quinta-feira, 16 de junho de 2011

474- Federalismo - Livro - 22 - distribuiçao de competências


5- A DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NO FEDERALISMO BRASILEIRO
José Luiz Quadros de Magalhães
Tatiana Ribeiro de Souza

O Estado Federal brasileiro tem um modelo complexo de distribuição de competência. Os artigos 21 de 23 da Constituição Federal dispõem sobre as competências administrativas que se dividem em dois tipos: as competências administrativas comuns e exclusivas.
As competências administrativas comuns são exercidas simultaneamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios simultaneamente e sem hierarquia.
Uma grave confusão ocorre com freqüência na administração pública dos entes federados. Como já mencionado diversas vezes, não há hierarquia entre os entes federados. Logo, é óbvio, que o servidor municipal não está subordinado às normas administrativas estaduais, assim como o servidor estadual não está subordinado às normas administrativas da União.
Um problema comum no Direito brasileiro ocorre com os atos administrativos normativos. As normas administrativas não podem, jamais, ir contra a lei ou além da lei. Os regulamentos, regimentos, circulares, instruções normativas, decretos, podem, no máximo, explicitar a lei sem, entretanto, inovar ou contrariar o ato normativo do Poder Legislativo. O Poder Executivo pode normatizar, mas nunca legislar. Entretanto é muito comum a invasão da competência exclusiva do Poder Legislativo por parte de órgãos administrativos, o que constitui grave comprometimento do Estado de Direito. O inciso II do artigo 5º da Constituição Federal parece esquecido e deve ser lembrado:
“Art.5º ...
II- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”
            Dispositivo que deve ser lido sob a observância do princípio constitucional da separação de poderes, restringe a ação normativa dos outros poderes, limitando a normatização administrativa ao ato de explicar sem criar.
            A inflação normativa de atos administrativos inconstitucionais e ilegais causa confusão ao servidor público que muitas vezes se vê diante de leis e atos normativos que contrariam leis, e que, por desconhecimento da lógica federal, se confundem no momento da aplicação da norma ao caso concreto. Uma norma administrativa da União só obriga servidores federais, nunca estaduais ou municipais. Da mesma forma, normas estaduais se aplicam aos servidores do Estado-membro e normas administrativas municipais se aplicam aos servidores municipais. Não há hierarquia entre estas normas, pois cada uma se restringe a sua respectiva esfera federal.

5.1. Competências Exclusivas e Privativas

            As competências administrativas exclusivas, previstas no artigo 21 da Constituição são competências indelegáveis e só podem ser exercidas pela União.
            De forma diferente, as competências legislativas se dividem em competências privativas, concorrentes plenas e suplementares e competências exclusivas.
            Neste ponto o nosso federalismo demonstra grandes problemas decorrentes da excessiva centralização de competências. Pela leitura do artigo 22 da Constituição percebemos que um grande número de competências legislativas pertencem à União como, por exemplo, legislar em matéria de Direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.  Até mesmo em Estado regionalizados como o estado autonômico espanhol, as regiões autônomas costumam ter mais competências legislativas que os estados membros brasileiros. Embora a Constituição de 1988 seja apresentada por muitos como uma Constituição descentralizada, sem duvida ela é em relação a nossa história, mas fica muito distante se comparada com constituições de outros estados democráticos.
            As competências legislativas concorrentes, de forma diferente das competências exclusivas, podem ser delegadas na forma do artigo 22 parágrafo único da Constituição de 1988 que dispõe:
“Artigo 22 ...
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.”

            Portanto, enquanto as competências legislativas exclusivas são indelegáveis, as competências legislativas privativas podem ser excepcionalmente delegadas por meio de lei complementar.


5.2. Competências Concorrentes

            As competências legislativas concorrentes previstas no artigo 24 são também reveladoras de nosso federalismo ainda muito tímido, quando se trata de distribuição de competências para legislar.
            Como não há hierarquia entre os entes federados as competências legislativas constituem o grande desafio de nosso federalismo. Em primeiro lugar importante lembrar que a inexistência de hierarquia entre os entes federados faz com que uma lei municipal só possa ser revogada por outra lei municipal e jamais por uma lei estadual ou da União, assim como uma lei estadual só possa ser revogada por outra lei estadual e jamais por um lei municipal ou da União. É evidente que o mesmo se aplica à União.
            Entretanto, como temos diversas competências concorrentes, como, por exemplo, a legislação de direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico, é necessária a criação de regras de convivência que mantenham um sistema federal coerente. Assim, o artigo 24 dispõe que a União e Estado Membros, quando legislarem sobre as mesmas matérias, desempenharão funções distintas e não hierarquizadas. Sem dúvida este é um desafio para o nosso federalismo, questionado por alguns teóricos. Dispõe o artigo 24, parágrafos 1º a 4º, que, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. Entenda-se por normas gerais, princípios que condicionam a atividade legislativa estadual e municipal por força do artigo 30 inciso II.
            Desta forma, a União estabelece os princípios, os Estados as regras específicas aplicáveis a sua realidade, e os municípios as regras aplicáveis a sua realidade. Seria uma hierarquia ou uma reserva de competência de cada ente em um federalismo de cooperação? O fato de o Brasil ser o primeiro Estado federal de três esferas traz este desafio que devemos enfrentar.
            Os parágrafos 3º a 4º do artigo 24 ajudam a responder esta pergunta. Como não existe hierarquia entre os entes federados a lei municipal não se subordina à estadual e federal e a lei estadual não se subordina à federal. Assim, dispõe o parágrafo 3º que quando inexistir lei federal (lei da União) sobre normas gerais, os Estados exercerão competência legislativa plena (competência legislativa concorrente plena) para atender suas peculiaridades. A superveniência de lei federal sobre normas gerais, que, por acaso, venha se chocar com os dispositivos da lei estadual, não revoga, ou invalida a lei estadual, mas apenas a suspende. Assim a lei estadual, e todos os seus dispositivos continuam válidos e vigentes, tendo apenas sua aplicação suspensa, enquanto existirem princípios (normas gerais) que sejam incompatíveis com determinadas regras da lei estadual.
            Não há, portanto, hierarquia entre leis municipais, estaduais e federais. Se uma lei municipal contrariar lei estadual ou federal, ou se uma lei estadual contrariar lei federal, estaremos diante de inconstitucionalidade e não de ilegalidade.
            De outra maneira, a Constituição do Município (Lei Orgânica Municipal) se submete a Constituição do Estado e a Constituição Federal, assim como a Constituição do Estado Membro se submete a Constituição Federal, lembrando sempre que a Constituição Federal não é da União, como ente federado, mas sim do Estado Federal, ente soberano com personalidade de direito público internacional. Neste ponto estamos diante de um ponto ainda problemático da teoria constitucional do federalismo, criado pela inovação de nosso federalismo de três esferas.

