Comunidade
Dandara, estrela de Belém?
Gilvander
Luís Moreira[1]
Dia
19 de fevereiro de 2013, a Comunidade Dandara, no bairro Céu Azul, região da
Nova Pampulha, em Belo Horizonte, MG, obteve uma vitória imprescindível no
Tribunal de Justiça de Minas (TJMG). Eu concedi uma Entrevista ao site www.ihu.unisinos.br sobre a luta da
Comunidade Dandara, com o título Comunidade Dandara, exemplo de luta por
dignidade. Segue, abaixo, o teor da Entrevista transformada em artigo, em 15
pontos: 1. Contexto que suscitou a luta; 2. Cotidiano e desafios de Dandara; 3.
Construções em Dandara; 4. Políticas públicas?; 5. Avanços; 6. A Igreja
Católica na Dandara. E as outras igrejas?; 7. Base teológica e bíblica para
ocupação de terras; 8. A função social da propriedade; 9. Papel das Brigadas
Populares e do MST; 10. Decisão do TJMG e Dandara; 11. Próximas lutas; 12. Dandara
internamente; 13. Dandara e o Pinheirinho; 14. Dandara, a companheira de Zumbi;
e 15. E agora, Dandara?
1.
Contexto
que suscitou a luta.
Minas
Gerais continua sendo um estado conservador em termos de transformações
sociais. Por exemplo, no Rio Grande do Norte já existem 297 assentamentos de
reforma agrária. Em Minas, apenas 300. Deveria ter, pelo tamanho do estado, no
mínimo, 1.500 assentamentos. Cerca de 1/3 do território de Minas, estima-se,
são de terras devolutas que estão griladas nas mãos de grandes empresas
eucaliptadoras. Assim, o êxodo rural tem sido intensificado ultimamente. O
déficit habitacional em Belo Horizonte está em torno de 200 mil moradias. Em
Minas Gerais, quase um milhão de moradias. O prefeito de Belo Horizonte (BH),
Márcio Lacerda (PSB+PSDB+DEM), no seu 1º mandato, não fez nenhuma casa para
famílias de zero a três salários mínimos pelo Programa Minha Casa Minha Vida.
Além disso, BH é a única capital que não entregou ainda nenhuma casa por esse
Programa. Apenas no 1º dia de cadastro para o Programa Minha Casa Minha Vida,
há 4 anos atrás, 198 mil famílias se inscreveram. No ritmo que a prefeitura
está construindo casas populares, serão necessários 200 anos para zerar o
déficil habitacional, caso ele não aumente. Uma injustiça que clama aos céus!
Os pobres não podem viver no ar. Ainda existe lei da gravidade. Diante dessa
injustiça estrutural, de um Estado violentador dos direitos humanos, dois
fatores, dentre outros, tem levado os empobrecidos à luta: a necessidade e o
compromisso de centenas de jovens e adultos com a causa dos pobres. Por isso, na madrugada
de 09 de abril de 2009, uma quinta-feira da Semana Santa, cerca de 140 famílias
sem-terra e sem-casa, organizadas pelas Brigadas Populares e pelo MST,
ocuparam, no bairro Céu Azul, região da Nova Pampulha, em BH, um terreno
abandonado há décadas, 315 mil metros quadrados (31,5 hectares), um latifúndio
urbano que não cumpria sua função social. O 1º dia foi uma batalha árdua e
inesquecível, mas o povo resistiu diante de centenas de policiais com armas nas
mãos, com helicóptero, cães, balas de borracha etc. Ao anoitecer, quando a
polícia já tinha encurralado o povo em um dos cantos do terreno, na iminência
de fazer o despejo pela força militar, muitos jovens da Vila Bispo de Maura,
comunidade de periferia existente ao lado, veio em socorro às famílias da
ocupação Dandara e começaram a jogar pedras nos policiais. Assim os policiais
viraram as armas para os jovens da vila. A TV Record apareceu, filmou o
conflito social e exibiu no Jornal da TV Record. Na madrugada seguinte, começaram
a chegar novas famílias que estavam crucificadas pelo aluguel - veneno que come
no prato dos pobres - ou humilhadas pela sobrevivência de favor em casa de
parentes, implorando para serem aceitas na ocupação. Foi organizada uma fila
para o cadastramento. No 5º dia de ocupação Dandara já havia 1.200 famílias, o
que levou a coordenação a iniciar o cadastro de uma fila de espera.
