sexta-feira, 24 de junho de 2011

501- Entrevista - Istvan Meszaros - Barbárie com sorte.

2011-06-22 - CartaCapital
Matheus Pichonelli e Ricardo Carvalho
Barbárie, com sorte


O filósofo István Mészáros lamenta a diluição dos ideais socialistas e afirma que a Europa atual desfruta de apenas um partido com duas alas à direita


O tormento econômico que assola o continente europeu desde a crise de 2008 vitimou co-ligações à esquerda e à direita. Na Espanha e em Portugal, os socialistas sofreram uma humilhante derrota nas eleições das comunidades autônomas e nacionais, respectivamente. Já na Grécia, no fim de 2009, a iminência da falência do país levou à rejeição dos conservadores nas urnas e conduziu ao poder uma legenda de centro-esquerda. Para o filósofo húngaro István Mészáros, de 81 anos, destacado marxista da atualidade, pouco importa a direção que o eleitorado europeu tome nas futuras eleições. "A Europa, assim como os Estados Unidos, possui apenas um partido com duas alas à direita", diz ele, durante entrevista a CartaCapital, em São Paulo, ao se referir a uma expressão cunhada pelo escritor norte-americano Gore Vidal em relação ao próprio país.


Desiludido, ele afirma que a esquerda abandonou suas principais bandeiras ao longo do século XX em favor de uma atitude reformista e, com isso, viu o discurso original pela criação de uma sociedade igualitária ser diluído. No Brasil para o lançamento de István Mészáros e os desafios do tempo histórico (Boitempo, 280 págs., R$43), coletânea com artigos de autores como Ricardo Musse, Osvaldo Coggiola e Emir Sader baseados na obra do autor, e ainda um ensaio dele próprio, intitulado "A reconstrução necessária da dialética histórica", Mészáros afirmou que a crise apontou o limite das contradições inerentes ao sistema capitalista. A partir de agora, ele crê, não mais será "socialismo ou barbárie", como um dia decretou a revolucionária Rosa Luxemburgo, mas "barbárie, se tivermos sorte". Confira a seguir os principais trechos da entrevista.


CartaCapital: Por que o senhor diz que a Europa, hoje, vive uma realidade de partido único, com duas alas à direita?
István Mészáros:
As pessoas pensam que podem virar as costas para a história. Isso não é possível. Para qualquer compreensão da realidade, é preciso ter uma perspectiva histórica. O que são esses partidos da social-democracia hoje na Europa? São herdeiros de anos de reformas que os trouxeram cada vez mais para a direita. O que aconteceu com as legendas mais radicais, como o Partido Comunista Italiano, de Gramsci? Suas propostas fundamentais foram completamente diluídas e o PCI se fragmentou. Os verdadeiros partidos de esquerda hoje na Europa são muito pequenos, sem representação. Outro exemplo: na Alemanha, antes da Primeira Guerra Mundial, a esquerda defendia que chegaríamos ao socialismo por meio de pequenos avanços sociais, sem realizar grandes mudanças estruturais. Mas, durante a Guerra, os social-democratas aliaram-se entusiasticamente ao governo imperial. O que veio depois não foi um lindo governo a promover pequenos avanços rumo ao socialismo, mas sim o surgimento de Hitler e um cenário muito mais catastrófico. O próprio partido dito socialista espanhol foi o responsável por adotar, diante da crise de 2008, medidas neoliberais que puniram os trabalhadores.



CC: As recentes manifestações na Europa, tanto quanto no mundo árabe, indicariam um anseio da população por mais representatividade democrática, por mudanças estruturais na sociedade?
IM:
Eu não esperaria grandes mudanças imediatas. Os problemas do nosso sistema capitalista são tão grandes que levará um grande tempo para que qualquer movimento surta efeito. Esses protestos mostram uma disposição por uma mudança que emerge lentamente. A juventude está extremamente desencantada com as perspectivas para o futuro. Há um aspecto muito positivo nisso: no Egito, por exemplo, as manifestações foram lideradas por jovens detentores de pouco ou nenhum vínculo com partidos políticos. Também em uma economia capitalista mais estruturada, como a Inglaterra, onde por anos a juventude foi extremamente alienada, houve uma verdadeira rebelião contra o apoio do Partido Liberal ao aumento das taxas para a educação superior. Os liberais opunham-se a esse aumento durante a campanha e a juventude inglesa certamente os punirá nas futuras doações. Entretanto, há também um aspecto negativo: o que essa juventude indignada com a traição de um partido pode fazer? Esperar anos pelo próximo pleito e colocar um pequeno pedaço de papel numa urna de votação. E o que um partido diferente pode trazer de novo? Muito pouco, quase nada.



CC: Por que as medidas em reação à crise econômica de 2008 não surtiram efeito?
IM:
O primeiro ponto que precisamos ter em mente é que não estamos diante de uma crise cíclia do capitalismo, mas uma crise estrutural. A necessidade básica do capitalismo, crescer e crescer o máximo possível, esbarra nos próprios limites físicos da natureza e nos seus recursos. Os Estados jogaram trilhões de dólares na economia para salvar bancos e corporações da falência e, com isso, aumentaram sua dívida pública. Como você salva um sistema se, para isso, precisa enterrar-se cada vez mais em dívidas? O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse certa vez que seu país já conseguia ver a luz no fim do túnel da crise. Eu também vejo uma luz no fim do túnel, mas é a luz de um trem vindo em nossa direção.



CC: Por que isso ocorre?
IM:
É só ver o nível da dívida norte-americana, que ele tinha prometido cortar pela metade. Hoje quase dobrou. É um sistema condenado. O capitalismo, no auge da sua produtividade, é incapaz de satisfazer a necessidade de toda a população mundial por comida. No Norte da África, onde ocorreram as revoltas, grande parte da população destina 80% dos seus recursos apenas para assegurar alimentação. Imagine a situação dessa população com a crescente alta dos preços dos alimentos. O sistema capitalista atingiu o limite das suas contradições. Em vez de enfrentá-las, preferimos achar soluções superficiais, transformamos a tragédia numa farsa, como cunhou Karl Marx. Transformamos a tragédia em farsa quando, por exemplo, aceitamos a ideia de que vamos resolver os problemas climáticos simplesmente reduzindo os níveis de emissão de carbono. Mas caminhamos para a outra direção, consumindo energia de uma forma cada vez mais irresponsável. Nós multiplicamos a produção de carros porque a produção de carros precisa crescer. Contudo, o problema real é a necessidade de transporte. Nossa sociedade acostumou-se a jogar os problemas para debaixo do tapete. Nosso tapete histórico está se tornando uma montanha. E está cada vez mais difícil caminhar sobre ele. Rosa Luxemburgo dizia: "Socialismo ou barbárie". Eu complemento: "Barbarie, se tivermos sorte".

O livro é publicado pela editora Boitempo, São Paulo, 2010.
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