domingo, 23 de janeiro de 2011

171- Plurinacionalidade - Eleições de juízes na Bolíva - debate

Judiciário popular

Conjur

Na Bolívia, juiz constitucional é escolhido pelo povo
Por Ludmila Santos

A Bolívia se prepara para instituir eleições nacionais inéditas no país.
Entre junho e setembro deste ano, juízes de todos os Tribunais de Justiça e
da Corte Constitucional serão escolhidos diretamente pelo voto popular. A
medida foi possível graças à revisão na Constituição boliviana, reformulada
com a eleição do presidente Evo Morales. A intenção é que a designação dos
magistrados fique sob controle da cidadania, com o objetivo de garantir a
independência política na hora da escolha dos juízes, de acordo com o
presidente do Tribunal Constitucional da Bolívia, Juan Lanchipa Ponce (na
foto ao lado).

"A população quer a absoluta independência nas cortes e se ver representada
de maneira efetiva, inclusive na esfera judicial", afirmou Ponce, que falou
sobre a novidade na II Conferência Mundial de Cortes Constitucionais,
realizada no Rio de Janeiro. A nova Constituição, segundo o ministro,
representa a reação popular aos anos de opressão política e social no país,
marcado por conflitos com países vizinhos e tensões internas.

De acordo com o artigo 199 da nova Constituição da Bolívia, estão
qualificados para compor o Tribunal Constitucional pessoas com 35 anos ou
mais e que tenham conhecimento especializado ou experiência comprovada de
pelo menos oito anos nas disciplinas de Direito Constitucional e
Administrativo e de Direitos Humanos. Os candidatos serão propostos por
organizações da sociedade civil, inclusive as indígenas e camponesas, e
pré-selecionados pelo Congresso. A lista será submetida a votação popular.

A novidade jurídica boliviana vem acompanhada de uma invenção política:
eleições sem propaganda. Para garantir a isenção política do pleito, o
porta-voz do Tribunal Constitucional, Ernesto Félix Mur, explicou que os
candidatos, e terceiros, estarão proibidos de fazer propaganda direta ou
indireta: "Apenas o tribunal poderá difundir os méritos de cada candidato".
O Tribunal Eleitoral ficará responsável pela organização das eleições de
juízes.

A Corte Constitucional será composta pelos sete mais votados. Garantido o
preenchimento das cotas para as mulheres (três vagas), e para indígenas ou
camponeses (duas vagas) restam duas vagas para a livre escolha de toda a
sociedade. Os que ficarem entre as posições 8ª e 14ª serão os suplentes. Os
sete que vierem em seguida serão os suplentes dos suplentes. Os juízes
ficarão no cargo por seis anos, sem direito a reeleição. A nova Constituição
foi aprovada em referendo constituinte em 6 de fevereiro de 2009.


"Vivemos um momento histórico muito importante, com uma Constituição
plurinacional, que prioriza a proteção coletiva, sem suprimir a proteção
individual", afirmou Félix Mur. A expectativa é que a posse dos novos
membros aconteça em outubro deste ano.

Opiniões contrárias
O novo sistema de designação de juízes é visto como um passo transcendental
por Félix Mur, pois prevê a representação da parcela indígena e camponesa da
população e vai garantir a independência do magistrado, já que não será
indicado por político, seja o presidente ou parlamentares. No entanto, a
medida é vista com ressalvas por outros juízes constitucionais.

O presidente do Tribunal Constitucional de Portugal, Rui Manuel Gens de
Moura Ramos (na foto ao lado), não é favorável à escolha do juiz
constitucional por voto popular, por se tratar de uma posição técnica.
"Entendo que o juiz deve preencher uma série de qualificações técnicas para
desempenhar as funções na Corte Constitucional. A via democrática não pode
ser usada para justificar a independência do juiz, pois a eleição envolve
questões políticas. E o juiz não pode depender do poder político", destacou.
Em Portugal, dez membros da corte são escolhidos pelo parlamento e três
pelos juízes do Tribunal Constitucional. O mandato é de nove anos, como
contou em entrevista concedida à ConJur e publicada no último domingo
(16/1).

O presidente da corte portuguesa foi gentil e preferiu relativizar suas
restrições à iniciativa boliviana: "Podemos observar que a adoção dos
critérios de designação de juízes, e a forma como eles exercem suas funções,
é ditada em cada país pelos caminhos históricos e culturais trilhados por
ele". Moura Ramos destacou ainda que apenas quando os juízes assumirem a
independência como valor é que as pessoas vão entender o seu papel na corte.

O excesso de democratização dos tribunais constitucionais pode representar
uma ingerência política na corte, de acordo com o vice-presidente da Corte
Constitucional do Equador, Edgar Zárate. Ele afirmou que os procedimentos
para escolha do juiz constitucional devem ser determinados pelos
dispositivos de legitimidade da Constituição do país. "A discussão
democrática é sempre positiva, mas, nesse caso, o povo nem sempre tem
conhecimento dos preceitos constitucionais. Ele vai fazer sua escolha de
acordo com a propaganda dos candidatos, pela simpatia. Acho que dessa
maneira se perdem muitas oportunidades de se escolher alguém que vá
respeitar os direitos constitucionais. Há ainda a possibilidade da corte
ficar politizada, o que esbarra em sua autonomia, em sua isenção."

Zárate explicou que, no Equador, os juízes constitucionais são escolhidos
por meio de concurso de mérito. O processo se inicia com a escolha dos
candidatos por dois delegados do Poder Executivo, dois do Legislativo e dois
de associações de controle social. Cada um deles escolhe nove candidatos. Os
27 indicados passam então por um concurso de mérito, do qual serão
selecionados nove. Eles permanecem no cargo por 12 anos.

As regras foram estabelecidas com a entrada em vigor da nova Constituição do
Equador, em 20 de outubro de 2008. A carta também estabeleceu a mudança da
Corte Suprema de Justiça para Corte Constitucional, que, além de assegurar
os direitos constitucionais, permite a revisão de sentenças da Justiça
ordinária.

Para a ministra Marisol Peña Torres, do Tribunal Constitucional do Chile, na
hipótese de o juiz ser eleito popularmente, ele pode se comprometer com o
setor político que o levou ao cargo. "O juiz constitucional deve obedecer
somente à Constituição. Não deve estar atrelado a poder nenhum." Ela
destacou que, com a reforma constitucional em 2005, a Carta Magna do Chile
garantiu a autonomia do Tribunal Constitucional, independente dos outros
poderes. Além disso, segundo Marisol, os juízes são regidos pelo "dever de
ingratidão", ou seja, ao decidir, não podem considerar os interesses
daqueles que lhes indicaram. "Esta é uma das formas de garantir a
independência da corte dos outros órgãos."

A corte chilena é composta por três membros indicados pelo presidente da
República, três indicados pela Corte Suprema, dois pelo Senado e dois pela
Câmara dos Deputados, com ratificação do Senado. Eles devem ter 15 anos de
exercício profissional, podendo ter se destacado em atividade pública ou
acadêmica. "O tribunal pode ser composto, por exemplo, por um
ex-parlamentar, um advogado de grande prestígio ou mesmo por um acadêmico."