por justiça. Salve a esperança que brota a cada dia da luta e compromisso com o Deus da vida! Salve a igreja dos pobres que não teme anunciar a boa notícia do Evangelho de Jesus! Salve o Vale do Jequitinhonha e a Diocese de Almenara que abre portas e corações para acolher a 15ª Romaria das águas e da terra de MG.”

2. Retrospectiva das Romarias de Minas.
Antes de iniciar a caminhada, foi feita uma pequena retrospectiva das 14 Romarias já realizadas no estado de Minas. Retrospectiva para fazer memória, construir história, olhar os passos dados e se firmar no caminho rumo a Pátria livre que buscamos. A 1ª Romaria foi na cidade de Manga, Norte de Minas, às margens do Rio São Francisco, no dia 26/10/1996, com o tema “Terra e Água para viver”. “Eu vim de longe pra encontrar o meu caminho ...” todos cantaram.
Em Nova Era, Vale do Aço, às margens do Rio Piracicaba, no dia 29/09/1997, aconteceu a 2ª Romaria, com o temaTerra e Água, clamor por justiça”. E o povo cantou: Se é pra ir pra luta eu vou, se é pra estar presente eu estou...”
Às margens do rio Jequitinhonha, na cidade de Jequitinhonha, aconteceu a 3ª Romaria no dia 30/08/1998, com o tema “Terra e Água, herança de Deus” e com a prece profunda do povo que cantava: “Também sou teu povo, Senhor, e estou nesta estrada...”
 Ponte Nova foi o lugar de acolhida da 4ª Romaria. Campo das Vertentes, às margens do rio Piranga, no dia 29/08/1999, com o tema “Terra e Águas livres, este sonho não pode ser inundado” e com o canto profético do povo que afirmava: “Eu quero ver acontecer um sonho bom, sonho de muitos...”
A 5ª Romaria aconteceu no Assentamento Formosa Urupuca, em São José da Safira, Vale do Rio Doce, às margens dos Rios Urupuca e Suaçuí, no dia 06 de agosto de 2000, com o tema “Terra e Água conquistadas, vida resgatada”. “Sou, sou teu Senhor, sou povo novo retirante e lutador...”
Em Salinas, Norte de Minas, aconteceu a 6ª Romaria, às Margens do Rio Salinas, no dia 19/08/2001, com o tema “Terra e Água! Clamor de vida!” “Lutar e crer, vencer a dor...”, foi um dos gritos cantados pelo povo.
“Dividir a Terra e a Água é multiplicar o pão” foi o tema da 7ª Romaria que  aconteceu em Águas Formosas, no Vale do Mucuri, no dia 04/08/2002. Nesta Romaria, ecoou pelo Vale do Mucuri o canto do povo que dizia: “Jubileu da terra é repartir o pão, é repartir a terra...”
O Triângulo Mineiro recebeu a 8ª Romaria, em Tupaciguara, no dia 20/07/2003, com o tema “Água e Terra pra viver e conviver.” Com alegria cantou-se muitas vezes: “Vai ser tão bonito se ouvir a canção, cantada de novo ...”
Na 9ª Romaria, o povo foi a Pirapora/Buritizeiro, no Norte de Minas, as margens do rio São Francisco. Aconteceu no dia 01/08/2004, com o tema “Terra, nossa mãe; Água, nossa vida. Cuidar das nascentes, veredas e riachos, veias, vivas da Terra.” Nesta Romaria o povo cantou “Meu Rio de São Francisco nessa grande turvação, vim te dar um gole d’água e pedir tua bênção...”
Em Janaúba, no Norte de Minas, as margens do rio Goturuba, no dia 20/08/2006, com o tema “Terra e Água, Força de Vida,” aconteceu a 10ª Romaria com o povo cantando: “Irá chegar um novo dia...”
E o povo foi para a Capital de Minas Gerais, às margens do Rio Arrudas, com a 11ª Romaria, no dia 19/08/2007. Com o Tema “Terra e Água, no campo e na cidade, a vida em primeiro lugar. Olhando para o Rio Arrudas, o povo cantou e rezou:  Nós temos sede, queremos água limpa pra beber...”
A 12ª  Romaria aconteceu em Belo Oriente, no Vale do Aço, às margens do Rio doce no dia 17/08/2008, com o tema “Terra e Água, clamor de vida.” Um canto, um clamor a Tupã... “Tupã! Tupã! Tupã!...”
Em Itinga, no Vale do Jequitinhonha, às margens do rio Jequitinhonha, no dia 02/08/2009, aconteceu a 13ª Romaria aconteceu, com o tema “Águas e terra de Minas pedem socorro. Escolhe, pois a vida,” e com o canto do povo “Nossa mãe terra, Senhor ...”
A cidade de Januária, no Norte de Minas, acolheu a 14ª Romaria, às margens do Rio São Francisco, no dia 17/07/2011, com o tema “Terra e Água Partilhada, Herança de Deus Resgatada.” Nesta, o povo com firmeza cantou: “Não deixe morrer, não deixe o rio morrer, se não morre o ribeirinho de fome e de sede, de sei lá o quê...”
Em Almenara, na 15ª Romaria, o povo cantou e rezou: “Paim criador, cheio de ternura e bondade, seja louvado na terra, seja louvado nas águas e por tudo que delas nos vem”.