2.
Cotidiano
e desafios de Dandara.
Dandara
nasceu como ocupação, mas, hoje, Dandara já é uma comunidade, um assentamento
rururbano, motivo da união do MST com as Brigadas Populares. Essa proposta foi
contemplada no Plano urbanístico elaborado, em diálogo com o povo de Dandara,
por arquitetos da UFMG e da PUC/MG. Na Dandara há a Av. Dandara com 35 metros
de largura, artéria aorta da comunidade. Lotes de 128 metros quadrados e ruas com
10 metros de largura, tais como, Rua Zilda Arns, Rua Milton Santos, Rua dos
Palestinos, Rua Pedro Pedreiro e Maria diarista, Rua Chico Mendes, Av. 9 de
abril, Rua das flores etc além da Av. Zumbi dos Palmares. O cotidiano de
Dandara é de muita luta. Mais de 2 mil pessoas de Dandara trabalham como
diaristas, faxineira, ajudante de pedreiro, pedreiro, mecânico, motorista,
vigia, na limpeza urbana, copeiras, cozinheiras, motoboy, camelôs, na economia
informal etc. Nos dias das cinco marchas já feitas, a pé, de Dandara até ao
centro de BH, cerca de 28 Kms, muitas
famílias e empresas tomaram consciência como e onde mora a sua força de
trabalho. Além da luta fora de Dandara, há a luta interna pela constante
organização da comunidade. Já está sendo
discutido e planejado a criação um banco comunitário de Dandara, com moeda
própria, feira de Dandara, enfim, economia popular solidária. Mensalmente são
realizadas Assembleias Gerais e semanalmente acontecem reuniões de grupos. Além
disso, semanalmente é feito com a colaboração da Rede de Apoio e distribuído o
Jornal de Dandara, que traz os principais informes e notícias importantes da/para
a comunidade.
3.
Construções
em Dandara.
Já
são quase mil casas de alvenaria construídas (ou em construção), duas hortas
comunitárias e mais de 250 hortas em quintais, dois centros comunitários, uma
Igreja Ecumênica. Há também Zumbis’Bar, Padaria Dandara, Mercearia Dandara e
outros pequenos comércios. Há espaço para praças e campo de futebol já em
projeto. Além de casas, Dandara está construindo muitas lideranças de luta. Na
Dandara, hoje, vivem cerca de 1.100 famílias, sendo que em algumas casas há
duas famílias. Há ainda alguns barracos de madeira. São famílias que não
conseguiram ainda construir suas casas de alvenaria.
4.
Políticas
públicas?
Muitas
famílias de Dandara estão no programa Bolsa Família. As crianças e adolescentes estão estudando nas escolas públicas da
região. No início, os postos de saúde e as escolas públicas da região se
recusavam a receber os moradores de Dandara, alegando que eles não tinham endereço.
Foi preciso muita luta e pressão para conquistar acesso ao SUS e às escolas
públicas. O prefeito de BH, em uma postura intransigente, não aceita dialogar
com a Comunidade Dandara. Refere-se ao povo de Dandara como invasores,
aproveitadores e forasteiros, que, segundo ele, não merecem apoio da
prefeitura, pois “são fura fila” – fila que é uma cortina de fumaça. Assim,
Dandara não foi ainda reconhecida pela prefeitura de BH. Falta asfaltar as
ruas, fazer saneamento. A COPASA (Companhia de água e esgoto de MG) e a CEMIG (Companhia
Energética de MG) se escondem atrás de um TAC (Termo de Ajuste de conduta),
firmado entre Ministério Público de Minas, prefeitura, COPASA e CEMIG. O tal
TAC, inconstitucional e contrário à Lei Orgânica de BH, diz que CEMIG e COPASA
estão proibidas de colocar água e energia em assentamentos irregulares. As
migalhas de água e energia que chegam a Dandara são através de gato, ligações
informais. Assim, falta água várias vezes durante o dia, cai a energia com
muita frequência, o que provoca estragos em muitos aparelhos eletrodomésticos.
