"Equal Marriage” x “Mariage Pour Tous”: diferentes histórias
do mesmo instituto
Alexandre Melo
Franco Bahia
Mestre e Doutor pela
UFMG
Professor Adjunto na
UFOP, FDSM e IBMEC-BH
Professor do
Mestrado da FDSM
Em 2013 tanto a França quanto a Inglaterra aprovaram leis que
permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, no entanto, as reações pré e
pós aprovação em ambos os países vêm sendo bem distintas.
Na França, em 2012, o Partido Socialista francês do então
candidato à Presidência François Hollande colocou como uma de suas propostas a
aprovação daquela lei (de outro lado, o candidato opositor, Nikolas Sarcoky, da
UMP, um partido de centro-direita, se postou justamente contra isso, numa
tentativa de agradar os conservadores). Vencendo os socialistas, o candidato,
ato contínuo, propôs o projeto de lei do “mariage pour tous”.
Na Inglaterra, ao contrário, foi o 1º Ministro David Cameron,
do Partido Conservador quem propôs e conseguiu aprovar com ampla maioria na Câmara
dos Comuns – e depois também na Câmara dos Lordes, seguindo-se a sanção real –
a lei do “equal marriage”.
Assim, na França a esquerda dava sequência ao que tem sido
parte de suas bandeiras (pós Guerra Fria), é dizer, a defesa dos direitos de
minorias em temas como o presente, mas também em questões como aborto,
eutanásia, etc. – como, aliás, o foi na Espanha, em Portugal e no Uruguai,
apenas para citar exemplos mais recentes. Na Inglaterra, ao contrário, foi
justamente o Partido Conservador o proponente (não sem resistência de alguns
correligionários).
As diferenças, no entanto, não ficam aí.
Na Inglaterra mais de 71% dos cidadãos eram de opinião de que
tal lei deveria ser aprovada. De fato, se houve alguma oposição no Parlamento
(principalmente no interior dos próprios conservadores, como dissemos) e da
Igreja Anglicana (dentro da qual há grandes discussões a respeito), por outro
lado, a população, em sua maioria, como dito, não mostrou resistência e a lei
foi aprovada sem maiores incidentes.
Na França, ao contrário, houve mais de uma manifestação de
rua de grupos a favor e contra. Milhares de pessoas foram às ruas ora para
defender, ora para criticar o projeto. Houve declarações públicas de líderes
religiosos que, em uma união poucas vezes vista (católicos, protestantes,
judeus e muçulmanos), entoaram em uníssono falas contra o casamento igualitário
Quais as razões para tais diferenças? Como é possível que na
terra da “liberté, égalité et fraternité”, lema que mudou a face do Direito não
apenas na França mas em todo o mundo, pessoas, em pleno século XXI saiam às
ruas para pedir que “o outro” tenha
menos direitos do que os que ela já possui?
De outro lado, como é que a Inglaterra, com suas rainhas e
seu tradicionalismo, com sua história secular praticamente sem grandes
irrupções que tivessem levado à queda de algum “antigo regime”, aprovou tão
facilmente aquela lei? Aliás, lei esta com efeitos muito mais simbólicos, pois
que o estatuto jurídico da união civil homoafetiva inglesa dá aos casais basicamente
os mesmos direitos que os casados.
Não pretendemos aqui esgotar as várias possibilidades de
análise que isso pode levantar, até porque isso caberá mais e melhor à
sociologia e/ou à história.
Queremos, sim, ressaltar dois pontos:
Primeiro que tanto na Inglaterra quanto na França (assim como
na Espanha ou Portugal), os governos de maioria que aprovaram tais medidas
foram eleitos tendo isso como uma de suas pautas. É dizer, o eleitor não foi em
momento algum surpreendido com alguma coisa nova que o eleito haja “inventado”
pós-pleito eleitoral.
Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde a maioria dos
partidos não possuem pautas claras de forma que o eleitor possa diferenciar uma
pauta “A” de uma pauta “Anti-A”, noutras democracias como as citadas acima,
“partidos tomam partido” a respeito de pautas específicas. Dois ou mais
partidos podem ser favoráveis à educação, por exemplo, mas, ao contrário do que
ocorre aqui, em que a definição para aí, lá um será a favor de que, por
exemplo, a educação receba um financiamento que represente 10% do PIB e o outro
entenderá que se deve gastar 2% e que o restante deve ser pago pelas famílias.
Dessa forma, quando o eleitor votou nos partidos que formaram
as maiorias, sabia exatamente em que projetos estava votando.
Em segundo lugar, chamamos a atenção para o fato de que na
pátria da laicidade do Estado (a Revolução francesa tinha na separação entre
Estado e Igreja uma de suas grandes bandeiras), foram justamente as igrejas as
grandes forças políticas que mobilizaram a população contra o projeto de lei.
Razões religiosas, portanto, não públicas (ou não sujeitas ao debate)
sustentaram boa parte dos discursos contra o casamento igualitário. De outro
lado, na Inglaterra, onde até os dias atuais quem ocupa a Coroa é também chefe
da Igreja Anglicana, esta não interferiu com a mesma intensidade, ficando seus
debates muito mais internos.
Aqui no Brasil, num momento em que ascende o fundamentalismo
religioso em nossa res-publica, é
tempo de aprendermos algumas lições com ingleses e franceses. Direitos
Fundamentais de liberdade e igualdade precisam ser relidos constantemente, de
forma a (re)incorporar novos sujeitos e novas configurações. Ademais, o caminho
da democracia constitucional apenas aponta para frente, sendo proibido o retorno
democrático ou a desqualificação constitucional do status já conseguido.
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