3. Paradas para reflexão.
Como as/os romeiras/os da história o povo, que formou uma grande multidão, seguiu em marcha pelas ruas da cidade, rezando, cantando, fazendo paradas para meditar.
Na 1ª parada, iluminados pela profecia de Jeremias 20,7-9, foi anunciado: Viver a profecia hoje requer de nós confiança no Deus da vida, coragem de romper com as cercas do latifúndio e proclamarmos que a Terra é dom de Deus para todos.
Outro momento significativo foi quando o povo parou numa praia do rio Jequitinhonha e sob uma brisa suave todas/os romeiras/os foram convidados pela Irmã Reginalda e por Dom Aloísio Vitral a ouvir os clamores do rio e contemplar a beleza da biodiversidade.
As imagens de São Francisco e Nossa Senhora da Ajuda vieram em canoas e, após se encontrarem, foram levadas pelos romeiros na caminhada de reconciliação. 
As Mulheres do coral das Lavadeiras de Almenara pegaram água no rio Jequitinhonha e, ao final da celebração, aspergiram a água sobre o povo. Uma verdadeira experiência mística de encontro com o divino misturado nas águas, na terra e no povo. Tudo era silêncio e prece; clamor e louvor... “Este é o nosso país, esta é a nossa bandeira. É por amor a esta pátria Brasil, que a gente segue em fileira”, ecoava do peito forte e valente de milhares de romeiros.
Na 2ª parada, em cima da ponte sobre o rio Jequitinhonha, a leitura da Carta aos Romanos (Rm 12,1-2) iluminou o caminho e aqueceu os corações de todos. Padre Dirceu Luiz Fumagalli, da coordenação Nacional da CPT, no alto do caminhão de som, refletiu com todos sobre a sacralidade da água e conclamou a todas/os à luta contra a privatização das águas, contra monocultura do eucalipto que seca as nascentes e contra mineração que causa devastação socioambiental.
Esta parada também foi marcada pela memória dos cinco companheiros que tombaram na luta no Acampamento Terra Prometida, em Felizburgo, quando aconteceu o massacre de cinco Sem Terra: Miguel, Joaquim, Francisco, Juvenal e Iraguiar. Jorge, liderança do MST e sobrevivente desse massacre, recordou a todos que o sangue dos mártires clama por justiça e deve continuar circulando nas nossas artérias e nos animando na luta.
 Também nesta parada foi fincada uma grande cruz na beira do rio, em cima de uma grande pedra, ao lado da ponte. Dom José Alberto fez a motivação e o povo cantou e rezou, de mãos estendidas para a cruz, o Pai Nosso dos Mártires. “Perdoa-nos quando por medo ficamos calados diante da morte. Perdoa e destrói os reinos em que a corrupção é a lei mais forte...”
Na 3ª e última parada, ao chegar ao estádio Lisboão, o padre Newton motivou o grande momento de partilha dos alimentos. Não sabemos como, mas sabemos que quase 20 mil pessoas se alimentaram. A partilha tem uma força infinita. “Bastariam cinco pães e dois peixes e o milagre do amor...”
Após o almoço - e um momento de descanso e descontração -, a celebração eucarística foi retomada com a proclamação do evangelho de Mt 16,21-37. Dom Hugo fez uma homilia libertadora... Através da Carta Compromisso da XV Romaria - lida por Luziete, agente da CPT, e distribuída para todas/os romeiras/os – as/os romeiras/os denunciaram: A nossa condição de cristão nos faz denunciar que é injusto e anticristão: a) A concentração da terra que fortalece o coronelismo perpetuando os conflitos agrários; b) A mercantilização da água que encaminha para a “escassez progressiva” com o represamento e poluição dos nossos rios; c) A mineração que arranca do seio da mãe terra suas riquezas, deixando para trás os enormes passivos socioambientais - as crateras da cobiça; d) As monoculturas e os agrotóxicos que sugam a fertilidade da terra e comprometem a agricultura familiar e camponesa - que produz 70% dos alimentos saudáveis e diversificados que chegam na mesa do povo.