Do governo estadual, o braço repressor – a polícia – está sempre presente na
Dandara. Reprimiu muito no início. Durante 1,5 ano agiu de forma ilegal
tentando impedir a entrada de materiais de construção, mas o povo sabiamente
foi driblando a polícia, e, como formiguinha, foi construindo suas casas. Hoje,
a polícia age em casos pontuais, como por exemplo, na manutenção da preservação
da área ambiental de Dandara, cerca de 30% do território. Importante dizer que
na Comunidade Dandara, nos últimos 12 meses, não houve nenhum assassinato. O
SAMU, quando chamado, demora muito para chegar, o que já levou à morte de uma
mulher que esperou pelo SAMU várias horas. Um trabalhador de Dandara, enquanto
fazia ligação de energia por conta própria para a comunidade, foi eletrocutado
e caiu do poste morto. O corpo ficou oito horas na rua esperando o rabecão do
IML. A Defensoria Pública de Minas é uma grande parceira de Dandara. Defende
com muita competência a causa de Dandara, atuando solidariamente com os
advogados de Dandara que, aliás, defendem Dandara gratuitamente. O mercado,
interessado no poder econômico de Dandara, já reconhece a existência da
comunidade. Um grande número de empresas comerciais entrega mercadorias a
domicílio na Dandara, mas os Correios, empresa pública que cuida de um serviço
essencial, não entregam as correspondências na comunidade. Alega que o “bairro
Dandara” deve ser primeiro reconhecido pelo poder público.
5.
Avanços.
As famílias de Dandara, após sobreviver quatro
meses debaixo da lona preta, hoje, na quase totalidade já vivem em casas de
alvenaria. A construção da Igreja Ecumênica de Dandara está em fase de
acabamento. O projeto urbanístico de Dandara foi um dos quatro selecionados de
Minas Gerais para participar da 9ª Bienal Internacional de Arquitetura de São
Paulo em 2011. Está sendo respeitado.
6.
A
Igreja Católica na Dandara. E as outras igrejas?
A
Igreja Católica tem participado da luta de Dandara. O arcebispo dom Walmor
visitou a comunidade uma vez. Os bispos dom Aloísio e dom Joaquim Mol visitaram
Dandara e celebraram com a comunidade Dandara várias vezes. Dom Joaquim Mol e
eu conversamos pessoalmente com a presidenta Dilma sobre Dandara pedindo o
apoio do governo federal. Algumas freiras e vários seminaristas têm
acompanhando pastoralmente Dandara. Vários colégios católicos, tais como
Colégio Santo Antônio e Colégio Santa Dorotéia, têm ajudado muito e também
aprendido muito. Além de pessoas religiosas, Dandara conta com um significativo
apoio de jovens universitários, do movimento estudantil, das Brigadas
Populares, de militantes de movimentos sociais populares e com pessoas de boa
vontade de BH, do Brasil e em mais de 50 países. Dandara é, hoje, conhecida e
reconhecida internacionalmente. O (neo)pentecostalismo está muito presente em
Dandara também. A luta ocorre de forma ecumênica, respeitando a fé de cada
pessoa. Na Igreja de Dandara, que tem o objetivo de ser ecumênica, poucas
pessoas não católicas participam. Muitos freqüentam outras igrejas que, às
vezes, animam a luta e, outras vezes, fomentam a religião da prosperidade e da
satisfação individual. Há ainda igrejas, como a do “apóstolo” Valdomiro, que
coloca ônibus aos domingos para levar o povo para “adorar Deus”, dizem. As
pessoas têm de estar atentas para o que dizem falsos pastores que usam os
pobres, mas não os amam.
Uma
conquista em 2012 foi a inclusão da Comunidade Dandara nos quadros da
Arquidiocese de Belo Horizonte. Hoje, a Comunidade Dandara pertence,
oficialmente, à Arquidiocese de Belo Horizonte como uma das Comunidades da
Paróquia Imaculada Conceição, coordenada pelos padres da Congregação Cavanis,
que apóiam e animam a luta de Dandara.
7. Base teológica e bíblica para ocupação
de terras.
