Partidos, parlamentos e eleições: a maquina
processadora de legitimidades "democráticas" majoritárias de decisões
minoritárias.
José Luiz Quadros de Magalhães
Como funciona a democracia
representativa majoritária? "Roma Locuta, Causa Finita". Voltamos a
formula estrutural do sistema do direito moderno: "nós x eles", como
um processo de competição permanente, onde o vencedor proclamado interrompe
aquela competição especifica. Uma pergunta: qual a disposição para o debate na
democracia concorrencial majoritária? Existe a possibilidade de consensos ou a
lógica concorrencial impede o diálogo?
Vejamos. No processo eleitoral, as
partes envolvidas se filiam a partidos políticos com programas e ideologia
definida (o que cada vez existe menos). Cada partido, cada parte terá seus
argumentos construídos em um espaço interno democrático no partido, onde
poderia ser possível construir consensos sobre as questões de políticas
públicas as mais diversas. É necessário constatar até que ponto estes partidos
têm uma estrutura interna de debate que permita a construção de consensos, ou
se ao contrário, as decisões também são tomadas pela lógica majoritária que é
concorrencial e impede (dificulta) consensos. Vamos descobrir que, nos
partidos, que ainda constroem sua ideologia político-partidária por meios
dialógicos, a decisão ocorre por meio do voto majoritário o que inviabiliza
(dificulta) o consenso. Entretanto, a maior parte dos partidos políticos neste
inicio de século XXI, não guardam mais coerência político-ideológica, o que
resulta em um pragmatismo sem ética de busca do poder pelo poder.
Continuando a lógica da democracia
representativa majoritária, estes partidos que construíram suas propostas,
políticas públicas e ideologias, se apresentam para as eleições, para então o
"povo" escolher (Roma Locuta) e a controvérsia, expressa na busca
pela vitória nas eleições, acabe (Causa Finita), com a proclamação da vontade
da maioria. Neste momento a minoria (insatisfeita) se submete à maioria, sempre
dividida, pois se constitui também majoritária, em processos internos que
reproduzem o mesmo mecanismo. Percebemos que este processo inviabiliza qualquer
possibilidade de consenso, pois desde o inicio, o que se busca, é a vitória: do
partido, do projeto de lei, do melhor argumento (?).
Melhor argumento? Será que o
parlamento efetivamente funciona com a lógica da vitória do melhor argumento?
Qual é o melhor argumento? Depois de eleito o governo e de eleitos os
parlamentares, o governo continua funcionando da mesma maneira: "Roma
Locuta, Causa Finita". Para que o governo governe, este necessita de
maioria parlamentar (ou maiorias) para que aprove seu projetos, sua lei orçamentária,
seu plano de governo. Continuamos portanto no nível parlamentar com a mesma
busca da vitória. O sistema concorrencial continua inviabilizando qualquer
possibilidade de construção de consenso. Vamos acreditar, por enquanto, que os
argumentos expostos e contrapostos no parlamento sairão vitoriosos na medida de
que estes são melhores ou piores, ou, que a discussão no parlamento ocorre em
torno de argumentos racionais.
Vejam que já abandonamos qualquer
debate intercultural e que a argumentação acima se desenvolve sob a lógica
hegemônica de quem diz o que é direito. Os partidos políticos, em geral, não
trazem uma outra perspectiva ou alternativa à lógica moderna, representando,
durante boa parte do século XX, a controvérsia entre direita e esquerda,
conceitos modernos que se fundam na lógica moderna europeia binária (o centro
será o terceiro incluído ou uma farsa política?). O pluralismo partidário
poderia sugerir uma possibilidade de superação do pensamento binário na
política moderna, o que não ocorreu por força da lógica majoritária e a divisão
entre situação (governo) e oposição.
No parlamento, os representantes,
quando discutem o projeto de lei, de reforma legal ou constitucional,
argumentam a partir de seu partido político, visando a vitória de seu projeto.
São sempre parciais, esta é a ideia. Será que este processo permite que, neste
debate, um escute o outro? Haverá efetivamente a possibilidade de diálogo? Há
uma comunicação possível? Quando a pessoa que argumenta vai para um debate com
a intenção de vencer ou outro, esta pessoa estará aberta para ser convencida,
ou todo o argumento do outro será recebido para ser imediatamente desmontado?
A lógica concorrencial tende ao
totalitarismo. No final só restará o "melhor" e o
"derrotado" tende ao ocultamento, um esquecimento provisório. Claro
que, se observarmos o funcionamento dos parlamentos contemporâneos nas Américas
ou Europa perceberemos que, em muitos casos, não se trata de uma concorrência
de argumentos, de vitória de melhores argumentos, mas de um mercado como espaço
de negociação a partir de posições de força, sustentada por interesses
corporativos fora do parlamento. Em outras palavras, o problema da lógica
concorrencial que inviabiliza o consenso, e o risco de que a vitória do melhor
argumento oculte o argumento derrotado, foi superado pela criação de espaços de
negociação que não se fundam em argumentos racionais mas na força e poder de
negociação em um mercado político determinado por interesses preponderantemente
econômicos.
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