terça-feira, 16 de abril de 2013

1318- Carta de Belo Horizonte - em defesa da atribuição do Ministério Público para investigar violação dos Direitos Humanos


CARTA DE BELO HORIZONTE

Em defesa da atribuição do Ministério Público para investigar criminalmente violações de Direitos Humanos

Belo Horizonte, 2 de abril de 2013.

Está em votação no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 37/2011, também conhecida como PEC 37 ou "PEC da Impunidade", que pretende subtrair o poder de investigação dos Ministérios Públicos Estaduais e Federal e confiná-lo, privativamente, à polícia federal e às polícias civis dos Estados e do Distrito Federal. Caso seja aprovada, referida PEC afetará drasticamente o sistema investigativo brasileiro, notadamente naquilo que diz respeito às investigações criminais das violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos. Como consequência, estaremos sujeitos a índices ainda maiores de impunidade, inclusive no que diz respeito aos crimes já apurados, processados e julgados, nos casos em que a investigação tiver sido conduzida exclusivamente pelo Ministério Público. Diante do risco de tamanho retrocesso democrático e CONSIDERANDO o preconizado pelo Direito Internacional no sentido de que
os Estados devem assegurar que as suas autoridades atuem eficazmente em matéria de prevenção, detecção e repressão da corrupção de agentes públicos, inclusive conferindo-lhes independência suficiente para impedir qualquer influência indevida sobre a sua atuação1;
o Ministério Público atua em defesa dos interesses da sociedade e dispõe de garantias e prerrogativas constitucionais capazes de assegurar a necessária isenção na apuração, portanto é imprescindível que participe ativamente na persecução criminal, inclusive na fase pré-processual, em casos de autoria delitiva atribuída a agentes públicos que digam respeito a corrupção, abuso de poder e outros tipos de violações de direitos humanos2, com destaque para casos de tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante3;
o sistema estabelecido pelo Tribunal Penal Internacional, ratificado pelo Brasil, adota o poder investigatório a cargo do Ministério Público4;
CONSIDERANDO que, no direito interno, a atribuição do Ministério Público para instaurar e presidir procedimentos investigatórios criminais encontra respaldo em nível constitucional e infraconstitucional, além de ter seus limites e diretrizes previstos em ato específico do Conselho Nacional do Ministério Público5, onde são estabelecidos prazos e mecanismos de controle para a realização subsidiária de investigações criminais, em casos excepcionais e devidamente justificados;
CONSIDERANDO que grupos populacionais vulnerabilizados sob o ponto de vista social, politico, econômico e/ou cultural sofrem, historicamente, com o acesso limitado à justiça e à reparação pelos de que são vítimas e que o Ministério Público é constitucionalmente incumbido de zelar pelos interesses sociais de tais grupos;
CONSIDERANDO que, em média, a cada cinco horas uma pessoa é morta no Brasil por agentes investidos de função pública6 e que, em Estados que atribuem poder investigatório ao Ministério Público, como Alemanha, França, Portugal e Espanha, a repressão a tais crimes é eficiente, o que contribui para que não haja impunidade e, consequentemente, para que os índices de criminalidade mantenham-se baixos;
CONSIDERANDO que o exercício do controle externo da atividade policial ou do poder de polícia exercido por agentes estatais é essencial para a plena garantia dos direitos humanos, e que sua eficiência depende da possibilidade de o Ministério Público produzir, coletar e utilizar as provas legais necessárias à demonstração das responsabilidades penais dos acusados;
CONSIDERANDO, por fim, que no Brasil o Ministério Público é uma instituição amplamente respeitada, com , e tem desempenhado um papel-chave no combate à impunidade de agentes estatais, sendo-lhe recomendada a investidura de poder investigatório para orientar e conduzir investigações independentes sobre crimes cometidos por agentes públicos, conforme já declarado, inclusive, pela Organização das Nações Unidas7 e Anistia Internacional8 e que, em missiva dirigida ao Supremo Tribunal Federal, a Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República manifestou-se contrariamente à aprovação da PEC 37/2011, sob o argumento de que garantir atribuição de investigar também ao Ministério Público é uma forma de combater a impunidade e fortalecer a defesa dos direitos humanos9,
CONCLUI-SE que a PEC 37 é inconstitucional e viola obrigações internacionais assumidas pelo Brasil; que afronta o princípio da eficiência, na medida em que limita o número de órgãos competentes para promover a investigação criminal; que implica enfraquecimento do Estado Democrático de Direito, prejuízo à defesa dos direitos e garantias individuais e da cidadania; e, em última instância, aniquila importante ferramenta para a promoção da dignidade da pessoa humana.
Por todo o exposto, vimos, em eco à Carta contra a Impunidade e a Insegurança (2012), à Carta de Brasília (2013) e demais manifestações em sentido semelhante, expressar nossa grande preocupação e absoluta discordância em relação à retirada dos poderes investigativos do Ministério Público, e clamar para que os parlamentares reforcem seu compromisso com a Constituição da República, com o Estado Democrático de Direito, e com as obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro, manifestando-se contrariamente à aprovação da PEC 37/2011.
Subscrevem esta Carta:
Ministério Público do Estado de Minas Gerais
CEJIL Centre for justice anda Internacional Law
Comissão de Direitos Humanos da ALMG
CONEDH – Conselho Estadual de Direitos Humanos
Justiça Global