Dandara
caminha na perspectiva da Teologia da Libertação, das Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs) e das Pastorais sociais. A CPT e a Pastoral da Criança têm atuação
na comunidade. Há
inúmeras passagens bíblicas que legitimam e animam a caminhada do povo
empobrecido na luta pelos seus direitos. Nosso Deus é Deus da vida e da
liberdade, para todos e não apenas para uma minoria. Deus quer terra e moradia digna para todos e
não só para a classe dominante. Após 500 anos de escravidão sob o império dos
faraós no Egito, ao partir para a liberdade, os hebreus empobrecidos chegaram
diante do mar Vermelho e se viram encurralados. Na frente, o mar; detrás, o
exército do Faraó, querendo trazer o povo de volta para o cativeiro. Moisés,
então, mandou o povo dar um passo adiante. O povo deu um passo adiante e o mar
se abriu. Assim, na luta, os pobres sempre gritam “mais um passo à frente,
nenhum passo atrás. A história é a gente que faz.” Deus disse a Moisés: pegue
esta cobra pela cauda. Moisés vacilou. Deus insistiu. Moisés adquiriu coragem e
pegou a cobra pela cauda. A cobra se transformou em um bastão, com o qual
Moisés bateu no mar e o mar se abriu, bateu na rocha e dela saiu água. É óbvio
que isso não aconteceu tal como está na superfície do texto, o que uma leitura
fundamentalista sugere. Mas, o povo, de alguma forma, nas brechas da história,
experimentou a companhia do Deus solidário e libertador. Assim aconteceu com
Moisés, com Mirian, as parteiras, Arão, os profetas e as profetisas e em muitas
lutas libertárias do passado. O que era obstáculo se transformou em instrumento
de libertação. Ao driblar a polícia, astutamente, e construir mil casas de
alvenaria, o mar foi aos poucos se abrindo para o povo de Dandara, como se
abriu no tempo de Moisés. Construir as casas em mutirão em um terreno
conquistado na força da união é construir sobre a rocha. A casa não cairá se
vier uma tempestade. Jesus ensinou e testemunhou que leis só devem ser
obedecidas quando forem justas. Não é justo respeitar uma propriedade que não
está cumprindo sua função social, enquanto milhares de pessoas estão
crucificadas pelo aluguel, melhor dizendo, pelo sistema do capital. O Deus da
vida quer de nós desobediência civil e religiosa. Felizes os que lutam por
justiça, dizia Jesus de Nazaré. No início da ocupação, na cruz da Igreja de Dandara,
um João de Barro construiu sua casa. O povo viu nisso um sinal do Deus da vida
que dizia: “sigam o exemplo do João de Barro. Construam suas casas”. O livro do
profeta Isaías, ao narrar a utopia de um mundo novo e uma nova terra, diz: “Os
trabalhadores construirão casas e nelas habitarão.” (Cf. Isaías 65,17-25). Três
dias após duas crianças morrerem carbonizadas na Dandara, o que gerou uma dor
imensa para toda a família dandarense, eis que apareceu um arco-íris belíssimo
sobre Dandara. Emocionadas, muitas pessoas de Dandara, disseram: “Deus está nos
visitando. Seremos vitoriosos.” Com essas e muitas outras inspirações bíblicas,
teológicas e marxistas, a luta de Dandara vem sendo escrita no chão duro da
história.
8. A função social da propriedade.
A
função social da propriedade rural e a função social da Cidade, asseguradas na
Constituição e no Estatuto das Cidades, estão em consonância com as encíclicas
sociais da Igreja que, ao defenderem a dignidade humana, exigem as condições
históricas necessárias para que tal dignidade seja respeitada: terra e moradia
para todos. A função social da terra também denuncia a terra como mercadoria,
algo para especulação. Acima de tudo, terra e água são bens comuns, não podem
ser privatizados.
9. Papel das Brigadas Populares e do
MST.
As
Brigadas Populares[2] e
o MST têm papel imprescindível na Comunidade Dandara. Se irmanaram um ano antes
e, conjuntamente, gestaram a ocupação Dandara. O MST, após 1,5 ano, não teve
pernas para continuar cotidianamente na Dandara, mas continua hipotecando
irrestrito apoio. Dia 16 de outubro de 2011, o MST trouxe 400 crianças
sem-terrinhas para participar do histórico Abraço da Dandara. No processo
judicial é o MST que está como réu. As Brigadas Populares, de mãos dadas com a
Rede de Apoio, acompanha Dandara diariamente, suscitando sempre novas
lideranças e buscando empoderar as pessoas de Dandara. Muitas lideranças
construídas na luta de Dandara, hoje, são militantes das Brigadas e participam
de muitas outras lutas em comunidades de periferia, em várias cidades. As
Brigadas Populares são, hoje, uma Organização política nacional com grupos
organizados em várias capitais e cidades.
