quinta-feira, 25 de outubro de 2012

1254- Dias estranhos - Coluna do professor Virgilio Mattos


DIAS ESTRANHOS

   Virgílio de Mattos

Outubro que sempre foi um mês rubro, nunca foi tão aziago, não que eu me lembre.
As más notícias do cotidiano são de todas as ordens: políticas, econômicas, pessoais. Os fascistas avançam por toda parte. E as más notícias com eles. Parece praga.
Entretanto, talvez a maior perplexidade seja o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal, “guardião da constituição” (art. 102 da CRFB), que tem funcionado como um autêntico tribunal de exceção – o que é expressamente vedado pela própria Constituição, bastando confrontar seu art. 5º, inciso XXXVII – no julgamento da Ação Penal n. 470.
Sempre aprendi – inclusive com vários professores fascistas – que na dogmática “só a prova condena, só a prova absolve” e que condenar sem provas era a violação mais mesquinha não só do devido processo legal – no qual a ausência de provas conduz inexoravelmente à absolvição – como do próprio estado democrático de direito, que sempre deve ser lido como estado democrático de direito burguês, enquanto a humanidade vive esse estágio no qual convive com a existência do direito burguês.
Ensinava, quando ensinava direito penal, que é ele, por excelência, o braço armado da superestrutura, feroz cão de guarda dos poderosos e sempre que atua produz efeito iatrogênico. É simbólico e tem sempre uma função política, de contenção do proletariado ou do subproletariado.
Não me enganava e nunca enganei a ninguém: a principal função do direito penal é conter os avanços das massas pauperizadas cominando penas privativas de liberdade àquelas condutas que, de alguma forma, possam atingir os privilégios das classes dominantes. Nada mais, nada além. E isso, convenhamos, ele faz muito bem.
Enquanto estivermos vivendo sob a mesquinharia do sistema capitalista, em que o homem deve ser empregado do homem e não amigo do homem, penso que não haverá saída, só mesmo “ruas, viadutos e avenidas”, como dizia o poeta. E nessas ruas, enquanto por elas não passar as massas de explorados a fazer sua justiça implacável, haverá espaço para os midiáticos paladinos da moralidade que não têm como sequer olhar o próprio rabo.
As piores notícias, no entanto, chegam de outra forma e de vários lados do mundo, com amigos devastados por metástases inoperáveis e intratáveis.
Logo eles, os mais fortes e mais firmes e que lutaram tanto a vida inteira, terem um final de vida assim: inapelável.
Terão toda a eternidade para descansarem, sei bem disso e a querida que ouvi hoje o fio de voz bem fraquinho, a que ambos debitamos a esse serviço telefônico de merda – para nos enganarmos e poder seguir conversando, ainda me disse um “te amo” na língua dela.
Choro de raiva e de vergonha. Raiva por ver tanto filho da puta – com todo o respeito que me merecem as putas – por aí, mundo afora, vendendo saúde e vergonha de não conseguir prestar uma homenagem à altura – as palavras não saem, essas vadias.
Dias estranhos. Além da alegria perdi o manejo das palavras.
Lembro de Mario Benedetti:
No sé qué les debemos
pero eso que no sé
sé que es muchíssimo.
Novembro que venha como mês dos vivos.

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