APT - Associação de Prevenção à Tortura
Pastoral Nacional Carcerária
Movimento Nacional de Direitos Humanos
Instituto de Direitos Humanos
Associação dos Amigos e Familiares das Pessoas em Privação de Liberdade
Projeto Novos Rumos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

1 Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto nº 5.015/2004. Artigo 9º, n. 2.
2 Diretrizes das Nações Unidas sobre o Papel dos Promotores e Procuradores, aprovadas pelo 8º Congresso da ONU sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes (“Guidelines on the Role of Prosecutors”, Havana, 1990). Regras 11 e 15; Resolução 17/2 da Comissão da ONU sobre Prevenção do Crime e Justiça Criminal intitulada Fortalecimento do Estado de Direito através do Aumento da Integridade e da Capacidade dos Ministérios Públicos (“Strengthening the Rule of Law through Improved Integrity and Capacity of Prosecution Services", Viena, 2008). Página 4, ponto 4.2.
3 Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Promulgada pelo Decreto nº 40/91. Artigo 12: “Cada Estado-parte assegurará que suas autoridades competentes procederão imediatamente a uma investigação imparcial, sempre que houver motivos razoáveis para crer que um ato de tortura tenha sido cometido em qualquer território sob sua jurisdição”.
4 Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, adotado no Brasil por meio do Decreto nº 4388/2002. Artigo 15º.
5 Resolução n° 13 do Conselho Nacional do Ministério Público, que regulamenta o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei n.º 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, e dá outras providências.
6 Dado estimado, resultante de cruzamento feito pelo Correio Braziliense em 2011 a partir das estatísticas de mortalidade por força policial do Ministério da Saúde e das ocorrências registradas nas secretarias de Segurança Pública do Rio de Janeiro e São Paulo. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2011/07/25/interna_brasil,262535/policia-mata-uma-pessoa-no-brasil-a-cada-cinco-horas.shtml. Última consulta em 28/03/2013.
7 ALSTON. Philip. Relatório do Relator Especial de execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias. A/HRC/11/2/Add.2. Conselho de Direitos Humanos. 29 de agosto de 2008. §§58, 62 e 95.
8 Carta enviada em 2004 pela Secretária Geral da Anistia Internacional, Irene Khan, ao Supremo Tribunal Federal.
9 Aviso nº 89/2012 – GM/SDH/PR, expedido em Brasília,



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