10. Decisão do TJMG e Dandara.
A
decisão do TJMG, de 19 de fevereiro de 2013, que definiu que o mandado de
despejo – reintegração de posse - não seria revigorado, foi recebida pela
comunidade com muita alegria, obviamente, e com a certeza de que sem luta não
há conquista. No momento em que centenas de pessoas, da 5ª Marcha de Dandara,
cantavam diante do TJMG “Nossos direitos vêm, nossos direitos vêm, se não vier
nossos direitos, o Brasil perde também...”, chegou a notícia de dentro do
Tribunal que a 1ª Câmara Cível do TJMG estava negando o recurso – agravo – da
construtora Modelo. O mandado de despejo não seria revitalizado. Foi muita
emoção. Todos se abraçaram, uns rindo e outros chorando. Mas, o povo de Dandara
está ciente de que mais uma grande batalha foi vencida, mas até a decisão final
ainda haverá outras batalhas.
11.
Próximas
lutas.
Fortalecer a
organização interna de Dandara, lutar para que COPASA e CEMIG coloquem energia,
água e saneamento na comunidade. Insistir para que a Câmara dos Vereadores de
BH aprove o projeto de lei (PL 04/2013), reapresentado pelo vereador Adriano
Ventura (PT), que declara de interesse social a área ocupada pelas famílias da
comunidade Dandara. O governador de Minas, Antônio Anastasia, também pode
desapropriar a área onde está Dandara, pois Dandara está na encruzilhada de
três municípios: Belo Horizonte, Ribeirão das Neves e Contagem. Por isso tem
lutado a comunidade. Outra batalha é
conquistar a desapropriação judicial do terreno, o que será inédito no Brasil,
me parece, mas juridicamente possível. Ao lado dessas lutas, os moradores e
todos os apoiadores continuam sempre abertos a um processo de negociação com a
Construtora Modelo e com o poder público, mas que seja negociação séria e
idônea, não a farsa de negociação que o juiz da 20ª Vara Cível e a Construtora
tentaram empurrar goela abaixo, em outra ocasião.
12.
Dandara
internamente.
A
comunidade Dandara tem contradições e problemas internos também, pois é
composta de pessoas que estão dentro de uma sociedade capitalista. Todos os
vírus do sistema capitalista – individualismo, acomodação, consumismo, egoísmo
– tentam seduzir as pessoas. As famílias que participam de Dandara desde o 1º
minuto da luta são mais aguerridas e perseverantes nas várias iniciativas
comunitárias e nas lutas. Muitas famílias que chegaram depois, que não
experimentaram a dureza da luta no início, tendem a ser mais individualistas. A
luta educa. Quem não participa de lutas concretas são mais resistentes às
iniciativas que visam construir uma comunidade participativa. Na Dandara, há
povo, que é luz, sal e fermento, mas há também massa, pessoas que se deixam
levar pela ideologia dominante, a da classe dominante. Mas isto, aos poucos,
com a luta do dia-a-dia, vai se transformando.
13.
Dandara
e o Pinheirinho.
A história de luta da
Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, SP, que dolorosamente foi
destroçada pelo TJ/SP, pelo governador de São Paulo, pela polícia com um
fortíssimo aparato repressor, pela mídia e pelos omissos/cúmplices, apresenta
muitas semelhanças com a luta da comunidade Dandara, mas também há várias
diferenças. As semelhanças são: a) famílias pobres que se uniram e ocuparam um
grande terreno abandonado, que não cumpria a função social; b) Plano
urbanístico com traçado de ruas e delimitação dos lotes de forma a viabilizar
um bairro organizado no futuro; c) a mídia, como sempre, salvo raras exceções,
criminalizando a luta dos pobres, tanto no Pinheirinho quanto em Dandara; d)
PSDB no (dês)governo em São Paulo e em Minas. Mas há várias diferenças também:
a) Dandara completará quatro anos em 09 de abril de 2013, com cerca de 1.050
famílias, enquanto o Pinheirinho tinha oito anos de história, com 2.600
famílias; b) O terreno do pinheirinho é três vezes maior que o de Dandara e o
pretenso dono, o mega-especulador Naji Nahas é muito mais poderoso que a
Construtora Modelo. Deve ter feito um lobby imenso junto ao TJ/SP, ao Governo
Geraldo Alckmin e etc; c) Pinheirinho foi coordenado pelo MTST, ligado ao PSTU
e a CONLUTAS, entidades que têm uma forma radical e, às vezes extremista, de