4. Luta pela terra no Vale do Jequitinhonha.
Um dos pontos de destaque da 15ª Romaria foi a Luta pela Terra. A conta-gota, durante toda Romaria se refletiu muito sobre a luta pela terra no Vale do Jequitinhonha. Ficou claro para todos que o latifúndio - em grande parte, improdutivo - e as monoculturas do capim e do eucalipto - extremamente danosas ao meio ambiente - têm causado sérios problemas ambientais e sociais relacionados à posse e ao manejo da terra. As marcas do coronelismo e a concentração de terras na região perpetuam a pobreza e os conflitos agrários, envolvendo a posse das comunidades tradicionais e famílias posseiras que não conseguiram titular suas terras. Os conflitos agrários têm ocorrido desde datas imemoriais, perpetuando-se uma cultura de violência perpetrada pelos grupos dominantes, contra todos aqueles que vivem em situação de exclusão e pobreza e contra aqueles que não se calam diante deste cenário desumano.
A luta pela terra é uma bandeira de luta que os trabalhadores rurais têm buscado sustentar para garantir o acesso a terra. Muitas dificuldades são encontradas, dentre elas, destaca-se a morosidade e a ineficiência do INCRA e as ameaças e a violência advinda dos latifundiários.
Segundo dados do INCRA/MG, a partir de 1986 foram criados 22 assentamentos no Vale do Jequitinhonha, mas muitos destes assentamentos encontram em situação de acampamentos, famílias morando em barracos de lonas ou casebres de pau-a-pique, sem água canalizada e sem energia, ou seja, sem a infra-estrutura necessária.  Há uma paralisação nos processos de reforma agrária. O INCRA está mais lento do que bicho preguiça. As áreas de assentamento existentes no Vale estão praticamente abandonadas pelo INCRA e pelos governos.
A demarcação de lotes e construção de moradias tem sido barrada pelos órgãos ambientais, tal como IEF – Instituto Estadual de Floresta – e o Governo de Minas que, com política de implantação de Parques estaduais, estão infernalizando a vida das comunidades tradicionais e assentados de reforma agrária. Tem-se aplicado com todo rigor a lei da Mata Atlântica. Mas, vale lembrar que essa lei só é aplicada com rigor contra os pobres, porque em favor da parte afortunada toda lei é flexibilizada, licenças são emitidas para desmatamento,  para o plantio de monoculturas como capim e eucalipto em curtos “processos” de licenciamento, causando indignação e desesperanças nos trabalhadores e trabalhadoras e suas entidades/movimentos.
Há centenas de famílias acampadas em diversos acampamentos por todo o Vale do Jequitinhonha, alguns com mais de 10 anos de existência à espera da desapropriação de vários latifúndios improdutivos que não estão cumprindo sua função social. Muitos dos processos para decretos de desapropriação continuam parados, mesmo com todas as pressões que os trabalhadores têm feito. Desde o final do ano de 2009 muitas propriedades foram indicadas para vistoria. Dentre as vistoriadas, mais da metade foram descartadas pelos técnicos do INCRA, alegando ser Mata Atlântica, não podendo ser desapropriadas para assentamento de famílias sem terra.
Os conflitos agrários atingem comunidades quilombolas e posseiros. Fazendeiros e o poder judiciário, com ajuda de policiais militares, têm ameaçado e despejado famílias que há séculos resistem em suas posses. Isso é mais grave, porque as autoridades competentes, muito pouco têm feito na defesa destes povos. Na Diocese de Almenara existem seis comunidades quilombolas, nenhuma delas tem seus territórios definitivamente titulados. Estas comunidades há anos esperam o INCRA fazer estudo antropológico e isso não tem acontecido, alegando não ter antropólogos suficientes na instituição para tal finalidade.

5. Enfim...
Toda a caminhada da 15ª Romaria foi regada com cantos das Comunidades Eclesiais de Base, gritos de luta, orações e pequenas reflexões que denunciaram os projetos de morte e anunciaram os projetos em defesa da vida. Neste clima, o povo reassumiu o compromisso de novas relações com a mãe terra e a irmã Água e com as grandes causas em defesa da terra e da água, com a força dos testemunhos de mulheres e homens e dos mártires que tombaram na luta, como os mártires de Felisburgo.
Com a bênção de mais uma Romaria, todas/os romeiras/os voltaram para suas comunidades com novo entusiasmo para seguir testemunhando que Terra e Água são dádivas de Deus e garantia de vida.

1- Agente da CPT, estudante do Curso Licenciatura em Educação do Campo - PROCAMPO - da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri –UFVJM; e-mail: cptbaixojequi@yahoo.com.br
2-Advogada, integrante da Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG – e da Rede Nacional dos Advogados Populares – RENAP -, da Rede de apoio às Comunidades de resistência; e-mail: rosariofi2000@yahoo.com.br

3- Frei e padre carmelita, mestre em Exegese Bíblica; professor de Teologia Bíblica; assessor da CPT, CEBs, SAB e Via Campesina; E-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - facebook: gilvander.moreira