Desnazificação do Brasil
Tirinha de André Dahmer – http://www.malvados.com.br
Por Henrique Napoleão Alves
“Desnazificação” (em inglês, Denazification) é o termo que designa a política promovida pelos países vencedores da Segunda Guerra Mundial – dentre eles os Estados Unidos – após a vitória contra a Alemanha Nazista, cujo objetivo era o de varrer o nazismo das relações sociais, práticas culturais, imprensa, justiça e política na Alemanha e na Áustria – um processo amplo, que envolveu milhões de pessoas, inclusive com a responsabilização jurídica de centenas de milhares de colaboradores do nazismo além ou à parte daqueles julgados como criminosos de guerra pelos tribunais respectivos.
Em 1968, o Museu de Ciência de Chicago montou uma exibição na qual crianças poderiam entrar num helicóptero militar e simular tiros de metralhadora contra uma vila rural do Vietnã, com luzes piscando quando acertavam os “alvos”. Isso se deu apenas um ano depois da advertência de um notório historiador militar e especialista em Vietnã, o Sr. Bernard Fall, que disse que o Vietnã estava literalmente ameaçado de extinção em virtude da destruição causada pelo poderio militar estadunidense.
Algumas mães protestaram contra a iniciativa do Museu, e foram reprimidas pelo próprio New York Times, que alegou que as mães não deveriam privar suas crianças do divertimento, o que levou o professor Noam Chomsky, à época, a questionar se os Estados Unidos não precisariam vivenciar, também, um processo de desnazificação.
Hoje, tomei conhecimento, por meio de uma reportagem da revista Carta Capital (“Mate o Mc DaLeste – o perigo da intolerância cultural“, 20/07/2013), que alguém aproveitou a notícia recente da morte do MC DaLeste, artista de funk da periferia de São Paulo, para criar um jogo na internet em que o “herói”, em meio a um cenário com logotipos do Partido dos Trabalhadores, do Programa Bolsa Família e da Rede Globo, precisa caminhar com arma em punho e matar jovens sem camisa portanto fuzis (representando traficantes favelados do varejo da droga), a Regina Casé (artista da Rede Globo identificada com as periferias do Brasil) e Tati Quebra-Barraco (famosa artista de funk da periferia do Rio de Janeiro), até alcançar o palco e assassinar também, ao final, o jovem MC Daleste.
Conforme reportou a revista Carta Capital, o vídeo que divulga o jogo “Mate o MC DaLeste” já conta com milhares de acessos e comentários, dentre eles: “Jogo bom, merece ganhar o jogo no ano 2013”; “Sacanagem não terem criado ainda outros níveis com outros funkeiros”; “FUNKEIRO BOM É FUNKEIRO MORTO”; “Ja baixei e joguei é divertido! zerei 3 vezes ja! Muita alegria matá esse verme!!!!! hehehe”.
Antes fossem comentários incomuns. Quantas vezes nos deparamos com discursos de ódio e intolerância, na internet e fora dela? Quantos comentários maldosos e agressivos contra funkeiros, pagodeiros, mulheres, gays, negros e pardos, militantes sociais, indígenas, nordestinos, praticantes de religiões afro-brasileiras (candomblé, umbanda, macumba) etc. são diariamente proferidos nos mais diversos espaços de socialização? E além desta violência simbólica brutal, quanta violência física não é praticada contra todos os grupos mencionados? Dez mil páginas poderiam ser gastas reportando apenas algumas delas, e ainda assim seria pouco.
Enquanto uns tantos se divertem atirando no MC DaLeste num cenário virtual, mais de 53 mil pessoas são assassinadas no Brasil a cada ano, em sua maioria jovens e pardos… como o MC Daleste. Quem puxa o gatilho?
Não somos o paraíso tropical onde convivem harmoniosamente as diferentes raças. Estamos e sempre estivemos longe, muito longe de sermos cordiais. A verdade é que seguimos sendo uma das sociedades mais violentas, injustas e desiguais do mundo. E já passou da hora de pensarmos na nossa própria desnazificação.
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