levar a luta para frente. Por exemplo, a foto de capa na FSP com o povo todo
encapuzado com bombinhas na mão e capacete na cabeça dizendo-se “armados” para
enfrentar o aparato repressor da PM era o que o Governador Alckmin precisava
para “tentar justificar” o despejo, pois muitos capitalistas alegavam “se
deixar isso aí, acabará o estado democrático de direito?”. Mentira, pois não
temos, de fato, estado democrático de direito, mas Estado autoritário de
injustiça; d) Desconfio que no Pinheirinho não houve um trabalho mais acentuado
no sentido de tornar a Comunidade do Pinheirinho mais conhecida e reconhecida
nacional e internacional. Na Dandara, desde o início, priorizamos divulgar a
luta de Dandara em BH, no Brasil e mundialmente. Uma Campanha de apoio
internacional, via internet, com fotografias de pessoas, em dezenas de países,
dizendo “Mexeu com Dandara Mexeu comigo” contribuiu muito para Dandara angariar
apoio e respeito. Enfim, Dandara não está salva ainda não. Não sabemos ainda o
que acontecerá nos próximos anos. Sabemos que fazer pela primeira vez um crime
hediondo como o que o TJ/SP, o governador Geraldo Alckmin (PSDB), a polícia e a
mídia fizeram com o Pinheirinho é menos difícil. Repeti-lo é mais difícil e
será um crime duplamente hediondo. O governo federal foi cúmplice do massacre
do Pinheirinho. Fizeram com o Pinheirinho uma tremenda sexta-feira da paixão,
mas um domingo de ressurreição está sendo gestado em muitos outros pinheirinhos
pelo Brasil afora e também em São José dos Campos, que não pode continuar sendo
Campos de Sangue. Importante recordar que a construtora Modelo não pagou nem um
centavo pelo terreno de Dandara. Estava devendo mais de 2,2 milhões de reais em
IPTU. Parte dessa dívida já prescreveu, sem a prefeitura executar a dívida, o
que demonstra o conluio do poder público com construtoras. A propriedade estava
abandonada, sem cumprir sua função social. A Modelo não construiu nada no
terreno. Estava vazio. Logo, é legítima e constitucional a ocupação feita pelo
povo de Dandara.
14.
Dandara,
a companheira de Zumbi.
Na
Comunidade Dandara 70% das famílias são lideradas por mulheres,
majoritariamente, negras. São guerreiras na luta, seja na luta do dia a dia ou
na luta pela conquista da casa própria. A luta de Dandara é luta para sair da
escravidão do aluguel, do sobreviver de favor, enfim, se libertar do
capitalismo, ditadura econômica. Por esses motivos, na hora de escolher o nome
da Comunidade, entre vários nomes, o povo optou por Dandara, que foi a
companheira de Zumbi dos Palmares, a estrategista que cuidava da segurança
interna do Quilombo de Palmares. Dandara, ao ser encurralada pelas forças
escravagistas, preferiu suicidar a voltar a ser escrava. Assim, em Dandara há
centenas de Dandaras. Por isso gritamos: Pátria livre! Venceremos!
15.
E
agora, Dandara?
A Comunidade Dandara se
tornou fonte de pesquisa para muitos estudantes e professores universitários.
Há dois livros escritos sobre Dandara, ainda não publicados por falta de
dinheiro. Muitas monografias prontas, dissertações e teses de doutorado em
andamento. Dezenas de vídeos amadores já estão no youtube. Mostras fotográficas
etc. Dandara se tornou uma estrela guia para as forças vivas da sociedade,
exemplo positivo para os movimentos sociais populares. Dandara está animando
muitas outras lutas em BH, em MG e pelo Brasil afora. Dandara, como a estrela
de Belém (Evangelho de Mateus 2,1-12), aponta o rumo para onde caminharmos para
construirmos uma sociedade e uma cidade que caiba todos e tudo. O sonho da
Comunidade Dandara não pode ser abortado. Obrigado, de coração, a todas as
pessoas de boa vontade que, de perto ou de longe, tem se comprometido com a
defesa da causa de Dandara.
Belo Horizonte, MG,
Brasil, 24 de fevereiro de 2013.
[1] Gilvander Luís Moreira é frei e
padre carmelita; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em
Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT,
CEBI, SAB e Via Campesina, em Minas Gerais; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
– www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis -
facebook: gilvander.moreira
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