5.3. Competências Comuns

            A Constituição Federal de 1988 estabeleceu apenas que as matérias do artigo 23 são de competência comum à União, ao Distrito Federal, aos Estados-membros e municípios, deixando para lei complementar posterior a definição do modo de exercício dessas funções administrativas. Segundo a Constituição, a lei complementar fixará as normas para a cooperação entre os entes federados, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Acrescentamos que a lei complementar poderá promover o referido equilíbrio por meio de sistemas cooperativos de base vertical ou horizontal, quando se tratar, respectivamente, de cooperação entre a União e os Estados-Membros; União e Municípios; Estado-membro e Municípios ou cooperação entre Estados-membros ou entre Municípios.
            Uma das competências comuns, previstas no artigo 23 da Constituição Federal é a “promoção de programas de moradia”. Quando o desenvolvimento desses programas envolver recursos e critérios fixados tanto pela União, como pelos Estados-membros e municípios, trata-se de sistema de cooperação de base vertical. Mas, quando os programas forem desenvolvidos por parcerias intermunicipais ou interestaduais, trata-se de sistema de cooperação horizontal. Ambos são admitidos para o exercício das competências comuns constitucionalmente previstas.
            Desta forma, todos os entes federados (a União, os Estados-membros e os municípios) possuem entre as suas prerrogativas, o dever constitucional de:
1.       zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
2.       cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
3.       proteger os documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
4.       impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
5.       proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
6.       proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
7.       preservar as florestas a fauna e a flora;
8.       fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
9.       promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
10.   combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
11.   registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direito de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; e
12.   estabelecer e implantar política de educação para a segurança no trânsito.

            Além das responsabilidades compartilhadas como competências comuns, entre os entes da federação, duas outras funções do município carecem do apoio técnico e financeiro da União e dos Estados-membros, por força da própria Constituição Federal (art. 30, VI e VII) são elas: a manutenção de programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental e a prestação de atendimento à saúde da população.
            Embora o ente federado responsável pela educação pré-escolar e de ensino fundamental e pela prestação de atendimento a saúde, seja o município, isto deve ser feito com o auxílio dos demais entes, sem o que não seria possível aos municípios atender a estas atribuições.


5.4. Competência Suplementar

            As funções legislativas municipais, tanto as exclusivas quanto as suplementares, estão intimamente ligadas à função de auto-gestão dos municípios, pois sem a capacidade de elaborar leis sobre determinadas matérias, não haveria gestão autônoma nos municípios.
            A capacidade municipal de elaborar leis pode ser compreendida em duas modalidades distintas da atividade legislativa: aquela em que apenas o município pode legislar, como é o caso da elaboração do Plano Diretor municipal, da instituição do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano), etc; e uma outra, a de suplementar a legislação federal e estadual já existente.
Desse modo, embora os municípios não tenham sido incluídos entre os que compartilham da capacidade de legislar sobre as matérias previstas no artigo 24 da Constituição Federal, a eles foi designada a capacidade de "suplementar a legislação federal e estadual no que couber" (art.30, II, CF).
            Poderíamos nos perguntar: por que os municípios não estão entre aqueles que podem legislar concorrentemente sobre determinadas matérias se depois lhes foi autorizado suplementar a legislação? Ocorre que, entre as matérias de competência concorrente, estão algumas que não cabem aos municípios, como é o caso do inciso XI, do artigo 24, que estabelece a competência de legislar sobre "procedimentos em matéria processual", o que não caberia aos Municípios pelo simples fato de não haver Poder Judiciário Municipal.
            Portanto, os municípios podem legislar suplementarmente às leis da União e dos Estados-membros em determinadas matérias, desde que não sejam competência exclusiva ou privativa daqueles, ou competências concorrentes que não tratem de questões municipais, isto é, "no que couber".
            Poder suplementar a legislação é apenas uma das prerrogativas dos municípios, que teve ampliado o seu campo de atuação a partir da Constituição de 1988. As competências municipais, além das que já foram anteriormente mencionadas, estão reunidas no artigo 30 da Constituição e se dividem entre competências legislativas e administrativas.
            As funções legislativas municipais, previstas no artigo 30 da Constituição Federal são a de suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, e a de legislar sobre assuntos de interesse local.

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