domingo, 16 de outubro de 2016

1639- Coluna de Cinema com o professor José Luiz Quadros de Magalhães: Espuma dos dias e Questão de tempo

Coluna de Cinema com o professor José Luiz Quadros de Magalhães: Espuma dos dias e Questão de tempo

A Espuma dos Dias (About time)
José Luiz Quadros de Magalhães

            A leveza é possível.
            Embora todo o mundo moderno, todos os impulsos da sociedade de ultra consumo, toda a ordem do supereu percebido por Lacan (ao contrário do supereu da renúncia do tempo de Freud), que nos ordena curtir sem cessar, é possível ser leve. Mas é preciso, antes descobrir a importância da leveza. O que é ser leve? Porque a leveza parece impossível?
            Talvez esta seja a grande chave do filme “A espuma dos dias”. A espuma que se desfaz rapidamente após grande abundancia. A espuma cresceu, transbordou, parecia que nunca ia acabar. Encobriu pecados e desejos, rapidamente revelados com sua fragilidade. Efêmera....
            A grande cena: duas pessoas, um homem e uma mulher, mas, mais do que qualquer gênero, duas pessoas, lindas, descobrindo o amor, a complementariedade da vida, sem pressa, sem nada mais do que as duas pessoas. Um túnel que leva de um lado ao outro e vice-versa. Atravessa. Os dois se descobrem. Este é o momento. A anulação do tempo, de novo o tempo. O tempo do poeta, talvez não, o poeta talvez tenha sido apressado ao declarar a infinitude finita de vários amores sexuais. Não é isso. É muito mais. Ele diz: “sinto que este é o momento mais importante de minha vida e não posso errar”. Na resposta leve está toda a (im)possível leveza: “não há problema em errar, temos toda a vida para acertar”.
            Isto.
            Leve.
            Tudo.
            Este texto é sobe dois filmes e o tempo.
            O primeiro, que acabo de pensar sobre uma cena, fala de leveza, da negação da aflição do tempo que com o tempo leva cedo uma vida, leve, esmagada pela doença. Um belíssimo e incômodo filme surreal.
            O segundo filme, “Questão de tempo” (About time) fala do controle do tempo cronológico. Sim, de novo ele, Kronos, o implacável amigo.
            O filme, “About time” nos fala de forma divertida sobre a possibilidade de brincar com Kronos. Kairós está ausente. Não fala do tempo subjetivo, de outros tempos vários, fala simplesmente do implacável Kronos. Sem apelar para recursos tecnológicos, máquinas do tempo e efeitos especiais, o filme fala dos “homens” de uma família (porque só os homens também é uma questão esquisita) que podem viajar no tempo simplesmente indo a um lugar escuro, apertando as próprias mãos e pensando para onde querem ir no passado.
            Primeiro é importante superar uma questão de gênero. As mulheres não precisam destes recursos, e logo veremos por que. A questão é que, quando o jovem recebe a notícia do pai de sua herança mágica este começa a manipular sua história (estória talvez). Volta no tempo várias vezes até acertar a cantada certa para conquistar seu amor. Volta no tempo várias vezes até proporcionar a melhor primeira noite para o seu amor. E........
            É isto?
            Ele enganou seu amor. Ele não é a primeira noite perfeita tantas vezes ensaiada. Ele não é o galã que acerta a cantada na primeira vez. Ele errou sozinho. Aí está a diferença entre a leveza de errar juntos, sem a obrigação de acertar e o desespero de não errar, o desespero de não aceitar o erro, de buscar a perfeição que não existe, mesmo quando se pode manipular o tempo. Manipular o tempo é uma mentira. Encobrir os erros, errar sozinho para parecer o que não se é, o que não se pode ser.

            Melhor a leveza impossível do que a performance do presente contínuo ou do tempo manipulado. Disto falam os filmes. Boa reflexão.

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