domingo, 4 de março de 2012

1122- Entre o vulgar e o medíocre - Coluna do professor Virgilio Mattos


                     ENTRE O VULGAR E O MEDÍOCRE

                                     Virgílio de Mattos

         “Sucesso é o que o povo quer”, dizia sempre meu pai, sabidamente um homem de poucas metáforas.
         O fato do “povo” ter querido o nazifascismo ou os salvadores da pátria que lhes faziam as vezes não empana e nem empena a metáfora paterna: sucesso é o que o povo quer, ouvi-o dizer centenas de vezes quando alguma “moda nova insuportável” deixava a gente entre o perplexo e o embasbacado.
         Povo, segundo Menelick Netto, é uma palavra “gorda” como democracia, maioria e, agrego eu um pouco enfastiado: baixaria.
         O que festejar? Já vi a classe média marchar com deus pela democracia, na verdade quem fazia o substituto de deus era um padre estadunidense, da CIA, e a democracia era só um sufixo, espécie de terminação nervosa que deixou muita gente idem.
         Passado um bom tempo (quatro anos não é um tempo razoável? Pergunte a um preso ou a uma paixão) o governo do estado de Minas Gerais reconhece que faz maquiagem com os números estatísticos da segurança pública do estado. É o que diziam todos hoje na audiência pública conjunta (Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública) da Assembléia Legislativa. Quando digo todos, refiro-me a deputados governistas, coronéis, subsecretários, ex-subsecretários, policiais civis de vários níveis, praças e até mesmo o ouvidor de polícia.
         Lembrei-me de uma pesquisa que realizei há quatro anos, mais ou menos, sobre a euforia incontida do “oásis Minas” em meio a um mundo violento, vendiam a “queda drástica da criminalidade” quando, na verdade, ela avançava por todo o estado. Denominei aquela pesquisa de O TRUQUE DOS NÚMEROS e fazia uma brincadeira com um antiquíssimo jogo de cartas (marcadas, obviamente): O ÁS GANHA, OS VALETES PERDEM, comum em todos os entornos de todas as rodoviárias, tinha muito “esperto” que jogava e perdia tudo, até mesmo as esperanças.
A DEFESA SOCIAL AVANÇA? Era a pergunta primeva que me fazia em 2008, quando a propaganda era avassaladora das “maravilhas” do estado.
Do alto de minha incredulidade crônica cantarolava mentalmente um velho Arnaldo Baptista “Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?/Sou malandro velho/Não tenho nada com isso”[1] enquanto moía os números da Secretaria de Defesa Social. Àquela época a defesa social estava no ataque, seu ataque sempre feroz contra os pobres, agora a máscara cai.
Retomo, leitor amigo e antigo (afinal, desde 2008 pelo menos você vem tendo paciência comigo), aquelas considerações preliminares, atualíssimas como nunca, uma vez que agora os próprios “envolvidos” já não mais se entendem a respeito da maquiagem que deve ser empregada. Eis as indagações de 2008, comparem com o que assistimos hoje na audiência pública conjunta e tirem suas próprias conclusões:

1. É PRECISO ESTAR ATENTO E FORTE, DISTRAÍDOS SÓ SÃO PROTEGIDOS NA CANÇÃO
Divulgado com extremo estardalhaço - é na propaganda dos “feitos” do governo do estado que Minas mais avança, mesmo que tenha que deixar a verdade para trás - o recente Anuário de Informações Criminais de Minas Gerais[2] pode enganar aos incautos, servir para o aplauso entusiasta dos apaniguados e áulicos, mas não resiste a uma análise crítica. Por superficial que seja, como esta se pretende.
         A Fundação João Pinheiro, onde localizada a intelligentzia da famosa Escola de Governo, adverte que: “não tem acesso aos dados primários ou às rotinas de produção ou registro destes dados e, portanto, não pode responsabilizar-se pela sua factibilidade”[3].
         Mas isso talvez não passe de um excesso de zelo, de uma fórmula utilizada para se garantir de alguma manipulação ou magia havida nos dados primários, ou mesmo nas rotinas de produção ou registro dos mesmos, a ela repassados.
         Afinal, são ou não são factíveis os números? O que me diz você, leitor? Está tudo calmo no seu bairro, com você e com os seus? Seus filhos e netos andam tranquilos, seguros pelas cidades de Minas? Esse propalado achatamento dos números da criminalidade violenta atingiu sua cidade, seu bairro? O bom mocismo dos bons moços deixa sua família mais confortável? Os agentes de repressão agem dentro dos parâmetros legais? Você está satisfeito com eles?
         Tivéssemos a enormidade de recursos, humanos, financeiros e correlatos aportados na publicação e para a feitura da publicação, sobretudo, por certo nossas perguntas seriam outras, ou estas feitas acima?
         Pretendemos tratar desse truque numérico, na verdade alguma coisa de muito simples, parecem aqueles jogadores que pululam nos arredores das rodoviárias das cidades de Minas – e também de outros estados, esse mágicos são numerosos e saltimbancos! -, com um caixote e três cartas de baralho: um ás e um par de valetes. Ficam embaralhando freneticamente as cartas e dizendo: “o ás ganha, as outras perdem”.
         Em termos de criminalidade e seu controle, a não ser quando se trata de publicidade, há muito não vê o povo mineiro sair o ás...
         A leitura do trabalho elaborado, com gráficos e tabelas coloridos, coisa fina, faz nos lembrar o rock antigo de Arnaldo Baptista, perguntando (indiretamente) à Rita Lee, sua ex-esposa, se ela achava que ele era ingênuo, “otário”, como dizem os malandros aprendizes. Ou “loki” como se dizia então.
         Será que estão pensando que a opinião pública é ingênua, otária, ou loki? Ou, pior: todas as alternativas anteriores?
2. NÚMEROS SÃO COMO PAPEL: ACEITAM TUDO. ATÉ MESMO UMA ANÁLISE EXTERNA?
         Desde o primeiro momento o atual governo do estado disse que faria a repressão como quem pulveriza inimigos: implacavelmente[4]. E que construiria cadeias, presídios e penitenciárias. Que a polícia prenderia bandidos e não produziria bandidos como em outros estados da Federação. Que a sensação de insegurança seria extirpada da sociedade, era apenas isso que faltava e, atentos todos, tranquilos, a defesa social estava no ataque...
         Houve tempos ainda piores no tempo da repressão em Minas. Tempo da “polícia do Tancredo é igual a do Figueiredo”[5], tempo do “bandido em Minas não fica famoso,  a polícia mata antes”.[6] Tempo do “Minas está aonde sempre esteve”.
         Com a tal gestão e modernidade que prometerem aos incautos eleitores os sociais democratas, autointitulados tucanos, tivemos um festival de barbaridades no controle do desvio.
         Mas a própria Fundação João Pinheiro, órgão oficial da intelligentzia do estado, ao apontar as definições metodológicas usadas no trabalho nos dá algumas pistas interessantes do truque, observem:
         “CRIMES VIOLENTOS: Ocorrências classificadas como Homicídio, Homicídio Tentado, Estupro, Roubo e Roubo a Mão Armada, segundo a caracterização determinada pelo Código Penal Brasileiro”
         Na verdade o Código Penal não trata de “roubo a mão armada”, quem faz isso é a mídia. O CP trabalha com majoração da pena no caso de roubo (a subtração violenta com emprego de grave ameaça ou violência real[7]) se há o emprego de arma, seja foice, faca ou facão, chave de fenda ou revólver. A verdade é que os crimes violentos seguem aumentando, exceto no terreno fértil e bem pago da propaganda.
         Retomo hoje, passados quatro anos, a tristeza que me acometeu no passado: esses caras estão pensando que somos otários. A “casa caiu”, a máscara caiu e quase ia dizendo: puta que pariu – mas refreei-me a tempo – como eu detesto ter razão em certas ocasiões.


[1] - Arnaldo Baptista, Cê ta pensando que eu sou loki, bicho?  São Paulo, Phillips, 1998.
[2] - Fundação João Pinheiro/ Secretaria de Estado de Defesa Social. 2008, ISSN 1983-3741.
[3] - Opus cit., p. 49.
[4] - Disse também que zeraria o déficit público, que geraria empregos como cogumelos, que acabaria com a patifaria, com o medo, com o analfabetismo, com a fome.
[5] - Palavra de ordem gritada pelas professoras quando eram impiedosamente surradas pela tropa de choque da polícia militar, fazendo a ligação entre o governador de então e o ditador de plantão.
[6] - De um secretário de segurança em entrevista à imprensa.
[7] - Diz o art. 157 do CP:  Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência.
O parágrafo 2º, inciso I, trata do aumento de pena para o caso do crime ser cometido com o emprego de arma.

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